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O mundo do vinho e o mundo ortodôntico – por Carlos Alexandre Câmara

Carlos Alexandre Câmara

Especialista em Ortodontia pela UERJ e diplomado pelo BBO. Atua em clínica privada em Natal (RN), com foco em tratamentos integrados. É o atual editor-chefe da Revista Clínica de Ortodontia Dental Press, além de contribuir com diversas publicações científicas no Brasil e no exterior.

Deve-se usar da liberdade, como do vinho, com moderação e sobriedade” (Marquês de Maricá).

Quem conhece e aprecia um bom vinho certamente já deve ter ouvido falar de Robert Parker Jr., o crítico de vinhos mais louvado e influente do planeta, que tem a espantosa capacidade de fazer que alguns rótulos, bem classificados, alcancem sucesso e altos preços; enquanto outros, mal avaliados, fiquem esquecidos e encalhados nas prateleiras.

O sucesso desse famoso comentarista, que era advogado até meados da década de setenta, deve-se a inúmeros fatores: conhecimento diferenciado, gosto requintado, criatividade e espírito Editorial empreendedor, certamente, foram habilidades indispensáveis para ele atingir tal sucesso. Porém, pode-se dizer que a qualidade que realmente fez toda a diferença para que ele alcançasse o topo da confiança foi, sem dúvida alguma, a sua idoneidade. Decidido a manter uma postura ética forte — não aceitando favores ou benefícios de qualquer vinícola, e pagando do próprio bolso os vinhos que experimenta —, tornou-se um crítico confiável e elogiável, dando credibilidade à sua inovadora metodologia de avaliação.

Parabéns para Robert Parker, que se tornou um ícone e popstar no requintado mundo do vinho.

Mas o que essa história tem a ver com a Odontologia e, em especial, com a Ortodontia? Eu diria que muito, muito mesmo! E a palavra-chave aqui é ética (profissional), exemplificada pela ausência de vantagens escusas, diretas e pessoais.

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Em um mundo repleto de preocupações comerciais imediatas, não é incomum encontrar, na nossa especialidade e em qualquer outra atividade, uma vasta gama de interesses divergentes. No caso da Ortodontia, a nossa indústria e nosso comércio movimentam milhões de dólares todos os anos, e não seria estranho imaginar que há um forte jogo de conveniência envolvido nesse ambiente.

Na verdade, não se pode dizer que o interesse comercial é, em sua essência, prejudicial a qualquer atividade; afinal, a mola-mestra (e legítima) de qualquer regime capitalista é o lucro, e a intenção de obtê-lo é lícita e aceitável. Faz parte do jogo! O problema existe quando não se joga limpo; em outras palavras, quando o que se mostra e elogia não é exatamente aquilo que se apresenta na prática; ou seja, quando existe o desditoso conflito de interesses.

Não há nada de mais em ser pago para apresentar algo; é normal, plausível e permitido. O problema está quando a informação repassada é parcial, tendenciosa ou, pior ainda, falsa.

Já cansei-me de assistir a cursos e palestras, de excelentes profissionais, que são explicitamente patrocinados por empresas ortodônticas. São cursos tão bons quanto qualquer outro, com a diferença de que dão um enfoque maior em um determinado produto. Esse tipo de atitude não reflete qualquer conflito de interesses, pois a intenção do profissional é explícita e justificável: ele recebe, mas acredita no que está apresentando e declarando.

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A grande questão é quando se tenta vender um “título de capitalização” ortodôntico. Todo mundo sabe que os títulos de capitalização são os piores investimentos oferecidos pelos gerentes de banco para os clientes, apesar de serem os mais lucrativos para os bancos. Ou seja, aquilo que é apresentado não tem o referido valor. Vende-se a ilusão de uma qualidade inexistente.

É triste ver que interesses obscuros estejam por detrás de vantagens pessoais. Acreditar que um determinado aparelho ou técnica realmente fará diferença na nossa vida e na dos nossos pacientes, por conta de uma apresentação com benefícios duvidosos, é uma lástima e, por que não dizer, revoltante.

Felizmente, existe antídoto para isso. As evidências científicas, em conjunto com a literatura, são um forte remédio contra os vendedores de ilusões. A experiência clínica também tem o seu valor: aliada ao estudo incansável da boa e correta Ortodontia, sempre levará vantagem sobre o caminho malditoso da informação incorreta.

Sendo assim, pode-se deduzir que estas três palavras que começam com a letra “e” — estudo, experiência e ética — devem, sempre, servir de guardiãs da lisura e veracidade das boas informações, fazendo a diferença na propagação da nossa pertinente, verdadeira e querida especialidade.

Viva a Ortodontia!

*Texto publicado originalmente da Revista Clínica de Ortodontia Dental Press (v16n4)

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