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Clareamento dental e o tratamento ortodôntico: esclarecimentos e orientações

Resumo

O presente artigo trata sobre qual é o melhor momento para se aplicar ou recomendar a clareação dentária aos pacientes ortodônticos. Alguns esclarecimentos e orientações são explanados para responder questionamentos, como:

1) Por que depois do tratamento ortodôntico se constitui a melhor oportunidade para tal procedimento?

2) Por que não realizar a clareação dentária imediatamente antes do tratamento ortodôntico?

3) Se for possível realizar a clareação antes do tratamento ortodôntico em alguma condição especial, qual seria essa?

4) Por que não se deveria clarear os dentes durante o tratamento ortodôntico?

5) Se é possível realizar a clareação durante o tratamento ortodôntico em alguma situação especial, qual seria essa situação? Destacaremos aqui porque é fundamental sempre proteger a mucosa e a região cervical, independentemente do momento em que se fizer uma clareação dentária relacionada ou não ao tratamento ortodôntico.

Palavras-chave:  Clareação dentária. Clareamento dentário. Tratamento ortodôntico.

Introdução

Houve um tempo (antes da década de 1980) em que o ortodontista se restringia a movimentar dentes e a corrigir a má oclusão e estética apenas em pacientes jovens, sem qualquer ausência de dentes, sem próteses ou implantes, com dentes e gengivas hígidos e organismos completamente saudáveis.

Na atualidade, além de atender as necessidades funcionais e estéticas de todas as idades, e nas mais variadas situações de saúde bucal e sistêmica, o ortodontista apoia e auxilia outros tipos de tratamentos reabilitadores bucais de variada complexidade.

Nos tempos atuais, no planejamento ortodôntico, mesmo antes de se iniciar o tratamento, ainda no levantamento das expectativas e perspectivas, o paciente já questiona o profissional sobre quando e como será o melhor momento para clarear os dentes. Há uma necessidade individual e social de se apresentar com dentes brancos e hígidos.

Na prática clínica, de um modo geral, clarear os dentes deve preceder os tratamentos restauradores e reabilitadores, pois, a partir da cor que se conseguiu obter com a técnica clareadora, se procurará restaurar os dentes e reabilitar espaços perdidos, procurando harmonizar todos os componentes que comporão o futuro sorriso.

No entanto, na clínica ortodôntica, de um modo peculiar, deve-se procurar clarear os dentes depois da remoção do aparelho ortodôntico, a não ser em situações muito especiais e com objetivos muito específicos.

Por que clarear os dentes depois do tratamento ortodôntico?

Uma vez finalizado o tratamento, todas as superfícies coronárias estarão posicionadas, expostas adequadamente e prontas para sofrer a ação do agente clareador de forma uniforme. Mesmo assim, o resultado não será, necessariamente, uniforme no primeiro momento, pois alguns dentes podem requerer aplicações adicionais, pois cada dente, de um mesmo paciente, tem uma tonalidade de cor diferente. Isso é assim porque a estrutura dentária, como um todo, e o esmalte, especificamente, não têm o mesmo volume, espessura e grau de mineralização em todos os elementos.

Em alguns casos, após remover o aparelho, as superfícies abaixo dos braquetes podem estar irregulares na superfície e na cor, ou até com microfragmentos de resina, ainda aderidos sobre o esmalte. Essas superfícies precisam ser regularizadas com procedimentos restauradores abrasivos e/ou remineralizadas para que voltem a ficar com cor e superfície regulares e harmoniosas com as áreas vizinhas.

Ainda depois de se remover os aparelhos ortodônticos, deve-se ter o cuidado de uma adequação do meio bucal, as gengivites focais e ocasionais devem regredir e, sob controle, a placa dentobacteriana deve voltar ao desejável. Depois de alguns dias, essa readequação pode determinar um meio bucal ideal para um procedimento clareador dentário mais eficiente e uniforme. A presença de placa dentobacteriana, cálculos e fragmentos de resina dificultam a ação do agente clareador sobre a superfície do esmalte; a gengivite, por sua vez, fragiliza estruturalmente a gengiva em casos em que o clareador entre, acidentalmente, em contato com suas estruturas.

Por que não clarear os dentes antes do tratamento ortodôntico? Ou pode? Quando?

No tratamento ortodôntico, os dentes podem ser intruídos ou extruídos, expondo partes, inicialmente, ainda recobertas por gengiva em dentes mal posicionados ou não completamente irrompidos — situação comum de acontecer com os caninos superiores, por exemplo. As áreas ainda recobertas por gengiva ou em contato com outros dentes não entrarão em contato com o clareador como nas demais áreas, caso o procedimento seja realizado antes do tratamento ortodôntico finalizado. Caso a clareação seja realizada antes do tratamento ortodôntico, essas áreas, quando expostas, podem ficar diferentes em suas tonalidades de cor.

Os agentes clareadores são soluções ácidas à base de peróxido de hidrogênio, em todas suas formas de ação sobre os dentes2,6. Sua ação na superfície do esmalte deixa-a, primeiramente, mais porosa. Simultaneamente, ou logo após, a colocação de braquetes exige um ataque ácido para aderir a resina ao esmalte em sua fixação sobre a coroa dentária. A fixação dos braquetes e o esmalte abaixo dessas superfícies podem ficar muito fragilizados estruturalmente (Fig. 1, 2). Na remoção dos braquetes, lascas de esmalte podem se desprender, comprometendo sua integridade superficial.

As restaurações resinosas podem ter um aumento de infiltrações pela ação desmineralizadora e pela capacidade infiltrativa do peróxido de hidrogênio. Assim, não seria diferente entre a resina e o braquete como é com a superfície do esmalte, promovendo seu deslocamento com maior facilidade. Da mesma forma, os ácidos bacterianos da placa dentobacteriana formada nessas superfícies irregulares tenderiam a ficar acumulados e ativos, gerando cáries tipo mancha branca subjacente aos braquetes, especialmente se o paciente não for cuidadoso na higienização bucal.

Nas áreas coronárias expostas, no esmalte mais poroso, podem aderir mais placas dentobacterianas, de forma mais acentuada pela maior retenção mecânica, decorrente dos braquetes e de outros petrechos e acessórios ortodônticos.

Mas pode? Pode quando? Um melhor aspecto dos dentes, de um modo geral, pode ser obtido já nos primeiros momentos da clareação, pois se observa uma nítida melhora no aspecto pela limpeza oferecida pelo peróxido de hidrogênio em função de sua alta permeabilidade nas mínimas reentrâncias, como lamelas, trincas e pequenas depressões e irregularidades naturais, ou não, do esmalte. Os pigmentos nessas irregularidades serão eliminados, prontamente, nos primeiros momentos da clareação.

Essa melhora pode ser, psicologicamente, motivadora para que o paciente suporte melhor um prolongado tratamento ortodôntico, quando for o caso. Mas, ressalta-se que, para esse objetivo, o procedimento clareador deve ser breve, com finalidade bem definida e com a aplicação muito bem controlada por profissional habilitado.

Outro motivo bem específico para se fazer uma clareação dentária antes do tratamento ortodôntico pode ser aquele de natureza profissional, especialmente se considerarmos que, nos tempos atuais, a imagem predomina muitas vezes sobre o conteúdo teórico ou filosófico em determinados processos. São casos peculiares e específicos, aplicáveis aos modelos fotográficos e a outras profissões que dependem da imagem e da exposição pública, requerendo dentes brancos e limpos. O mesmo ocorre quando o paciente será submetido a entrevistas e a outras formas de seleção para empregos e oportunidades de trabalho e artísticas.

Por que não clarear os dentes durante o tratamento ortodôntico? Ou pode? Quando?

A franca exposição dos poros e periquimácias na superfície do esmalte não se fará uniformemente e de forma controlada nas áreas logo abaixo dos braquetes (Fig. 1, 2), mesmo que haja possibilidade de infiltração na resina que os fixa na coroa dentária. Não há, ainda, estudos revelando como se comporta o esmalte, suas estruturas e fisiologia nas áreas abaixo dos braquetes fixados e submetidos à ação de agentes clareadores.

As áreas ainda recobertas por gengiva, ou ainda em contato com outros dentes, não entrarão em contato com o clareador, como nas demais áreas. O risco de manchas e de irregularidades na cor e de superfície, após a remoção dos braquetes, é muito grande, e não valeria a pena a relação custo-benefício em situações normais.

Há um aumento de infiltrações nas restaurações resinosas pela ação desmineralizadora e pela capacidade infiltrativa do peróxido de hidrogênio. Assim, não seria diferente entre a resina e o braquete como na superfície do esmalte, promovendo seu deslocamento com maior facilidade. Os ácidos bacterianos da placa dentobacteriana formada nessas superfícies irregulares tenderiam a ficar acumulados e ativos, gerando cáries tipo mancha branca subjacente aos braquetes, especialmente quando houver higienização bucal deficiente. No esmalte mais poroso, podem aderir, acentuadamente, mais placas dentobacterianas pela maior retenção mecânica em decorrência dos braquetes e de outros petrechos e acessórios ortodônticos.

clareamento dentalMas pode? Pode quando? Em situações muito específicas, pode-se necessitar dar um melhor aspecto às irregularidades pigmentadas entre braquetes, dentes e aparelhos, pois, nos primeiros momentos da clareação, se observa uma nítida melhora no aspecto pela limpeza oferecida pelo peróxido de hidrogênio, graças à sua alta permeabilidade nas mínimas reentrâncias, como lamelas, trincas e pequenas depressões e irregularidades, naturais ou não, do esmalte.

A melhora, trazendo um aspecto “mais limpo”, do aparelho ortodôntico nos dentes pode ser motivadora para o paciente suportar melhor, psicologicamente, o prolongado tratamento ortodôntico. Mas, ressalta-se que, com esse objetivo, o procedimento clareador deve ser breve e com finalidade bem definida. Com o objetivo de, efetivamente, clarear os dentes com os braquetes, deve-se ressaltar que, após sua remoção, aumenta-se em muito o risco de irregularidades de cor e de superfície nas áreas abaixo desses.

Além disso, o esmalte clareado pode estar mais fragilizado em sua estrutura. Em situação de normalidade, relata-se eventuais remoções de esmalte superficial junto com a remoção dos braquetes — não se sabe se isso aumenta muito, ou não, quando o esmalte foi clareado.

Outro motivo bem específico para se fazer clareação dentária durante o tratamento ortodôntico, tal qual a necessidade de se fazer antes da colocação, pode ser de natureza profissional, especialmente se considerarmos que a imagem predomina, muitas vezes, sobre o conteúdo mental ou sentimental em determinados processos, em nossos tempos.

Para manequins, modelos fotográficos e outras profissões que dependem da imagem e da exposição pública, são requeridos dentes brancos e limpos. O mesmo ocorre quando o paciente será submetido a entrevistas e a outras formas de seleção para empregos e oportunidades de trabalho e artísticas. Os aparelhos, por si só, podem não afetar o aspecto desejado pelo contratante ou empregador, mas, se oferecerem um aspecto saudável, sem placa dentobacteriana e sem pigmentações que possam dar uma aparência desagradável durante a exposição bucal em sorrisos e trejeitos requeridos, não serão motivos de restrição para contratações e trabalhos ao paciente.

Proteção da mucosa e da região cervical: sempre, independentemente do momento!

A clareação dentária requer habilidades e treinamento do profissional executor dos procedimentos na boca do paciente (Fig. 3). Entre essas habilidades, está a proteção da região cervical dos dentes e da mucosa bucal1,2,4-8.

O esmalte cervical tem uma espessura muito fina e biselada, que se relaciona estruturalmente de forma irregular com o cemento que recobre a raiz. Ao longo da junção amelocementária, em todos os dentes humanos, permanentes ou decíduos, existem áreas, janelas ou gaps com exposição de dentina ao meio bucal4-7.

A exposição das janelas de dentina ao meio bucal ocorre quando a junção amelocementária “migrou” ou foi deslocada do tecido conjuntivo gengival para o sulco, graças ao mecanismo da migração ou erupção dentária contínua e compensatória dos desgastes nas margens incisais e faces oclusais2.

Se expostas aos agentes clareadores, essas áreas de exposição dentinária terão suas dimensões alargadas, assim como alargam-se os diâmetros dos túbulos dentinários da região6. Esses efeitos acabam por determinar um aumento exagerado e incomodativo da sensibilidade dentinária após a clareação, que, felizmente, apenas em alguns pacientes, toma uma natureza quase insuportável pelo desconforto gerado. Dessa forma, faz-se necessária a proteção dessa região cervical do contato com o clareador durante o procedimento (Fig. 3), e a forma mais eficiente e prática, do ponto de vista clínico, é com as barreiras cervicais protetoras resinosas4. No entanto, outras alternativas mais trabalhosas podem ter o mesmo efeito protetor, como os lençóis de borracha utilizados para isolamento absoluto em procedimentos restauradores, mas que, praticamente, não são usados nos dias atuais.

Ao mesmo tempo em que protege a junção amelocementária, a barreira cervical protetora resinosa protege, também, a mucosa gengival do contato com o agente clareador à base de peróxido de hidrogênio2,4. Numerosas pesquisas revelam o papel promotor do peróxido de hidrogênio na carcinogênese química sobre as mucosas do corpo, incluindo a bucal1,8. Entende–se como agente promotor na carcinogênese química aquele produto que potencializa o efeito mutagênico de outros agentes, e que, por isso, são considerados iniciadores da carcinogênese, e que estão largamente presentes na boca, como as centenas de substâncias do tabaco, herbicidas, pesticidas, álcool, vírus, e muitos outros1,8.

A barreira cervical resinosa protege a mucosa bucal desse contato com o peróxido de hidrogênio, mas, para que isso se concretize, de fato, antes de removê-la, o profissional deve utilizar-se de um sugador específico para retirar todo o gel ou substância clareadora, de preferência cortando-se a parte mais externa da ponta descartável para que fique amplamente aberto e ainda mais eficiente para sugar as mínimas porções de peróxido de hidrogênio por entre as pequenas reentrâncias entre a barreira resinosa e o dente.

O sugador (Fig. 2) ou melhor, sua parte ativa descartável, que atua na saliva, não pode ser o mesmo para remover o agente clareador, pois estará “contaminado” pelo peróxido de hidrogênio, pois na volta do sugador à saliva, o colocará em contato com a mucosa bucal. Se isso não for realizado minuciosa e criteriosamente, de nada adiantou o uso da barreira resinosa cervical, a qual só deve ser removida depois de assegurar-se que foi eliminado todo o peróxido de hidrogênio possível. Se restos do peróxido de hidrogênio persistirem no local, ao jogar-se água na boca do paciente, ele o engolirá, e seu efeito se fará nas mucosas do trato gastrointestinal, com os mesmos efeitos co-carcinogênicos.

Considerações finais

O melhor momento para se indicar a clareação dentária, em relação ao tratamento ortodôntico, coincide com a finalização do caso, pois todas as superfícies dentárias estarão uniformemente expostas, já que o que tinha de ser extruído, intruído e alinhado já foi feito. Algumas situações especiais, ao se considerar o estilo de vida contemporâneo, podem e devem ser relevadas como excepcionalidade, não como regra geral. Algumas ressalvas e cuidados devem ser esclarecidos ao se associar, excepcionalmente, a clareação dentária com o tratamento ortodôntico antes de sua conclusão.

Entre as consequências desses casos excepcionais, estão o desprendimento mais frequente de braquetes, a presença de manchas brancas e a perda da uniformidade de cor do esmalte depois de removido o aparelho ortodôntico, maior retenção placa dentobacteriana e a possibilidade de destaques de estruturas superficiais durante a remoção dos braquetes, haja vista que os clareadores dentários promovem um certo de grau de perda mineral no esmalte. Associar clareação dentária e tratamento ortodôntico é uma situação excepcional, e requer muito cuidado e ação fundamentada, além de ampla conscientização do paciente sobre o que pode ocorrer.

Ressalta-se que, em qualquer situação, a clareação dentária deve ser feita por profissional treinado para atuar diretamente no paciente, e sempre protegendo a região cervical dos dentes e a mucosa bucal com barreiras mecânicas (entre as quais, a resinosa é a mais utilizada) para impedir o acesso do peróxido de hidrogênio na junção amelocementária e sua ação sobre a mucosa bucal.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Como citar este artigo:

Consolaro A, Consolaro RB, Francischone L. Clareação dentária e o tratamento ortodôntico: esclarecimentos e orientações. Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 ago-set;12(4):114-9.

Endereço para correspondência

Alberto Consolaro

E-mail: consolaro@uol.com.br 

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