Dental Press Portal

Avaliação de um método fotográfico para mensuração da angulação dentária

Objetivo: analisar a confiabilidade e reprodutibilidade de um método simplificado para análise da angulação dentária que faz uso de fotografias digitalizadas de modelos de gesso.

Métodos: foram realizadas fotografias digitalizadas e padronizadas de modelos de gesso, posteriormente transportadas para um programa gráfico de leitura de ângulos, para a obtenção das medidas. Tais procedimentos foram repetidos para avaliação do erro do método casual e para a análise da reprodutibilidade por meio da Correlação Intraclasse. A amostra constituiu-se de 12 indivíduos com dentição permanente completa e não tratados ortodonticamente, sendo seis do sexo masculino e seis do feminino. As análises foram feitas bilateralmente, gerando 24 medidas.

Resultados: o erro casual mostrou uma variação de 0,77 a 2,55° para a angulação dos dentes. A análise estatística revelou que o método apresenta uma excelente reprodutibilidade (r = 0,65 – 0,91; p < 0,0001) para todos os dentes, exceto para os pré-molares superiores, mas ainda assim estatisticamente significativa (p < 0,001).

Conclusão: o método proposto apresenta confiabilidade suficiente para justificar seu uso no desenvolvimento de pesquisas científicas, bem como na prática clínica.

 

Palavras-chave: Coroa dentária. Fotografia dentária. Avaliação.

 

 

INTRODUÇÃO

O conhecimento sobre as angulações mesiodistais das coroas dentárias ganhou destaque após o estudo descrito por Andrews1, em 1972, que diz respeito às “Seis chaves para uma oclusão ótima”, entre as quais a segunda chave afirma que um dente corretamente angulado na arcada é um dos critérios para se alcançar uma oclusão funcional. Nesse estudo, as angulações das coroas dentárias foram determinadas mensurando-se o ângulo formado entre o eixo vestibular da coroa clínica com uma linha perpendicular ao plano oclusal, nos modelos previamente recortados no centro da coroa clínica, fazendo uso de um transferidor plástico.

Embora de importância indiscutível, esse trabalho foi aplicado a uma única amostra de indivíduos norte-americanos, sendo que, na reprodução de seus métodos, observou-se dificuldade quanto à precisão no posicionamento das réguas e transferidor, gerando dúvidas e alta variabilidade de resultados³. Além disso, o recorte de modelos predito nesse método mostra-se inconveniente, pelo trabalho despendido e tempo clínico gasto, além, é claro, da inutilização dos modelos ortodônticos.

A partir dos valores obtidos no estudo de Andrews, foram estabelecidas as médias das angulações para cada coroa dentária. É possível, no entanto, afirmar que as angulações dentárias não seguem sempre um padrão fixo, de modo que pode haver variabilidade nos valores angulares, de acordo com as características individuais de cada paciente, considerando-se os diversos casos de má oclusão. Nesse prisma, estudos que se dediquem ao conhecimento e à avaliação do posicionamento mesiodistal ideal tornam-se indiscutivelmente relevantes.

Recentemente, foi apresentado um dispositivo projetado especificamente para mensurar as angulações e inclinações das coroas dentárias em modelos de gesso3. A partir do desenvolvimento desse dispositivo, que consiste em uma alteração nos métodos originais de Andrews, foi possível estabelecer valores médios das angulações e inclinações das coroas dentárias para indivíduos brasileiros portadores de oclusão normal. Contudo, esses métodos envolvem um dispositivo não disponível no mercado, requerendo confecção customizada.

A tomografia computadorizada (TC) pode ser um meio útil para avaliar inclinações e angulações dentárias4, possibilitando grande avanço para as pesquisas envolvendo o posicionamento dentário e, também, para a individualização do tratamento ortodôntico. No entanto, haja vista que esse método é relativamente novo e que ainda necessita de outros estudos que comprovem sua eficácia e confiabilidade, deve ser usado com ressalvas. Ainda, o alto custo financeiro dos exames tomográficos e os riscos inerentes à radiação são desvantagens dessa técnica.

Observa-se, portanto, a necessidade de métodos de simples aplicação que permitam ao ortodontista identificar e quantificar, de maneira confiável, o posicionamento mesiodistal das coroas dentárias, bem como as compensações naturais existentes em muitos pacientes portadores de má oclusão. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é avaliar a confiabilidade de um método fotográfico previamente descrito, que, no entanto, havia se limitado a analisar a angulação dos caninos5,6. No presente estudo, esse método foi utilizado para mensurar as angulações de todos os dentes anteriores ao primeiro molar permanente, de forma rápida e simples.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (ICS/UFPA), sob número 154-09, e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), processo número 25000.066559/2010-11, parecer número 462/2010.

A amostra do presente estudo foi composta por 12 indivíduos no estágio de dentição permanente e portadores de oclusão normal natural, sendo seis do sexo masculino e seis do sexo feminino, com média de idade de 13,7 anos. As angulações dos primeiros molares, pré-molares, caninos e incisivos foram obtidas bilateralmente, em ambas as arcadas dos modelos iniciais de gesso dos indivíduos selecionados, gerando 24 medidas para cada dente, de acordo com o método descrito previamente5,6.

Nesse método, os modelos eram posicionados sobre uma placa de vidro, a uma distância de 20cm da lente da máquina fotográfica. Ao fundo de cada modelo, foi colocado um dispositivo de cor preta com uma marcação no centro, usado como referência para centralizar o grupo de dentes a serem examinados. A lente da câmera foi apoiada em uma placa de cera utilidade, com a finalidade de otimizar a direção da lente (Fig. 1).
Foram realizadas cinco fotografias por arcada: duas laterais (uma em cada hemiarcada), centralizando o segundo pré-molar junto à marcação ao fundo, para medir a angulação do primeiro molar e dos pré-molares; duas diagonais, referenciando como ponto central a linha entre o canino e o lateral, para a medição bilateral desses dentes; e uma frontal, para a mensuração dos incisivos centrais (Fig. 2).

 

dpjo_v19_n02_84fig01

 

 

No total, foram feitas 10 fotografias por indivíduo, totalizando 120 fotografias, que foram transportadas para um primeiro programa de computador (Microsoft Paint, Microsoft Corporation, EUA), com a finalidade de se desenhar o plano oclusal. Posteriormente, essa imagem era transportada para um segundo programa gráfico de computador (Image Tool, Image Tool Software, EUA), para que fossem medidos os ângulos dos dentes.

Nas fotografias laterais e diagonais, a linha correspondente ao plano oclusal foi traçada da superfície incisal dos incisivos centrais até a cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente; nas fotografias frontais, essa reta foi traçada tocando a ponta das cúspides dos caninos, tal como proposto em trabalhos previamente publicados5,6.

Posteriormente, por meio do programa Image Tool, traçou-se o longo eixo da coroa clínica do canino e, a partir da intersecção dessas duas linhas (plano oclusal e longo eixo), era obtido o valor da angulação da coroa clínica do modelo de gesso (Fig. 3). Para a análise do erro do método, as hemiarcadas dos modelos de gesso iniciais de todos os pacientes, após sete dias, foram novamente fotografadas, e repetiram-se todos os passos já descritos anteriormente, até a obtenção de novas medidas da angulação dentária.

O erro casual foi calculado de acordo com a fórmula de Dahlberg, e a análise da reprodutibilidade das medidas foi realizada pelo teste de correlação intraclasse, com um nível de confiança de 95%.

 

RESULTADOS

Os resultados revelaram um erro casual pequeno. Em relação à análise de reprodutibilidade (correlação intraclasse), a análise estatística revelou uma excelente reprodutibilidade do método para todos os dentes (p < 0,0001), exceto para pré-molares superiores, cujos testes demonstraram uma replicabilidade classificada como de média a boa (r = 0,65 e 0,71; p < 0,001) (Tab. 1). Os resultados revelaram, ainda, que a diferença das médias das angulações foi relativamente pequena e menor que um grau, exceto para os primeiros molares superiores (2,29 graus) (Tab. 2).

 

DISCUSSÃO

Pouco se tem avaliado sobre o grau de confiabilidade das medidas tomadas em modelos, talvez por, originalmente, ser considerado um método direto. Entretanto, as modificações usadas no presente estudo mostraram que o método utilizado para medir as angulações das coroas dentárias é reproduzível de forma excelente, apresentando um erro casual igual ou menor a 2,55°, além de ser bastante simples, evitando a necessidade de desgaste dos modelos.

Alguns métodos foram descritos na literatura para a avaliação da angulação dos dentes, tal qual a proposta original de Andrews, que utiliza medidas tomadas diretamente nos modelos, por meio de um transferidor plástico¹, e outros que envolvem recursos tecnológicos avançados, como o uso de tomografias computadorizadas4. Outros métodos, ainda, descrevem a utilização de dispositivos criados especialmente para essa finalidade3,7,8. É natural, entretanto, que cada método descrito apresente dificuldades inerentes, tais como certa imprecisão no posicionamento do instrumento mensurador¹, recorte e inutilização dos modelos de gesso¹, custos elevados4, riscos devidos à radiação4 e dispositivos que não se encontram disponíveis no mercado, de modo que sua utilização depende de confecção customizada3,7,8.

Com o avanço tecnológico, modernos programas de computador permitem a análise de imagens de forma confiável e com baixo custo. Dessa forma, foi utilizado, para o presente estudo, um programa gráfico computadorizado capaz de ler com precisão a angulação dos dentes a partir de fotografias digitalizadas padronizadas dos modelos de gesso.

O método proposto apresenta diferenças em relação à proposta original de Andrews. Uma delas é o plano oclusal, que, no presente estudo, foi representado por uma linha que ligava a superfície incisal dos incisivos à ponta da cúspide mesiovestibular do primeiro molar, e, nas fotografias frontais, por uma linha que tocava a ponta das cúspides dos caninos. Esse plano nem sempre é paralelo ao plano de Andrews, principalmente em casos de má oclusão.

Os valores encontrados por Andrews e descritos como normais foram fatores importantíssimos para o desenvolvimento da técnica Straight-Wire, com o objetivo de individualizar o aparelho de acordo com as necessidades ortodônticas do paciente². Esse aparelho pré-programado faz uso de braquetes construídos individualmente para cada dente: a esses braquetes são conferidas as informações sobre a posição ideal mesiodistal e vestibulolingual que cada elemento deve alcançar ao final do tratamento ortodôntico. No entanto, as características oclusais e esqueléticas de cada paciente são únicas, o que impede a criação de um protocolo rígido para a finalização dos casos. A partir de então, muitos ortodontistas começaram a individualizar a angulação dos braquetes de acordo com suas experiências clínicas, em razão das variações morfológicas inerentes ao complexo dentofacial, sendo a maioria dessas modificações introduzidas sem qualquer respaldo científico.

O que parece, pois, uma evidência clínica baseada na experiência de cada profissional, necessita de avaliações científicas que sustentem ou não as modificações inseridas nos aparelhos ortodônticos utilizados com o objetivo de individualização dos casos. Métodos de simples aplicação, que permitam ao ortodontista identificar a presença de compensações naturais existentes, ou até mesmo quantificá-las de maneira confiável, possibilitariam ao clínico a ampliação do emprego desse conceito de forma cientificamente adequada.

O desafio em desenvolver procedimentos metodológicos acessíveis é o principal responsável pela escassez de trabalhos voltados a descobrir o posicionamento vestibulolingual e mesiodistal de cada elemento dentário na arcada. Dessa forma, um método que permita analisar a angulação dentária de forma rápida e simples por meio de materiais facilmente disponíveis e de um software de livre acesso seria um recurso útil ao clínico.

O método para análise da angulação dentária descrito e testado no presente estudo foi previamente utilizado para comparar a angulação dos caninos em indivíduos portadores de má oclusão de Classes I e III5, bem como para analisar a correlação entre a angulação dos caninos e a inclinação dos incisivos6. Em ambos os estudos, o erro casual e o erro sistemático do método foram avaliados, podendo-se concluir que, nas análises propostas, o método é tido como válido. No entanto, os autores limitaram-se à aplicação e avaliação desse método apenas em dentes anteriores e, unicamente, em fotografias laterais, não havendo, até a presente data, estudos que comprovem a replicabilidade e confiabilidade do método proposto quando aplicado para analisar as angulações mesiodistais das coroas de todos os dentes anteriores ao primeiro molar permanente.

Ao utilizar e testar esse novo método sugerido no presente estudo, verifica-se que apresenta excelente replicabilidade (p < 0,0001) para todos os dentes examinados, concordando com os resultados descritos por outros autores5,6, exceto para os pré-molares superiores, que apresentaram uma replicabilidade classificada como média a boa (p < 0,001), mas ainda estatisticamente significativa.

A menor replicabilidade encontrada nas medições realizadas nos pré-molares superiores possivelmente ocorre devido ao menor comprimento da coroa clínica desses elementos, haja vista que, quanto mais posteriores, os dentes apresentam uma menor distância cervico-oclusal. Uma vez que os pré-molares não apresentam linhas de referência nas faces vestibulares, a exemplo dos molares, e são dentes mais curtos, é possível que se encontre maior variabilidade na marcação do longo eixo da coroa e consequente distorção nos resultados obtidos.

Por meio da análise de todos os resultados obtidos, é possível concluir que o método aqui descrito apresenta confiabilidade suficiente para justificar seu uso tanto na prática clínica quanto como meio auxiliar no desenvolvimento de pesquisas científicas que se dediquem à avaliação das angulações das coroas dentárias. O método apresenta replicabilidade excelente, sem diferença entre as duas medições realizadas e com erro casual relativamente pequeno, atingindo a proposta inicial de: reduzir o tempo necessário para a tomada das medidas, ser de fácil execução para o clínico e, ainda, permitir a preservação dos modelos de gesso — objetos importantes de documentação ortodôntica do paciente.

 

 

Como citar este artigo: Amorim JR, Macedo DV, Normando D. Evaluation of a photographic method to measure dental angulation. Dental Press J Orthod. 2014 Mar-Apr;19(2):84-9.

Enviado em: 15 de julho de 2012 – Revisado e aceito: 09 de setembro de 2012

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Endereço para correspondência: Jordana Rodrigues Amorim

Rua Prof. Gerson Rodrigues, 7-51 – Apt. 801 – Vila Universitária

CEP: 17012-515 – E-mail: jordanamori@gmail.com

Sair da versão mobile