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Células-tronco: a esperança e a realidade

Dentes formados a partir de células-tronco por pesquisadores chineses! Osso produzido de células-tronco em laboratório espanhol! Carne de hambúrguer produzida de células-tronco bovinas ingerida por voluntários em Londres! Daqui a pouco teremos: “Banco Central produz dinheiro a partir de células-tronco!” Ou seriam “cédulas-tronco”?

Viagens mentais na ciência são livres e os caminhos, sem porteiras. Na ficção científica, não há mais diferença entre expectativa e imaginação; a distância entre elas se encurtou, elas se confundem. A ficção está em crise de criatividade. Depois das entrevistas com pesquisadores e algumas ideias geniais, sempre vem uma frase final: “Muitos estudos e alguns anos são necessários para se aplicar isso em humanos, com testes em laboratórios, animais e ensaios clínicos; o trabalho ainda vai ser publicado!” Tudo muito vago, mais para a ficção do que para a realidade.

A expectativa é a antessala da frustração. O ansioso vive infeliz, come muito e range os dentes; lá se vão as formas e os dentes!!!! Quando noticia-se uma pesquisa publicada em revista científica, a viagem mental já foi analisada pelos editores, o relatado se aproxima mais da aplicabilidade, a realidade está a alguns passos.

Muitos pesquisadores falam antes da publicação, e anos depois se descobre que os resultados nem foram enviados para as revistas científicas. Mas serviram para impressionar socialmente e pressionar chefes, instituições e agências financiadoras de pesquisa, sem contar aquele “cartaz” na família e amigos. Com as células-tronco acontece isso: muito se divulga e pouco de prático existe, apenas esperança; mas, em ciência, a esperança não pode se sobrepor

Cada célula de embrião, com 8 a 16 células e alguns dias de idade, pode dar origem a um novo ser, separadamente. Tem pleno potencial de gerar qualquer um dos 206 tipos de células — são totipotentes. Essas “células-tronco embrionárias” são capazes de se transformar ou se diferenciar em qualquer célula, mesmo após longos períodos de inatividade como embriões congelados.

Algumas células adultas não se multiplicam, mas, em cultura, as células-tronco embrionárias se reproduzem aos milhares. Injetadas em locais lesados, como coração, rim e cérebro, podem ser induzidas a formar novas células, devolvendo aos órgãos as funções especiais. No entanto, ainda não se tem o conhecimento de como controlar sua proliferação e renovação para não gerarem neoplasias malignas.

Nos tecidos e órgãos adultos, há um pequeno percentual de células quase embrionárias de reserva, ou “células-tronco teciduais”. Os tecidos usam-nas para reparar lesões por traumatismos, doenças ou envelhecimento, mas de forma muito limitada. Por essa razão e por questões éticas e morais, os cientistas procuram obter células-tronco teciduais adultas, e, por regressão, voltam-nas ao estágio embrionário por “desdiferenciação”. Cultivadas em laboratório, passam a ser injetadas para refazer tecidos e órgãos, às vezes no próprio doador.

As “células-tronco adultas” têm seus limites, pois não conseguem diferenciar-se em qualquer tecido. Elas podem ser reprogramadas geneticamente em laboratório, sofrem uma regressão total e voltam a ser totipotentes, sendo chamadas de “células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs)”.

Muitas pessoas acabam por acreditar que injetar células-tronco fornece garantia de que os tecidos e órgãos serão refeitos. Não é assim. A origem e a manipulação das células, o tratamento a que foram submetidas e em que local e situação serão utilizadas são aspectos fundamentais para o sucesso terapêutico. Injetar células-tronco teciduais em alguém é muito sério e oferece riscos, incluindo o câncer. Submeter-se a protocolos experimentais autorizados tem seus riscos e pode valer a pena, mas tem gente se submetendo a isso quase que “clandestinamente” e com “profissionais” que nem médicos são!

Na prática, não existe no mundo nenhum protocolo terapêutico ou tratamento autorizado para uso geral de células-tronco em pessoas portadoras de uma determinada doença. Alguns poucos protocolos são experiências, com casos especiais sob supervisão e autorização de conselhos de ética, Anvisa, Ministério da Saúde e Conselho Federal de Medicina. As células-tronco oferecem esperança e perspectivas, mas ainda não representam uma realidade aplicável às pessoas em geral: são pesquisas laboratoriais e eventuais ensaios excepcionalmente autorizados.

 

Tenhamos calma e paciência!

 

Dentes “fabricados” por células-tronco

Pesquisadores do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou, na China1, isolaram células epiteliais da urina humana e, em laboratório, tornaram-nas “células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs)”. Ao colocar essas células no mesênquima dentário de ratos e inserir o conjunto nas cápsulas renais, Jinglei Cai e sua equipe conseguiram obter estruturas semelhantes a dentes humanos em três semanas. Os dentes apresentaram esmalte, dentina, cemento e polpa, com plena organização dos ameloblastos e odontoblastos, em fotografias muito bem apresentadas.

Na revista “Cell Regeneration”, de acesso livre (www.cellregenerationjournal.com/content/2/1/6), os resultados são impressionantes1. Os dentes têm vários tipos de tecidos e linhagens celulares que precisam, no tempo e espaço, interagir de forma muito precisa e intrincada. Alguns aspectos metodológicos não foram minuciosamente descritos e os resultados devem ser checados e reproduzidos em outros laboratórios, pela relevância apresentada.

 

 

Obs: Essa crônica foi publicada originalmente no Caderno de Ciências do Jornal da Cidade, editado em Bauru, na coluna Ciência no Dia a Dia, publicada semanalmente há 4 anos.

 

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