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Avaliação radiográfica do sucesso e da qualidade do tratamento endodôntico em uma população brasileira

RESUMO

Objetivo: esta investigação tem como objetivo avaliar a prevalência de periodontite apical detectada na radiografia periapical e a relação entre a doença e a qualidade da obturação de canais radiculares realizada por estudantes de graduação. Métodos: foi investigada uma amostra aleatória de 131 prontuários de pacientes que haviam recebido tratamento do canal radicular na Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Universidade Estadual Paulista. Realizou-se anamnese, radiografias e exame clínico quanto à sintomatologia dolorosa, presença e qualidade da restauração, bolsa periodontal, mobilidade dentária e trauma oclusal. Resultados: a porcentagem de sucesso obtido com o tratamento realizado pelos estudantes de graduação foi de 87,7%. Quando o tratamento foi adequado (43 casos), o percentual de sucesso foi de 90,69% (39 casos), enquanto para os tratamentos inadequados (14 casos), o percentual de sucesso foi de 78,57% (11 casos), sem diferença estatisticamente significativa (p>0,05). Não foi observada diferença estatisticamente significativa na taxa de sucesso relacionada ao sexo (p>0,05). A condição pulpar também não interferiu na taxa de sucesso (p>0,05). Conclusão: concluiu-se que o tratamento endodôntico foi satisfatório e alcançou uma taxa de sucesso adequada, em torno de 90% dos casos.

Palavras-chave: Proservação. Taxa de sucesso. Obturação. Educação.

 

INTRODUÇÃO

A periodontite apical é diagnosticada por critérios clínicos e radiográficos. Sinais clínicos como dor, inchaço, sensibilidade e formação de fístula ocorrem em graus variados e são apenas moderadamente específicos1. Outros marcadores como saliva e amostras de sangue para diagnóstico não são úteis. A interpretação radiográfica é, portanto, o primeiro critério para o diagnóstico de periodontite apical2 e tem sido usada principalmente para atingir essa avaliação3,4. Helminen et al.5 mostraram que o sucesso, ou o prognóstico, do tratamento de canal depende da qualidade técnica da obturação.

Levantamentos epidemiológicos indicam obturações dos canais radiculares tecnicamente satisfatórias em 42 a 90% dos casos3,6,7. Numerosos estudos têm mostrado uma alta porcentagem de dentes obturados inadequadamente e com periodontite apical concomitante3,8.

Pesquisas de ensino endodôntico sugerem que o tempo dedicado ao estudo da Endodontia no Reino Unido é limitado, especialmente em relação ao tempo gasto em laboratórios pré-clínicos e no desenvolvimento de habilidades práticas9,10,11. Além disso, a qualidade do ensino por especialistas pode ajudar a atingir a excelência na formação11.

Nas escolas brasileiras oficiais de Odontologia, como a Faculdade de Odontologia de Araçatuba, o ensino da Endodontia é realizado por especialistas doutores, que são selecionados por um concurso público. Os estudantes têm de completar um curso prático em Odontologia conservadora antes de progredirem para a prática clínica. O ensino pré-clínico em Endodontia envolve 16 horas de aulas teóricas e 64 horas de exercícios práticos pré-clínicos durante o primeiro semestre do quarto ano e atividades clínicas durante o segundo semestre desse ano escolar.

Portanto, essa investigação tem como objetivo avaliar a prevalência de periodontite apical detectada a partir de radiografias periapicais e a relação entre a doença e a qualidade da obturação realizada por estudantes de graduação.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi investigada uma amostra aleatória de 131 prontuários de pacientes que receberam tratamento endodôntico na Faculdade de Odontologia de Araçatuba/Unesp entre os anos de 2000 e 2001. Foram excluídos prontuários de pacientes com idade inferior a 19 anos. Registros que não incluíam radiografias periapicais pré e pós-operatórias, aqueles em que o tratamento do canal radicular (TCR) não tinha sido concluído ou aqueles cuja qualidade radiográfica era pobre também foram excluídos. A amostra final consistiu de 185 obturações radiculares em 121 pacientes, considerando-se que um mesmo paciente teve mais de um dente tratado e registrado no mesmo prontuário. Todos os ensaios clínicos randomizados foram realizados pelos alunos do terceiro ano de graduação (duas classes consecutivas) usando a técnica crown-down de preparo do canal e a técnica de condensação lateral para obturação dos canais radiculares com guta-percha e cimento Sealapex (Sybron Endo, Glendora, EUA). A técnica de instrumentação consistiu de uma ampliação inicial do terço coronário com ampliador manual (Dentsply Maillefer, EUA), seguido de brocas Gates-Glidden na sequência 3, 2 e 1 (Dentsply Maillefer, EUA), determinação do comprimento de trabalho (1mm aquém do ápice radiográfico), preparo apical com limas tipo K (Dentsply Maillefer, EUA) e preparação step-back anatômica com limas Hedströn (Dentsply Maillefer, EUA). Curativo de hidróxido de cálcio foi utilizado em todos os casos de necrose pulpar ou em casos de mais de uma sessão de tratamento de polpas vitais. Se complicações como perfurações laterais ou de furca, instrumentos fraturados, etc. fossem determinadas, a obturação era considerada como inadequada.

Todos os pacientes foram chamados, mas apenas 41 retornaram para avaliação de controle, perfazendo um total de 57 dentes avaliados no ano de 2009. Nesse momento as avaliações clínicas e radiográficas foram realizadas. Clinicamente, foram realizados: anamnese e exame clínico para avaliar a sintomatologia dolorosa, presença e qualidade da restauração, bolsa periodontal, mobilidade dentária e trauma oclusal. Radiografias periapicais também foram realizadas — com filme Kodak Ektaspeed exposto por 0,5s em equipamento de raios X (Dabi Atlante, Ribeirão Preto/SP, Brasil), calibrado com 8mA e 80kV — para observar a presença de periodontite apical e sua relação com a qualidade da obturação radicular.

Dois examinadores avaliaram as radiografias com uma fonte de luz em uma sala escura usando ampliação (2x). Registrou-se a periodontite apical como presente na radiografia periapical se o Índice Periapical12 para a lesão fosse superior a 3 (pontuação de 1-5 crescente conforme o tamanho e a severidade) (Tab. 1). A calibração dos dois examinadores foi realizada utilizando-se 15 radiografias periapicais, repetida duas vezes. Dentes multirradiculares foram classificados de acordo com a raiz com a pontuação mais grave. As obturações radiculares foram classificadas como adequadas ou inadequadas (Tab. 1). Os canais radiculares eram considerados como bem obturados quando não havia bolhas visíveis e estivessem a não menos que 2mm do ápice radiográfico. O tratamento era considerado inadequado quando estava sobreobturado, subobturado ou mal condensado. A significância estatística foi avaliada pelo teste do qui-quadrado; valores de p inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

 

RESULTADOS

Nenhum paciente apresentou dor, nem alteração dos tecidos moles em relação ao volume, à cor ou textura. A porcentagem de sucesso obtido com o tratamento realizado por estudantes de graduação foi de 87,7%. A Tabela 2 mostra a distribuição dos pacientes por faixa etária. A idade mais prevalente estava entre 51 e 60 anos (13 casos). A Tabela 3 mostra a prevalência do tipo e posição de dente (Classificação FDI) para o tratamento, sendo os dentes mais prevalentes o 21 (6 casos) e o 22 (6 casos). A Tabela 4 mostra a porcentagem de sucesso relacionado com a qualidade do tratamento endodôntico. Quando o tratamento foi adequado (43 casos), o percentual de sucesso foi de 90,69% (39 casos), enquanto para os tratamentos inadequados (14 casos) o percentual de sucesso foi de 78,57% (11 casos), sem diferença estatisticamente significativa (p>0,05). Não foi observada diferença estatisticamente significativa na taxa de sucesso com relação ao sexo (p>0,05) (Tab. 5). A condição da polpa também não interferiu na taxa de sucesso do tratamento endodôntico realizado por alunos de graduação (p>0,05) (Tab. 6).

Captura de Tela 2015-08-12 às 11.22.18  

 

DISCUSSÃO

Os dados utilizados nesse estudo consistiram de uma amostra de radiografias periapicais dos pacientes que receberam tratamento endodôntico na Faculdade de Odontologia de Araçatuba-Unesp, em Araçatuba, São Paulo, Brasil. Todas as radiografias periapicais utilizadas nesse estudo foram realizadas durante a rotina de procedimentos do tratamento endodôntico, dentro de uma prática realizada por estudante de Odontologia, mas as radiografias periapicais de acompanhamento foram tomadas especialmente para esse estudo. Como as radiografias panorâmicas não revelam detalhes importantes e a variabilidade interobservadores é maior ao analisar esse tipo de radiografias13, optou-se por usar radiografias periapicais nesse estudo.

Os critérios radiográficos utilizados para avaliar a qualidade do tratamento de canal foram os mesmos usados por Orstavik et al.12 (índice periapical). Esse índice considera como sucesso a espessura do ligamento periodontal apical igual ao dobro daquela observada no ligamento periodontal lateral e já foi usado em vários outros estudos14,15,16.

Obturações com características ideais relacionadas ao limite apical, conicidade e preenchimento são desejadas para se alcançar o sucesso endodôntico17-20. No presente estudo o percentual de tratamento adequado do canal radicular foi de 75,4%. Embora seja difícil comparar esses resultados com os de outros estudos, a percentagem de obturações radiculares com comprimento adequado foi superior quando comparada à relatada em estudos anteriores, que mostraram 31,2%20, 48,9%15, 34,8%21 e 47,4%17. Essas diferenças podem ser devidas ao fato de que estudantes de Odontologia realizam várias radiografias durante o tratamento endodôntico a fim de obter o correto comprimento de trabalho, bem como à supervisão constante dos professores orientando os alunos a concluir o tratamento apenas quando a radiografia periapical mostra qualidade aceitável. Além disso, a padronização da técnica operatória pode ter diminuído a variabilidade interprofessores relacionada com a filosofia de trabalho, materiais e medicamentos. Kerekes e Tronstad22 relataram redução das sobreobturaçãos de 24% para 3% após a padronização da técnica operatória e a frequência de obturações adequadas passou de 78% para 97%, assim como a taxa de sucesso passou de 82% para 91%, o que contribui para explicar a taxa de sucesso ao redor de 87% observada no presente estudo.

Outro ponto a ser considerado é o tempo despendido na formação pré-clínica e clínica. Na Universidade de Cork (Irlanda), o curso pré-clínico ocorre no terceiro ano e tem duas aulas de uma hora cada, e 48 horas com atividades pré-clínicas e revisão de literatura. Na Inglaterra, os alunos têm oito aulas teóricas e 24 horas de aulas práticas9. Há diferença na quantidade de atividades pré-clínicas23 na Europa Oriental (16h), Inglaterra (24h), América do Norte (41h), Turquia (56h) e Escandinávia (66h). Na Faculdade de Odontologia de Araçatuba, os alunos têm 80 horas de atividades pré-clínicas e mais 80 horas de atividades clínicas com professores doutores. O nível dos professores ao redor do mundo não é o mesmo. O currículo de Endodontia das Universidades na Inglaterra mostra nas atividades clínicas uma falta de professores com nível pelo menos de especialista9,10,23.

A técnica de instrumentação utilizada pelos alunos também pode ter contribuído para os resultados, a qual, após correto treinamento, pode facilmente ser utilizada em canais radiculares retos ou curvos. No entanto, algumas melhorias poderiam ser feitas para alcançar maior taxa de sucesso, como reduzir as proporções de 10:1 alunos/professor nas aulas práticas e 80:1 em aulas teóricas. Além disso, a real competência do cirurgião-dentista clínico geral poderia ser voltada para que se concentrasse nos conceitos mais importantes e fundamentais e em treinamento, investindo em softwares didáticos e equipamentos, na modernização dos laboratórios pré-clínicos e sistemas de avaliação de aprendizagem.

Com base nos resultados encontrados, concluiu-se que o tratamento realizado pelos alunos de graduação da Faculdade de Odontologia de Araçatuba foi satisfatório e alcançou uma adequada taxa de sucesso.

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