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Células-tronco: um avanço na Odontologia

Resumo

Os avanços científicos para a compreensão da regulação molecular da morfogênese do dente, da biologia das células-tronco e da biotecnologia, oferecem oportunidades para viabilizar a regeneração de dentes em futuro próximo. As células-tronco possuem a capacidade de estimular a regeneração tecidual e, consequentemente, apresentam diversas perspectivas terapêuticas, fato que torna possível sua utilização em Odontologia. Sua aplicação na recuperação das estruturas bucais está cada dia mais próxima; porém, muitos estudos ainda são necessários para entender o correto armazenamento e procedimentos laboratoriais adequados para a utilização dessas células, sendo necessário conhecer as subdivisões celulares existentes de acordo com seu local de origem.

células-tronco

Métodos: o método utilizada nesse trabalho foi a busca de artigos científicos em revistas, livros e nas bases de dados BIREME, LILACS, PubMed e SciELO. Conclusão: por meio dessa revisão de literatura, buscou-se exemplificar os principais grupos celulares, suas funções e dificuldades para conhecimento básico do cirurgião dentista e sua possível utilização.

Palavras-chave: Células-tronco. Engenharia tecidual. Reabilitação.

Introdução

As células-tronco embrionárias são derivadas de embriões que se desenvolvem de óvulos fertilizados in vitro. Esses embriões têm, tipicamente, quatro ou cinco dias de idade, e são vistos como uma bola oca de células chamada de blastocisto. Essas células possuem a característica de se diferenciar em qualquer tipo celular, e são chamadas de totipotentes1.

Já o termo pluripotente é utilizado para descrever células-tronco derivadas das três camadas germinativas embrionárias: mesoderme, ectoderme e endoderme. Os diferentes tipos de células especializadas que compõem o corpo são originárias dessas três camadas. Células pluripotentes possuem a capacidade de dar origem a qualquer tipo de célula1.

As chamadas células-tronco adultas são consideradas multipotentes, ou seja são células indiferenciadas, encontradas entre as células diferenciadas de um tecido ou órgão e podem renovar-se e diferenciar-se para produzir tipos especializados de células.

Recentes pesquisas têm sido realizadas utilizando as terapias com células-tronco, apresentando resultados animadores no que se refere à cura e ao tratamento sem precedentes de determinadas doenças. A busca por formas de permitir a reparação tecidual, e até mesmo a formação de tecidos novos, tem como objetivo ampliar de forma drástica as possibilidades terapêuticas nas diferentes áreas da saúde.

As maiores descobertas dos últimos tempos mostram que as células-tronco estão sendo empregadas no tratamento de várias doenças, como câncer, degeneração neural, recuperação de pacientes tetraplégicos e paraplégicos, Mal de Alzeimer e, inclusive, na Odontologia2.

Estudos com as células-tronco são de grande interesse para a ciência, pois possuem a capacidade de estimular a regeneração tecidual e, consequentemente, apresentam diversas perspectivas terapêuticas, fato que torna possível sua utilização nas diferentes necessidades de procedimentos odontológicos, visando recuperar a qualidade da saúde bucal da população.

Vários fatores contribuem para a perda de dentes, entre eles: hábitos deletérios, defeitos genéticos, anomalias congênitas ou perdas precoces causadas por trauma, doença periodontal e cárie dentária. Atualmente, as evidências científicas mostram que para reabilitação das estruturas dentárias perdidas, lança-se mão de técnicas não biológicas, como as próteses e implantes. Outras técnicas para reabilitação e recuperação da saúde bucal que evitassem complicações poderiam ser utilizadas com sucesso, como, por exemplo, as chamadas biológicas, altamente desejáveis para reposição de dentes, minimizando os custos relacionados com a recuperação da saúde bucal.

O método utilizado no presente trabalho foi a busca de artigos científicos em revistas, livros e por meio das bases de dados BIREME, LILACS, PubMed e SciELO, objetivando revisar a literatura sobre diferentes tipos de células-tronco, demonstrando sua importância na Odontologia, descrevendo, classificando os diferentes grupos, discutindo à luz da literatura e de evidências científicas, buscando as mais recentes pesquisas a respeito da dificuldade de seu isolamento e potencial de utilização dessas células.

Revisão de literatura

Tudo começou com Thomson et al.30, quando publicaram o primeiro isolamento de células-tronco em embriões humanos. Células-tronco embrionárias de rato foram isoladas31,32 em 1981, e vários estudos mostraram que poderiam ser propagadas indefinidamente em cultura, mantendo sua capacidade de produzir todos os tipos de células encontradas nos ratos.

Ferrari et al.33 publicaram o primeiro de uma série de relatos sobre a plasticidade das células-tronco adultas, desafiando a antiga crença de que as células-tronco adultas são de linhagem restrita. Na maioria desses estudos de plasticidade, geneticamente marcados a partir de células de um órgão de rato adulto, aparentemente deu-se origem a tipos celulares característicos de outros órgãos após transplante, sugerindo que as células eram mais plásticas em seu potencial de desenvolvimento do que se pensava.

O uso de células-tronco adultas evitou problemas éticos, trazendo as seguintes vantagens: as células podem ser isoladas a partir de pacientes que necessitam tratamento, evitando complicações de rejeição imunológica, e a redução do risco de formação de tumores, que ocorre com frequência elevada quando utiliza-se células-tronco embrionárias heterógenas21.

As células-tronco são células indiferenciadas com alta capacidade de autorrenovação e de produção de, pelo menos, um tipo celular altamente especializado. Existem duas categorias: as embrionárias pluripotentes e a linhagem de células unipotentes ou multipontentes, denominadas adultas ou somáticas, que residem em tecidos diferenciados.

O uso de células-tronco com finalidade terapêutica tem trazido muito interesse a várias áreas da saúde, incluindo a Odontologia. Com essas pesquisas e suas descobertas, novos horizontes foram abertos para a engenharia genética, utilizando esses tecidos. Pesquisas na área de Odontologia revelam a capacidade das células-tronco na geração de dentes e de outros tecidos bucais, bem como em células de tecido ósseo3.

Células-tronco mesenquimais, presentes na região periodontal, podem diferenciar-se dos fibroblastos, osteoblastos e cementoblastos, sendo responsáveis pelo reparo do ligamento periodontal. Um novo avanço foi a identificação de uma população de células-tronco adultas na polpa dentária com capacidade de se diferenciar em fibroblastos, componente do tecido conjuntivo, e em odontoblastos, envolvidos na formação da dentina4.

Seo et al.9 fizeram um estudo para isolar células-tronco em terceiros molares humanos normais coletados de adultos com 19 a 29 anos de idade. Os resultados forneceram evidências preliminares que sugerem que as dental pulp stem cells (DPSCs) transplantadas não só podem se comprometer com a linhagem odontoblástica, mas, também, residir na polpa, semelhantemente a tecido conjuntivo como fibroblastos e células semelhantes. Recentemente, foi relatado que genes que codificam proteínas da matriz extracelular e da dentina (Dentin Sialophosphoprotein – DSPP) podem, também, ser expressos em osso, embora em níveis baixos, mostrando, assim, que o potencial dessas células é maior do que o esperado. Outros pesquisadores6-9 cultivaram o mesmo tipo celular em meio indutor de mineralização semelhante, e obtiveram a formação de hidroxiapatita com pequenas quantidades de carbonatos, característicos de apatitas biológicas.

O avanço na ciência vem trazendo inúmeros avanços para a humanidade por meio da introdução de novas vacinas e terapias, levando a um aumento da expectativa de vida e à melhora nas condições de saúde das pessoas em todo o mundo.

Pesquisas têm sido realizadas acerca da terapia com células-tronco, obtendo-se resultados animadores no que se refere à cura e ao tratamento sem precedentes de determinadas doenças.

A importância no uso de células-tronco embrionárias é sua capacidade de proliferação e diferenciação em vários tipos celulares. Existem, também, algumas desvantagens, como sua instabilidade genética, a obrigatoriedade de sua transplantação para hospedeiros imunocomprometidos, risco de formação de teratocarcinoma e de contaminação por meio de seu cultivo em fibroblastos de ratos10, além da questão ética11. A possibilidade do uso das células somáticas na reconstrução e regeneração de tecidos tem instigado novas pesquisas e tem despertado grande interesse na comunidade científica12.

Em contrapartida, as células somáticas apresentam a vantagem da autogenicidade, não incorrendo em limitações morais, respondendo aos fatores de crescimento inerentes ao hospedeiro; no entanto, apresentam desvantagens, como a de não serem pluripotentes, a dificuldade de sua obtenção, purificação e cultivo in vitro, além de sua menor quantidade nos tecidos12. A principal fonte de células-tronco adultas é a medula óssea. Levando em consideração o nível de plasticidade que essas células possuem, quantas diferentes vias podem seguir, e para qual porção de um organismo funcional que elas podem contribuir, essas células somáticas classificam-se em multipotentes e unipotentes3.

As células-tronco pluripotentes podem originar tanto um organismo totalmente funcional, como qualquer tipo celular do corpo, inclusive todo o sistema nervoso central e periférico13. Entretanto, as células totipontentes são efêmeras, necessitando, assim, serem utilizadas logo após sua retirada, e desaparecem poucos dias após a fertilização34. Apesar de existirem em menor número e serem mais difíceis de ser isoladas, as células-tronco pluripotentes estão presentes, também, em indivíduos adultos. Oriundas da medula óssea, podem originar células de sangue, ossos, cartilagem, músculos, pele e tecido conjuntivo13.

As células-tronco multipotentes são um pouco mais diferenciadas, presentes no indivíduo adulto, com capacidade de originar apenas um limitado número de tipos teciduais. São designadas de acordo com o órgão de que derivam e podem originar somente as células daquele órgão, possibilitando a regeneração tecidual13. Já as células onipotentes são mais fáceis de serem isoladas e encontradas em maior número; entretanto, originam somente um tipo celular tecidual13.

Entretanto, com o avanço das pesquisas, a existência dessa categoria de células-tronco tem sido cada vez mais questionada, haja vista que células antes consideradas multipotentes, a exemplo das células-tronco neurais, têm se revelado pluripotentes15.

O armazenamento de células-tronco no Brasil é possível, porém, somente aquelas originadas do sangue do cordão umbilical e placentário (SCUP). Esse procedimento é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tendo as regras de funcionamento definidas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC153/04), nas quais estão contempladas todas as etapas envolvidas nessa prestação de serviço16.

O banco público é destinado à captação de SCUP, coletado em maternidades credenciadas, para uso da população em geral, desde que haja compatibilidade. A sorologia materna positiva para qualquer doença que possa ser transmitida pelo sangue, inclusive IgM positiva para citomegalovírus (CMV), é, também, um fator de exclusão para os bancos públicos. Já os bancos de armazenamento de SCUP privados possuem critérios diferentes, uma vez que o material armazenado é para uso exclusivamente autólogo. A captação do SCUP para armazenamento privado pode ser feita em qualquer maternidade que possua licença sanitária, não há restrições quanto à idade materna, tamanho e peso do bebê e as amostras com sorologia positiva podem ser armazenadas se os pais assim desejarem16.

O sangue de cordão umbilical e placentário é conhecido como uma rica fonte de células-tronco (CT) hematopoéticas, que podem ser utilizadas como substitutas da medula óssea em casos de transplante. As células podem ser separadas, quantificadas, processadas e armazenadas a temperatura -196ºC, mantendo suas características originais para possível aplicação futura17.

Destaca-se, também, que células-tronco pós-natais têm sido mais utilizadas em engenharia tecidual, uma vez que elas podem ser mais facilmente isoladas e caracterizadas. É importante levar em consideração que essas células parecem apresentar uma certa “memória” dos tecidos de obtenção18. Dessa forma, uma célula de origem mesenquimal (da polpa dentária, por exemplo), tem maior capacidade de se diferenciar em tecidos de origem mesenquimal (polpa, dentina e osso alveolar), e assim sucessivamente4.

Foram descobertas, basicamente, cinco populações distintas a partir de tecidos dentários: as células-tronco da polpa dentária (DPSC, Dental pulp stem cells)7; células-tronco de dentes decíduos esfoliados (SHED, Stem cells from human esfoliated deciduous teeth)8; células-tronco do ligamento periodontal (PDLSC, Periodontal ligament stem cells)9; células progenitoras do folículo dentário (DFPC, Dental foliclle progenitor cells)19 e células-tronco da papila apical (SCAP, Stem cells from the apical papilla)20.

As DPSC são obtidas por um protocolo de digestão enzimática. Foram as primeiras células-tronco de origem dentária a serem isoladas e também as que possuem maior gama de estudos no que diz respeito ao seu potencial de diferenciação e de regeneração de tecidos. Elas têm a capacidade de diferenciação em osteoblastos, condrócitos, neurônios, endoteliócitos e células da polpa dentária7,21.

As SHED são alcançadas a partir de dentes decíduos, e surgem como uma alternativa terapêutica bastante atraente, uma vez que cada indivíduo possuiria sua própria fonte de células de reserva para a regeneração de tecidos dentários perdidos. As SHED possuem potencial de proliferação maior que o das DPSC, e há a comprovação de que se diferenciam em odontoblastos capazes de gerar dentina tubular e células endoteliais vasculares, neurônios e tecidos semelhantes à polpa dentária22,23.

As PDLSC são obtidas do ligamento periodontal, possuindo grande capacidade de diferenciação em tecidos do periodonto de suporte e demonstraram potencial para se diferenciar em condrócitos, adipócitos e osteoblastos24.

As DFPC são originárias do tecido que envolve o germe dentário em desenvolvimento. As células progenitoras do folículo dentário surgem, também, com grande potencial terapêutico de apresentar diferenciação devido ao tecido do qual são extraídas19. Possuem capacidade de diferenciação em osteócitos, adipócitos, condrócitos e ligamento periodontal. Estudos recentes mostram que essas células são capazes de promover regeneração tecidual óssea e periodontal25.

As SCAP são obtidas da papila dentária. Esse tecido pode ser encontrado, também, em dentes saudáveis que ainda não possuem a formação completa da raiz. Por ser ainda um tecido não diferenciado, acredita-se que as SCAP possuam um potencial de diferenciação e regeneração ainda maior que as DPSC e SHED. Isso pode ser verificado por dados da literatura, que mostraram capacidade de formação de raiz completa (polpa, dentina, cemento e ligamento periodontal) em casos de apicigênese26.

Ainda há um longo percurso no uso clínico das células-tronco, mesmo com a variedade de fontes para obtenção das células e seu potencial regenerativo. Quando utilizadas, as células-tronco deverão ser as mais adequadas para cada tecido a ser originado. No caso de regeneração de tecidos de suporte do dente, a literatura sugere o uso das PDLSC ou SCAP20. Para regenerar uma polpa dentária funcional, principalmente com vistas ao fechamento do ápice de dentes jovens endodonticamente tratados, células como as SHED e/ou DPSC têm mostrado excelente potencial. Essas células expressam genes marcadores de diferenciação odontoblástica e formam tecidos muito semelhantes à polpa dentária22.

Para que tudo isso ocorra, essas células necessitam de um microambiente adequado e específico para induzir sua diferenciação. Para a aplicação em Odontologia, a diferenciação das células nos diferentes tecidos depende de estruturas, como hidroxiapatita ou dentina23. Outro ponto a ser analisado é que a aplicação de células-tronco com finalidade terapêutica em humanos necessitará do desenvolvimento e caracterização de matrizes que sejam adequadas4.

Não restam dúvidas de que a Odontologia está caminhando para terapias regenerativas com indutores biológicos de reparação tecidual. Logo, tanto clínicos quanto pesquisadores terão que se capacitar com conceitos básicos de Biologia molecular e celular para terem condições de aplicar tecnologias e estratégias mais avançadas de tratamento. Com essa nova técnica, teremos capacidade de tratar condições de doenças da cavidade bucal e do complexo craniofacial que hoje são intratáveis.

Conclusão

Slack1, Harada3, Risbud12, Gronthos5, Miura8 e Huang26 concordam que, independentemente do sítio de obtenção das células utilizadas, elas apresentam um grande potencial para formação de estruturas bucais, incluindo o germe dentário. No entanto, afirmam serem necessários mais estudos clínicos.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência:

Filipe Leonardo Stringari

Email: filipestringari@hotmail.com

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