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Confira um fragmento da entrevista de David Normando à edição v24n2 da DPJO

Dr. Laurindo e Dr. David Normando no 18º Excelência na Ortodontia (Foto: Giulia Cordeiro/Dental Press)

David Normando
David Normando é o entrevistado da DPJO v24n2

“Há várias métricas para se aquilatar um homem. Uma delas é, sem dúvida, o respeito que instila em seus pares. Ao organizar o conjunto de perguntas direcionadas ao Prof. David Normando, feitas por alguns dos maiores pensadores da Ortodontia contemporânea, vi o reflexo desse respeito em questionamentos profundos que poucos poderiam responder com tanta propriedade. Ele também demonstra que as estrelas mais brilhantes na esfera celeste não estão restritas às delimitações de países ou regiões e se tornam referência para todos, onde quer que estejam e de onde quer que venham. Entretanto, confesso, sinto um orgulho especial por saber que esse ícone da Ortodontia trilhou um caminho tortuoso como os igarapés nas escolas públicas onde estudou, em cidades remotas da Amazônia brasileira; sua formação ortodôntica requereu viagens de ônibus entre Belém e Bauru que perfazem voltas ao redor da Terra. Nisso, cito aqui pequenos flashes de sua bonita história de vida. David tem uma personalidade agregadora que aproxima os amigos e organiza com precisão estatística as equipes de trabalho. Essa virtude muito contribuiu para o cresci-mento da produção científica da Região Norte do Brasil na Odontologia, culminando na criação do primeiro curso de doutorado em Odontologia nessa região. Ele ainda tem o privilégio de ter ao seu lado Thiene, sua esposa e confidente, com quem tem dois filhos, Gabriel e Matheus. Uma linda família que professa os valores da ética, do trabalho árduo e honesto, e da felicidade.”

– Jorge Faber, coordenador da entrevista

 

1) Prof. David Normando, recebi com grande alegria o convite para fazer parte desse distinto time de profissionais com a responsabilidade de fazer perguntas a um dos ortodontistas brasileiros mais qualificados, tanto no aspecto clínico quanto, e principalmente , na metodologia científica e na função de editor de revistas científicas. Assim, gostaria de saber: qual dessas vertentes o motiva mais, nesses dias e no estágio profissional em que você se encontra? (Weber Ursi)

Querido amigo, muito obrigado pelo carinho e pela admiração, que são mútuos. Tenho a impressão de que depois dos 40 anos de idade precisamos ter outras atividades. A curva de aprendizagem na profissão escolhida desacelera, e o cérebro precisa de novos desafios e aprendizados. Atualmente, leio muito sobre Bioestatística, com tanto prazer quanto sobre a Ortodontia. Gosto de tudo o que faço, mas não me vejo 40 horas por semana em uma única atividade; entretanto, a ciência é o meu melhor esporte. Considero a função de editor um exercício de cidadania. Juntamente com os revisores, exercemos um papel fundamental na triagem do que é mais confiável para chegar até os olhos dos nossos leitores — clínicos, na sua maioria — e, em seguida, aos pacientes. Esse papel é fundamental para a atividade clínica e, portanto, para a nossa sociedade.

2) Como definir estabilidade bem-sucedida? As metas perfeitas de estabilidade da posição dos dentes são justificáveis? Nossa compreensão das mudanças faciais contínuas na vida adulta melhorou imensamente. Como ligamos esse novo conhecimento à estabilidade oclusal? (Carlos Flores-Mir)

Tenho convicção de que os nossos conceitos de estabilidade são bem diferentes da opinião dos nossos pacientes. Quando um paciente chega ao meu consultório para uma consulta de controle pós-tratamento, sempre repito a mesma pergunta: “Como está a vida, e seus dentes?”. Aprendi essa abordagem com o Prof. Omar Gabriel. Se a resposta for “Tudo bem.”, analisarei a estabilidade da oclusão com o entendi-mento de que aquilo que enxergarei não incomoda o paciente. Obviamente, é importante apresentar ao paciente qualquer desvio; mas devemos prestar in-formações se há necessidade de um retratamento. Infelizmente, se você deixar essa informação ser re-passada por outro especialista, ficará refém da boa conduta e ética desse colega.

3) Na minha opinião, baseada na literatura e em uma extensa experiência clínica e didática, considero que as ocorrências pós-tratamento já estão definidas há muito tempo. Com a perspectiva das alterações pós-tratamento divididas em recidiva e instabilidade, o ortodontista teria a responsabilidade de partilhar isso com o principal interessado — o paciente e/ou seus responsáveis — e adotar condutas em co-mum acordo, reconhecendo que o tratamento não termina com a retirada do aparelho. Muitos ortodontistas relutam em aceitar essas potenciais mudanças pós-tratamento, relacionadas ao padrão de crescimento, à maturação e ao envelhecimento; e definidas, de modo inexorável, pela ciência. Contrapõem possibilidades de estabilidade absoluta, que acontece mas não é prognosticável sob qualquer aspecto conhecido; e, nesse contexto, como escreveram Nanda e Burstone1: “[…] acredita-mos que estabilidade não é um problema e, continuamente, gerações de ortodontistas são formadas nessa concepção”. Qual sua posição nesse processo, bem como as consequentes condutas conceituais, didáticas e clínicas? (Leopoldino Capelozza)

Novamente, esse é um conceito em voga no Brasil. Em eventos científicos responsáveis, jamais ouvi alguém desafiando a instabilidade do tratamento ortodôntico e do envelhecimento fisiológico da oclusão. Tenho uma leitura de oportunismo no conceito de que a oclusão excelente é imutável. O corpo não é imutável. Inúmeros estudos já descreveram que até casos finalizados de forma excelente possuem instabilidade. Mesmo que esses estudos possuam falhas metodológicas, deveríamos nos basear nessa premissa científica. Se algum colega que está lendo essa entrevista acredita que sem contenção seus casos estarão estáveis, eu o convido a realizarmos um trabalho de pesquisa debruçados no acompanhamento de ca-sos clínicos consecutivos e que não tenham feito uso de contenção. Eu serei o primeiro a propagar que a ciência ortodôntica e ortodontistas do nível de Burstone, Little, Nanda e Capelozza estavam equivoca-dos. Por enquanto, prefiro manter as contenções.

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