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Comparação das medidas dentárias mesiodistais em indivíduos brasileiros leucodermas, melanodermas e xantodermas com oclusão normal

Objetivo: observar a presença de dimorfismo sexual e comparar a largura mesiodistal dos dentes em indivíduos brasileiros leucodermas, melanodermas e xantodermas não tratados ortodonticamente e com oclusão normal.

Métodos: foram utilizados 100 pares de modelos de gesso ortodônticos. As larguras mesiodistais dos dentes foram medidas de primeiro molar a primeiro molar, em ambas as arcadas, utilizando um paquímetro digital. Para a análise estatística dos resultados foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov, o teste t, a Análise de Variância (ANOVA) a um critério e o teste de Tukey (p < 0,05).

Resultados: ocorreu dimorfismo sexual nos três grupos avaliados, sendo que as maiores larguras mesiodistais foram encontradas no sexo masculino. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos raciais em todos os dentes avaliados para o sexo masculino. Já no sexo feminino, essa mesma diferença foi encontrada apenas nos dentes incisivo lateral e primeiro molar superior, e incisivo lateral, canino, primeiro pré-molar e primeiro molar inferior.

Conclusão: a maioria das medidas dentárias mesiodistais apresentam características próprias em relação ao sexo, com valores maiores para o sexo masculino; e em relação à raça, com uma tendência dos melanodermas apresentarem maior distância mesiodistal dos dentes, seguidos pelos xantodermas e leucodermas, respectivamente. O conhecimento dessas diferenças é importante para o correto diagnóstico e planejamento ortodôntico.

Palavras-chave: Ortodontia. Oclusão dentária balanceada. Dente.

 

INTRODUÇÃO

Os modelos das arcadas dentárias, integrantes da documentação ortodôntica, são indispensáveis para o diagnóstico e planejamento ortodôntico, sendo utilizados também para a avaliação do tratamento e o controle dos casos. As larguras mesiodistais e verticais das coroas dentárias e as formas das arcadas superior e inferior viabilizam a correlação dessas com a face, além de permitirem identificar possíveis alterações de forma31. A mensuração dos tamanhos de dentes mesiodistais superiores e inferiores é um fator importante para estabelecer um diagnóstico mais acurado, para determinar o plano de tratamento correto e se obter maior estabilidade6,21. A reanatomização ou o desgaste dentário de um dente, quando bem indicados e ajustados funcionalmente, podem proporcionar resultados satisfatórios11,26,30.

O tamanho dos dentes pode variar conforme o sexo e a raça1,16,21, tornando-se necessários novos estudos que quantifiquem essas medidas2, pois essas diferenças podem dificultar o tratamento ortodôntico.

Os profissionais devem estar preparados para atender indivíduos de diferentes etnias e ser capazes de antecipar essas diferenças de tamanho e formato da arcada dentária, estabelecendo um tratamento mais personalizado7. Sendo assim, devido à relevância do tema, constatou-se a necessidade de se realizar uma comparação das medidas dentárias mesiodistais para os diferentes grupos raciais, constituindo padrões apropriados para indivíduos brasileiros leucodermas, melanodermas e xantodermas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Composição e critérios de seleção da amostra

A amostra foi constituída por 100 pares (50 de cada sexo) de modelos de gesso de indivíduos não tratados ortodonticamente, com oclusão normal, face harmoniosa, cuja idade média foi de 15,61 anos. A amostra foi proveniente da disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru e aprovada pelo comitê de ética dessa instituição. O total da amostra foi constituído por 30 indivíduos leucodermas (15 de cada sexo) com idade média de 20,22 anos de idade, 40 indivíduos melanodermas (20 de cada sexo) com a idade média de 13,36 anos, e 30 indivíduos xantodermas (15 de cada sexo) com idade média de 15,71 anos de idade.

O grupo leucoderma foi constituído de descendentes de mediterrâneos; o melanoderma, principalmente por descendentes da costa africana; e o xantoderma, por indivíduos com ascendência japonesa, sendo que nenhuma das amostras não apresentou indivíduos miscigenados.

Os critérios de seleção foram: (1) dentes permanentes superiores e inferiores em oclusão, com ou sem segundos e terceiros molares; (2) oclusão satisfatória (relação de Classe I de Angle, sem apinhamento, sem mordida aberta ou sobremordida); (3) ausência de submissão prévia ao tratamento ortodôntico; (4) ausência de dentes com anomalia de forma ou número; (5) sem extrações; (6) ausência de restaurações grandes que pudessem alterar o diâmetro mesiodistal dos dentes; (7) modelos em boa qualidade; e (8) etnia conferida por fotografias e história dos pacientes obtidos em questionários preenchidos por eles ou pelos responsáveis.

Obtenção dos dados

Após a calibração do operador, foi iniciado o processo de obtenção dos dados. As medições foram feitas diretamente nos modelos com o auxílio de paquímetro digital (Mitutoyo, EUA), permitindo obter valores com precisão de até 0,01mm, medindo-se a maior medida mesiodistal dos incisivos, caninos, pré-molares e molares em ambos os lados e nessa sequência. O paquímetro foi posicionado paralelamente à superfície oclusal, pela face vestibular, perpendicularmente ao longo eixo da coroa, medindo-se a maior distância mesiodistal do dente.

Análise estatística

Os dados foram analisados em tabelas e gráficos contendo valores de média e desvio-padrão. O teste de Kolmogorov-Smirnov comprovou a distribuição normal para todas as variáveis estudadas, permitindo a utilização de testes paramétricos. Assim, para a análise estatística comparativa dos dados, utilizou-se o teste t para comparação entre sexos, e a ANOVA a um critério para comparação dos grupos (leucoderma, melanoderma e xantoderma), adotando nível de significância de 5%. Os testes foram realizados no programa de computador Statistica (Statistica for Windows 6.0, StatSoft, Inc. Tulsa, EUA).

 

RESULTADOS

Os erros casuais, obtidos com a fórmula de Dalhberg, foram considerados aceitáveis, e as distâncias mesiodistais dos dentes variaram de 0,09 a 0,33mm. Os molares apresentaram o maior erro e os caninos, o menor. Os erros sistemáticos, observados por meio do teste t dependente, foram considerados pequenos, e, das 24 variáveis avaliadas, apenas 4 apresentaram diferença estatisticamente significativa (primeiro pré-molar e molar superiores e canino e primeiro pré-molar inferiores).

Os resultados são apresentados em tabelas e gráficos. Ocorreu dimorfismo entre os sexos em todos os grupos avaliados, e os dentes que apresentaram essa diferença estatisticamente significativa podem ser visualizados nas Tabelas 1, 2 e 3, as quais comparam as medidas mesiodistais pelo teste t dos melanodermas, leucodermas e xantodermas, respectivamente. As diferenças raciais foram estatisticamente significativas entre todas as variáveis para o sexo masculino (Gráf. 1), e para 6 variáveis (incisivo lateral e molar superiores, e incisivo lateral, canino, primeiro pré-molar e molar inferiores no sexo feminino) quando comparados os três grupos (Gráf. 2).

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DISCUSSÃO

Obtenção das medidas

O diagnóstico ortodôntico é um fator essencial para a elaboração de um plano de tratamento adequado. Sendo assim, essa pesquisa teve como objetivo principal determinar as distâncias mesiodistais dentárias em modelos de gesso a fim de contribuir com informações úteis para o diagnóstico ortodôntico nas diferentes raças estudadas.

Já foi demonstrado que medições feitas sobre modelos de gesso são mais confiáveis que medições feitas diretamente na boca do paciente13, e que o paquímetro é o melhor instrumento para se realizar a análise de tamanho dentário, sendo mais confiável que o compasso de pontas secas13,24,25. Assim, com o método utilizado para a medição da distância mesiodistal de cada dente obteve-se a maior distância entre as faces mesial e distal dos dentes, em modelos de gesso, por meio de um paquímetro digital, posicionado o mais paralelo possível à superfície oclusal, pela face vestibular do dente14,17,22,31.

 

Dimorfismo sexual 

Vários estudos têm relatado a existência de diferenças significativas entre o tamanho de dentes de homens e mulheres, havendo uma tendência dos homens apresentarem dentes maiores no sentido mesiodistal2,5,9,15,21,28. Em virtude disso, o primeiro cuidado dessa pesquisa foi verificar a presença de dimorfismo sexual dentro dos diferentes tipos raciais. Esse procedimento objetivou determinar se seria possível agrupar os sexos dentro de cada grupo racial específico ou se haveria necessidade de uma avaliação separada, para evitar quaisquer interferências de sexos. Uma vez evidenciada a ocorrência de dimorfismo sexual entre a distância mesiodistal nas três amostras analisadas (Tab. 1, 2, 3), os dois sexos não foram agrupados e, com isso, pôde-se comparar as diferenças raciais, sem a interferência desse fator.

Embora no Brasil ocorra uma extensa miscigenação racial da população, o que dificulta o estabelecimento preciso da origem étnica dos indivíduos, no presente estudo procurou-se trabalhar apenas com indivíduos sem miscigenação (melanodermas, leucodermas e xantodermas). No grupo melanoderma, o sexo masculino apresentou as distâncias mesiodistais de todos os dentes maiores que as do sexo feminino, com 9 variáveis estatisticamente significativas (incisivos centrais, caninos e primeiros molares superiores e todos os grupos de dentes inferiores), corroborando o estudo de Burris e Harris7, que também evidenciou maiores dentes para o sexo masculino do que para o feminino em indivíduos melanodermas americanos.

No entanto, para os outros dois grupos étnicos essa diferença não foi tão evidente. Nos leucodermas apenas duas variáveis (caninos e primeiros molares inferiores) apresentaram diferença estatisticamente significativa, demonstrando pouca ocorrência de dimorfismo sexual (Tab. 2). Todavia, todos os grupos dentários, mesmo que estatisticamente não significativos, apresentaram valores maiores para os homens, com exceção dos primeiros pré-molares superiores, com média de 6,86mm para o sexo masculino, e de 6,89mm para o feminino.

Para os xantodermas, ocorreu dimorfismo sexual em quatro variáveis (incisivos laterais superiores; incisivos centrais e laterais e caninos inferiores), como pode ser observado na Tabela 3. Apenas os segundos pré-molares inferiores apresentaram-se maiores nas mulheres do que nos homens, apesar de estatisticamente não significativo, com valores de 7,01mm e 6,98mm, respectivamente. Pode-se afirmar, em termos gerais, que o sexo masculino apresentou maiores distâncias mesiodistais que o sexo feminino, corroborando diversos autores4,12,22,27.

Nos três grupos raciais estudados foi possível perceber que houve dimorfismo sexual no canino inferior, corroborando estudos que apontam o canino inferior como o dente que mais apresenta diferença entre os sexos masculino e o feminino20. Essa diferença pode ser utilizada como instrumento para diferenciação dos sexos em Odontologia Forense20.

 

Origem étnica

Muitos relatos na literatura evidenciam as diferenças raciais5,10,15,21,28, tanto nas dimensões, como nas proporções dos dentes. Sendo assim, os autores Nie e Lin19 e Ta et al.29 sugerem, para minimizar quaisquer influências raciais, que se avalie separadamente os diferentes grupos, tal como feito no presente trabalho.

Todos os resultados obtidos das médias dos diâmetros mesiodistais dos grupos de dentes no sexo masculino, comparando os três grupos étnicos, apresentaram diferenças estatisticamente significativas (Gráf. 1). Para o sexo feminino, metade das variáveis apresentou diferença estatisticamente significativa (incisivos laterais e primeiros molares superiores; incisivos laterais, caninos, primeiros pré-molares e primeiros molares inferiores), como pode ser visualizado no Gráfico 2.

As distâncias individuais dos dentes no sexo masculino têm uma tendência a serem maiores na maior parte dos grupos dentários para a amostra melanoderma, seguida pela amostra xantoderma; e os menores valores encontrados nos leucodermas, tanto nos dentes superiores quanto nos inferiores (Gráf. 1). Entretanto, essa diferença não foi tão clara no sexo feminino, que repetiu a ordem decrescente das distâncias mesiodistais de melanoderma, xantoderma e leucoderma, porém com resultados comparativos nem sempre significativos para cada grupo de dentes (Gráf. 2).

Sabe-se que indivíduos da raça negra apresentam incisivos inferiores e superiores mais inclinados para vestibular e mais protruídos, bem como lábios superior e inferior, maxila e mandíbula mais protruídos8 que indivíduos de diferentes origens étnicas3,8,18. Pode-se inferir que essa biprotrusão dos dentes pode estar associada à maior distância mesiodistal dos melanodermas — como a encontrada no presente estudo —, já que a amostra foi constituída de pacientes que apresentavam oclusão normal. Com esse raciocínio, pode-se inferir que as menores distâncias mesiodistais encontradas para os leucodermas possam ter relação com a menor inclinação que normalmente é encontrada nos leucodermas23.

Na rotina de um consultório, o ortodontista pode encontrar dificuldades ao se deparar com problemas na forma e no tamanho dentário31. A partir da coleta e da análise dos dados do presente estudo, pode-se concluir que a maioria das medidas dentárias mesiodistais apresentou características próprias em relação ao sexo e raça, corroborando as conclusões de Smith et al.28, que observaram que a relação entre o tamanho dos dentes depende da população, do sexo e do comprimento da arcada.

Além disso, cabe ressaltar que a avaliação do tamanho dentário na conduta clínica pode tornar-se imprescindível tanto na escolha do dente a ser extraído, quanto na quantidade de desgaste dentário (stripping) possível, pois pode influenciar diretamente no planejamento e no prognóstico do caso. Isso confirma a importância da avaliação das medidas mesiodistais dentárias para o correto diagnóstico, planejamento ortodôntico e individualização dos casos.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos na presente pesquisa permitiram inferir que:

1) Há dimorfismo sexual nas distâncias mesiodistais dos dentes dos indivíduos do sexo masculino, sendo maiores que as do sexo feminino nos:

» melanodermas, em dentes inferiores e incisivos centrais, caninos e primeiros molares superiores.

» leucodermas, em caninos e primeiros molares inferiores.

» xantodermas; em incisivos laterais superiores e incisivos centrais, laterais e caninos inferiores.

2) Houve tendência de os melanodermas apresentarem maior distância mesiodistal dos dentes, seguidos pelos xantodermas e leucodermas, respectivamente.

3) A maioria das distâncias mesiodistais apresentou características próprias em relação ao sexo e à raça.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Como citar este artigo: Fernandes TMF, Sathler R, Natalício GL, Henriques JFC, Pinzan A. Comparison of mesiodistal tooth widths in Caucasian, Black and Japanese Brazilian with normal occlusion. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):130-5.

Enviado em: 24 de novembro de 2009 – Revisado e aceito: 27 de abril de 2011

Endereço para correspondência: Thais Maria Freire Fernandes

Alameda Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75

CEP: 17.012-901 – Bauru/SP

E-mail: thaismaria@hotmail.com

 

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