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Carga imediata em mini-implantes: momento de reflexão

Introdução

 

Para melhor entendimento do uso de carga imediata em mini-implantes ortodônticos, consideramos de importância analisar, inicialmente, os fatores relacionados à estabilidade do mini-implante (MI). O sucesso na sua instalação encontra-se em torno de 85%, pois depende de fatores distintos e relacionados ao MI, ao profissional e ao paciente1,2 (Fig. 1).

 

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As melhorias nas características relacionadas às suas dimensões e desenhos têm contribuído para facilitar a seleção dos MIs mais apropriados ao uso na Ortodontia3. Ao longo do tempo, a aquisição de maior habilidade quanto à técnica de inserção torna o profissional mais apto, aumentando a porcentagem de sucesso na sua instalação4,5,6. Porém, os fatores da estabilidade relacionados com o paciente não sofrem influência do processo evolutivo em habilidade técnica ou do dispositivo. Consideram-se como os principais fatores de estabilidade relacionados ao paciente: a espessura da cortical, a largura do septo inter-radicular e a higiene bucal7,8.

O imbricamento na interface entre a cortical óssea e o mini-implante é considerado o fator mais importante para a estabilidade ao mini-implante. Desse modo, a cortical deve apresentar uma espessura capaz de permitir o imbricamento do mini-implante. No entanto, quando essa cortical apresentar-se muito espessa, o uso excessivo de pressão promove o aumento de microfraturas na sua superfície externa2. Atualmente, o comportamento de cortical óssea alveolar após instalação de mini-implante tem sido estudado como fator correlacionado à estabilidade. A cortical apresenta variabilidade de sua espessura dependendo da região da arcada dentária e do maxilar. As maiores espessuras estão presentes na região posterior dos maxilares9,10.

Algumas particularidades devem ser consideradas como elementos determinantes da estabilidade, as quais nem sempre são levadas em consideração quando indica-se indiscriminadamente o uso da carga imediata. A inserção de um MI em uma cortical mais espessa implica no uso de maior força, e esse esforço para inserção do MI danifica a cortical, independentemente da técnica de inserção ou do tipo de MI. Também, uma cortical fina compromete a estabilidade do mini-implante quando o ângulo de inserção torna-se muito oblíquo. Na região posterior dos maxilares, observa-se que corticais menores que 1mm estão relacionadas à perda de mini-implantes; pacientes jovens possuem corticais ósseas mais finas; mulheres possuem cortical óssea maxilar mais fina do que homens da mesma idade; e a cortical distal ao primeiro molar é mais espessa do que a cortical mesial do mesmo dente11,12,13.

Assim como para o implante protético, o torque máximo de inserção (TMI) representa a relação numérica que confere ao mini-implante seu mais significativo sinal de estabilidade primária14.

O conceito da carga imediata tem sua origem no uso de implantes protéticos, cuja qualidade do TMI permite a colocação do dente provisório imediatamente após a inserção no implante. Para ser considerado apto a receber carga imediata, o implante protético deve obedecer parâmetros mecânicos15. O uso de carga imediata fundamenta-se, principalmente, no fato do MI oferecer pouca ou nenhuma osseointegração e da força aplicada sobre ele não ultrapassar 400g16.

A utilização de carga imediata torna-se benéfica ao paciente porque o mini-implante entra em função imediatamente e, assim, espera-se uma redução no tempo de tratamento. No entanto, é necessário que o ortodontista tenha discernimento para utilizar esse princípio. Alguns aspectos — como o grau de inclinação do implante, sua força de travamento (torque máximo de inserção), assim como as condições periodontais do paciente — podem influenciar na cicatrização do procedimento cirúrgico de inserção do mini-implante.

Embora utilizada e defendida por alguns profissionais, a carga imediata em mini-implantes pode representar um iminente risco para a sua estabilidade. Nossa opção por não utilizar esse recurso técnico fundamenta-se em evidências científicas que merecem detalhamento e, portanto, serão descritas, a seguir, em tópicos.

Baseando-se em recentes estudos sobre a estabilidade dos MIs, identificamos alguns fatores intimamente relacionados ao uso ou indicação da carga imediata para os MIs ortodônticos: posicionamento pós-inserção, ângulo de inserção e remodelação da cortical óssea7,10,16.

 

 

Posicionamento pós-inserção

 

À luz dos conhecimentos atuais, considera-se a quantificação da espessura da cortical como um dado importante na inserção de MI. No presente momento, essa avaliação possui maior confiabilidade quando realizada em tomografias17,18. Portanto, essa relevante informação não parece ser uma realidade futura para uso em ampla escala.

Observar a largura do septo inter-radicular é um princípio fundamental da técnica de inserção; portanto, é obrigatório o uso da radiografia periapical pela técnica do paralelismo. A proximidade do mini-implante com a raiz dos dentes, ou de apenas um dos dentes adjacentes, reduz de forma considerável a sua estabilidade19. Entre os cuidados prévios à colocação de força sobre um mini-implante, encontra-se a realização de radiografia periapical pós-inserção, para identificar a posição do mini-implante no septo inter-radicular. O ideal seria o MI estar circundado por pelo menos 0,5mm de osso alveolar20.

Mini-implantes com erro de posicionamento, provocando injúrias periodontais e radiculares, mostram redução na estabilidade quando submetidos a carga imediata21. Desse modo, a carga imediata promove, de alguma forma, o aumento do dano ósseo, e não auxílio para a regeneração. Não obstante, ao longo do tempo, observa-se ser benéfica a tensão sobre o MI, cujo osso circundante mostra maior densidade no lado de tensão16,22.

Os estudos sobre a estabilidade dos mini-implantes apresentam variabilidade quanto ao diâmetro dos MIs e quanto à técnica de inserção. Estudos considerados clássicos na literatura utilizaram amostras com MIs de 1,2 ou 1,3mm. Contudo, em decorrência de não suportarem forças ortodônticas para movimentação de grupos de dentes, esses diâmetros de MI não são, atualmente, muito utilizados23,24. Também, deve-se atentar à técnica de inserção dos MIs. Embora o uso do MI autorrosqueável seja mais aceito, pela facilidade técnica, sabe-se que esse tipo de MI induz maior dano à cortical óssea25.

Para o implante protético, o travamento é um parâmetro imprescindível; portanto, pode-se considerar a mensuração do TMI o parâmetro de mais fácil obtenção para indicar o usa da carga imediata. Porém, o valor deveria ser estipulado pelos fabricantes das diferentes marcas comercias, pois as características dos MIs variam. Sendo assim, o TMI mostra-se como um parâmetro variável, podendo apresentar-se com intervalo de força dependente das características do osso alveolar. Para considerar o implante protético apto a receber uma caga imediata, deve-se obedecer parâmetros mecânicos; sendo assim, o mesmo deve ocorrer com os MIs. Porém, a falta de séries de estudos ou metodologias bem definidas não permite que essa informação pareça bem identificada na literatura ortodôntica26. Portanto, ainda restam perguntas-chave a serem respondidas.

A obtenção de um parâmetro numérico de TMI seria suficiente para o MI estar apto a receber uma carga imediata? Essa pergunta somente poderia ser respondida se fosse rotineira a mensuração do TMI em Ortodontia26. Até o momento, não temos dados divulgados acerca dos TMIs indicados para as diferentes marcas de MIs comercializados no Brasil. Além disso, para serem considerados confiáveis, os poucos cabos de inserção que mensuram o torque deveriam ter aferição de força certificada. Dessa forma, somente os mini-implantes inseridos com quantificação de TMI podem ser considerados aptos a receber carga imediata. A partir daí, poderia-se avaliar se o TMI corresponde ao parâmetro que buscamos para a estabilidade do MI submetido à carga imediata.

Ainda, um grande avanço para a confirmação da estabilidade tem sido o uso de cortes tomográficos; contudo, entende-se que essa avaliação somente mensura a quantidade de cortical, e não permite quantificar o dano causado durante a inserção. Nesse sentido, têm sido observados dados interessantes, como o de que uma cortical mais grossa — como a mandibular — acaba sofrendo maiores danos, devido à necessidade de uso de maior força para inserção. Além disso, o diâmetro do MI, quando maior, também acaba por danificar mais a cortical. Por essa razão, a inserção com perfuração prévia com instrumento rotatório preserva mais a cortical e, assim, possibilita melhor imbricamento.

 

Ângulo de inserção

 

A angulação do MI durante a inserção foi sugerida como um meio de deslocar o MI para uma área radicular mais superior, onde o septo inter-radicular tem maior largura27. Porém, recomenda-se estipular essa angulação para não torna-lá um fator de risco à cortical. Ainda, a angulação do MI presta-se, também, para aumentar a área de contato do MI com a cortical óssea; porém, deve-se levar em consideração que a espessura dessa cortical tem que contribuir para o maior contato na interface cortical/mini-implante9.

A inserção dos mini-implantes com inclinações axiais entre 45 e 70º permite uma segurança maior em relação a lesões nas raízes dentárias e, também, promove uma estabilidade primária satisfatória28,29,30.

Recentes pesquisas alertam para as vantagem da inserção em 90º, pois, independentemente do tipo (cilíndrico ou cônico) e espessura do MI, esses estudos observaram maior preservação da cortical, pela redução das microfraturas31,32,33.

A angulação vertical do MI não aumenta a capacidade de suportar carga34 e, quando presente, promove a redução do TMI32. Mais uma vez, observa-se que a espessura da cortical tem se mostrado como o fator mais crítico para garantir a estabilidade do mini-implante.

 

 

Remodelação da cortical

 

Considera-se como inerente a ocorrência de microfraturas na interface mini-implante/cortical alveolar. Esse dano aparece de forma mais evidente na cortical do que no osso esponjoso, em decorrência da cortical ser mais densa e compacta. Independentemente do modo de inserção ser precedido de perfuração, e sem levar em consideração a profundidade da perfuração, observa-se a presença de danos na cortical óssea alveolar. Maiores danos e maior dificuldade de cicatrização ocorrem com a perfuração por compressão da ponta ativa do MI, em comparação com a realizada com instrumento rotatório35. Isso nos leva a pensar que seriam melhores, para o uso da carga imediata, os mini-implantes autorrosqueáveis do que os autoperfurantes. Mas seria um retrocesso na técnica incluirmos mais etapas no processo de inserção do mini-implante.

O reparo do osso esponjoso ocorre antes do cortical, por ter maior vascularização; dessa forma, a maior preocupação deve recair, mais uma vez, sobre a cortical.

Estudos têm mostrado que o tempo de quatro semanas é suficiente para a remodelação óssea em torno do mini-implante. Nesse caso, observa-se que a remodelação óssea da maxila mostra-se mais lenta, em decorrência do tipo de trabeculado ósseo da maxila favorecer maior contato na interface osso/mini-implante36.

Caso o inerente dano cortical ocorra de forma extensiva, a subsequente carga imediata deve aumentar a extensão do dano, levando ao retardo na reparação óssea. Para oferecer segurança sobre a quantidade de força utilizada, deve-se mensurar a força colocada sobre o MI; permanece sensato utilizar forças abaixo de 400g, porque, acima dessa quantidade, observa-se a redução na velocidade de reparação óssea16.

 

 

CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS

 

Os conhecimentos atuais revelam os seguintes fatores como favoráveis ao uso da carga imediata: a espessura da cortical compatível com a capacidade de perfuração do MI; a rápida remodelação óssea do osso esponjoso; e uma mensuração da força em até 400g37. Entre esses fatores, o único que pode ser clinicamente mensurado é a força. Contudo, não é comum os kits de inserção fornecerem torquímetro para aferir se o TMI atingiu parâmetros viáveis para aplicação de carga imediata. Mesmo que disponíveis, seriam esses torquímetros confiáveis? Temos estudos que aferiram os torquímetros disponibilizados pelos fabricantes? Ainda, a aquisição de torquímetros específicos para MI incorreria em mais um custo para o procedimento. Novamente, parece mais prudente e prático aguardar um mês para se aplicar carga sobre os mini-implantes.

A opção pelo uso de carga imediata sobre MIs merece melhor detalhamento, para tornar-se de uso comum. Alguns estudos sobre a estabilidade de mini-implantes são oriundos de pesquisas em animais38,39,40; portanto, futuras pesquisas com metodologias adequadas para humanos trarão respostas mais confiáveis e próximas da realidade clínica.

Os estudos sobre o efeito da angulação na estabilidade parecem mais conclusivos, em razão das variabilidades individuais exercerem menor influência e pela possibilidade de se obterem valores numéricos mais precisos da correlação entre o ângulo de inserção e o TMI.

Consideramos o conforto do paciente um fator muito importante em qualquer tratamento odontológico. Isso deve ser levado em conta também no uso dos MIs. A ancoragem esquelética trouxe grande avanço para otimizar o tratamento ortodôntico, portanto, não parecer ser necessária tanta pressa para iniciar a retração ou qualquer movimento dentário utilizando MIs como ancoragem.

Alguns pacientes relatam desconforto após a instalação do mini-implante; como a técnica anestésica indicada visa somente a anestesia da gengiva inserida, a pressão oriunda da inserção do mini-implante no septo inter-radicular ocasiona incômodo e/ou dor em alguns pacientes. Somando-se a esse fato, a ativação do aparelho fixo promove um desconforto oriundo da movimentação dentária. Por que não esperar um período para que o paciente sinta mais conforto? Por que não esperar um período para a remodelação da cortical óssea? Temos essas e outras questões ainda para serem respondidas. Enquanto não temos estudos in vivo que confirmem a necessidade do uso da carga imediata, consideramos prudente aguardar para iniciar o uso de força sobre o mini-implante.

Ainda, a adaptação de elásticos sintéticos e molas na cabeça dos MIs representa mais um fator para dificultar a higiene local. Desse modo, aguardar um período para que o paciente adquira prática na higienização do MI também representa um fator favorável à não aplicação da carga imediata.

Mesmo para os implantes protéticos, a literatura não tem demonstrado consenso quanto ao uso da carga imediata41,42. Procedimentos técnicos têm sido aventados para aumentar a estabilidade de implantes e mini-implantes. Mais recentemente, observa-se que tem sido recomendada a redução da quantidade do perfil transmucoso dos MIs cônicos; também observa-se que MIs com corpo cilíndrico mostram redução nas microfraturas da cortical33,35.

Dessa forma, consideramos que, até o presente momento, não há subsídios clínicos e científicos que assegurem o emprego da carga imediata sem o comprometimento da estabilidade do mini-implante ortodôntico.

 

 

CONCLUSÃO

 

O estágio atual das pesquisas sobre a estabilidade dos mini-implantes pós-aplicação de carga imediata em humanos não nos permite realizar afirmações embasadas. Esse texto não teve a intenção de realizar maiores afirmações sobre esse assunto, mas a preocupação de analisar os fatores clínicos e científicos atualmente disponíveis para a indicação da carga imediata em MIs.

Desse modo, consideramos que não utilizar a carga imediata favorece:

» Um maior conforto para o paciente no período
pós-inserção.

» A compreensão e a prática na higienização do MI.

» A remodelação da cortical óssea.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

 

Como citar este artigo:

Gurgel JA, Lima FVP, Klug RJ. Carga imediata em mini-implantes: momento de reflexão. Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 ago-set;12(4):9-13.

 

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