Objetivo: o objetivo do presente estudo foi testar a hipótese de não haver diferença no desempenho mecânico entre fios de aço inoxidável e fios de aço inoxidável com baixo teor de níquel. Avaliar, também, a força, a resiliência e o módulo de elasticidade produzidos pelos aparelhos quadri-hélice confeccionados com fio de 0,032″ e 0,036″.
Métodos: foram confeccionados 60 aparelhos quadri-hélice. Desses, 30 para cada tipo de liga, sendo 15 confeccionados com fio de 0,032″ e 15 com fio 0,036″. Todos os arcos foram submetidos a teste de compressão mecânica em máquina EMIC DL-10000, simulando 4, 6, 9, e 12mm de ativação. A análise de variância e comparação múltipla (ANOVA) e o teste de Tukey foram utilizados (p < 0,05) para avaliação da força, resiliência e módulo de elasticidade.
Resultados: observou-se diferença estatisticamente significativa entre forças produzidas, resiliência e módulo de elasticidade entre as espessuras 0,032″ e 0,036″ (p < 0,05).
Conclusão: os aparelhos confeccionados com liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel apresentaram liberação de força, resiliência e módulo de elasticidade semelhantes aos aparelhos que utilizaram a liga de aço inoxidável.
Palavras-chave: Aparelhos ortodônticos. Hipersensibilidade. Níquel.
INTRODUÇÃO
Na prática ortodôntica há uma variedade de ligas metálicas, como aço inoxidável, cobalto-cromo, níquel-titânio e beta-titânio, cuja maioria contém níquel11. O percentual de níquel em braquetes e aparelhos auxiliares usados em Ortodontia varia de 8% (em fios de aço inoxidável) a mais de 50% (em fios de níquel-titânio)7,17.
De acordo com o Instituto Americano de Ferro e Aço (American Institute of Steel and Iron, AISI), entre as ligas de aço austenítico mais comumente utilizadas em Ortodontia, destacam-se as do tipo 302 e 304, com aproximadamente 18% de cromo e 8% de níquel, o que é representado como grupo 18-8 de aços inoxidáveis.
O níquel é um forte sensibilizador imunológico, podendo resultar em hipersensibilidade14 e em reações teciduais. Tais reações podem ser constituídas por zonas vermelhas intrabucais difusas, bolhas e ulcerações. Elas se estendem à área peribucal, além de causarem reações urticariformes e eczematosas na face ou em áreas mais distantes do corpo12.
Portanto, para solucionar esse problema, passou-se a utilizar ligas de aço inoxidável com baixo teor de níquel para confecção de aparelhos, entre os quais estão os expansores usados para correção de mordida cruzada dentária posterior, podendo ser empregados na dentição decídua, mista e permanente, como alternativa para pacientes que apresentam alto potencial alergênico.
Entre os aparelhos comumente utilizados para corrigir a mordida cruzada dentária estão o aparelho Coffen, arco W e o arco quadri-hélice1,3,20.
Graber9 afirmou que 400g seriam a menor força ortopédica necessária para se conseguir algum efeito na arcada superior. Inversamente, a correção da mordida cruzada dentária posterior requer forças ortodônticas, e Jarabak e Fizzell15 recomendam níveis ideais de força para cada grupo de dentes. Sugeriram que para se movimentar um molar superior, deve-se utilizar 250g.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi testar a hipótese de não haver diferença no desempenho mecânico entre fios de aço inoxidável e fios de aço inoxidável com baixo teor de níquel, avaliando a força, resiliência e módulo de elasticidade produzidos pelo aparelho quadri-hélice utilizado em correção de mordida cruzada dentária posterior e determinar os níveis ideais de ativação para cada aparelho.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram testados 60 aparelhos quadri-hélice, que utilizaram duas espessuras de fios (0,032″ e 0,036″) e dois tipos de ligas metálicas, sendo a primeira de aço inoxidável (Morelli, Sorocaba/SP) e a segunda de aço inoxidável com baixo teor de níquel, menos que 0,2% (Morelli). Desses, 30 foram confeccionados com cada tipo de liga, sendo 15 com fio de 0,032″ e 15 com fio de 0,036″.
Os aparelhos quadri-hélice confeccionados possuíam dois segmentos externos e internos com, respectivamente, 40 e 35mm de comprimento, uma secção anterior de 10mm de extensão e quatro helicoides de 1,5mm de diâmetro (Fig. 1).
As amostras foram confeccionadas pelo mesmo profissional, utilizando o padrão de um único modelo, tendo as mesmas distâncias intercaninos e intermolares. Um segmento com 5mm de comprimento e 0,040″ de diâmetro de um tubo telescópico foi anexado à parte posterior de cada extremidade externa do aparelho quadri-hélice, a fim de possibilitar a aplicação de força em primeiros molares superiores permanentes. Uniu-se um segmento de fio inoxidável de 10mm de comprimento e de 0,032″ de diâmetro com solda prata no centro do tubo telescópico, de modo que o aparelho pôde ser fixado em máquina de testes universal16.
Inicialmente, cada amostra foi ativada em 12mm e, em seguida, submetida a uma sequência de ensaios de compressão em máquina EMIC DL 10000 a uma velocidade de 5mm/min, utilizando-se o programa Mtest versão 1.0.
O programa Mtest gerou as médias de força, resiliência e módulo de elasticidade produzidas pelas ativações de 4, 6, 9 e 12mm, bem como um gráfico do comportamento mecânico nesse índice de ativação. Os resultados obtidos foram comparados estatisticamente pela ANOVA one-way e teste de Tukey.
RESULTADOS
A liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel apresentou maior liberação de força, resiliência e módulo de elasticidade em comparação à liga de aço inoxidável convencional (Tab. 1, 2).
Em ambas as ligas avaliadas, os grupos utilizando o fio de 0,036″ apresentaram maiores níveis estatisticamente significativos (p < 0,05) de força, resiliência e módulo de elasticidade quando comparados a aparelhos confeccionados com o fio de 0,032″.
Para a mesma espessura de fio não houve diferença estatisticamente significativa entre as ligas (p > 0,05) (Tab. 1, 2).
DISCUSSÃO
As médias dos valores de força aumentaram proporcionalmente às ativações, indicando que os aparelhos funcionaram na fase elástica, em que a deformação é proporcional à força. Resiliência é a propriedade associada à capacidade de absorção e liberação de energia; portanto, quanto maior for a resistência, mais contínua será a força19.
Têm sido relatados estudos sobre as diversas formas de arcos palatais para correção de mordida cruzada posterior dentária1,5,23. No presente estudo, os aparelhos Coffen evidenciaram propriedades mecânicas distintas, indicando a necessidade de conhecimento de seu desempenho para sua escolha. Além disso, é importante identificar a etiologia da má oclusão e determinar a força ideal para cada tratamento10 a ser realizado. O movimento de um único molar pode necessitar de 250g15, mas efeitos ortopédicos são perceptíveis em dentição decídua e mista com forças superiores a 400g9.
Em um estudo, Urbaniak et al.23 observaram que a força produzida pela ativação de aparelho quadri-hélice é influenciada pelo tamanho e diâmetro do fio do aparelho. Tal estudo verificou que a quantidade de fio usada para confecção do arco palatal e a força aplicada são inversamente proporcionais, sendo que o diâmetro do fio é diretamente proporcional à força.
Outros estudos com quadri-hélice3,5,6 sugerem o uso de uma força de aproximadamente 400g para uma ativação de 8mm.
Com base nos resultados obtidos no presente estudo, com um aparelho quadri-hélice confeccionado com fio de 0,036″, com 9mm de ativação, independentemente da liga metálica escolhida, obtém-se um tratamento adequado para mordida cruzada de um único molar ou de um grupo de poucos dentes.
Esses achados mostram que a força produzida por ativações de até 12mm em aparelhos quadri-hélice confeccionados com fio de 0,036″ de liga de aço inoxidável ou de liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel foram inferiores a 400g. Essa força é insuficiente para obtenção de efeitos ortopédicos, mesmo que associados ao uso de aparelho fixo. Portanto, seu uso seria inválido para esse tipo de tratamento.
O níquel é conhecido por seu potencial alergênico13,18,22. Estima-se que de 4,5 a 28,5% da população tem hipersensibilidade ao níquel4,14,18,21, com maior prevalência para o sexo feminino. Para cada dez mulheres, um homem apresenta alergia ao níquel18. Associa-se a presença de íons metálicos (como o níquel) em aparelhos ortodônticos a reações de hipersensibilidade2.
As manifestações clínicas de hipersensibilidade ao níquel são fáceis de se diagnosticar. Diante de um quadro de alergia, qualquer aparelho intrabucal ou extrabucal, em uso pelo paciente, que possua níquel deve ser removido até que os sinais de reações adversas na mucosa ou pele tenham cicatrizado completamente7. A história prévia de alergia deve ser considerada um fator preditivo de manifestações clínicas de hipersensibilidade ao níquel8. Dessa forma, em vez de se utilizar aparelhos intra e extrabucais que possuam níquel, sugere-se substituí-los por braquetes e fios de aço inoxidável isentos de níquel, ou com baixo teor desse íon.
O fio de liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel é uma opção que o ortodontista pode utilizar em pacientes com histórico de hipersensibilidade ao níquel; porém, o paciente deve estar atento à ativação que será empregada nos aparelhos confeccionados com esse fio. O níquel possui a função de estabilizar a liga metálica. A redução de sua quantidade altera as propriedades físico-químicas da liga. Essa alteração pode gerar aumento de rigidez no fio ortodôntico.
O aparelho quadri-hélice, confeccionado em liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel, apresentou maior liberação de força comparado à liga de aço convencional, e isso pode influenciar significativamente o tratamento proposto, obtendo uma resposta de movimento dentário maior que a esperada.
CONCLUSÃO
1) A liga de aço inoxidável com baixo teor de níquel apresentou liberação de força, resiliência e módulo de elasticidade semelhantes às da liga de aço inoxidável.
2) Os aparelhos quadri-hélice produzem forças adequadas para o tratamento ortodôntico, desde que sua aplicação clínica seja corretamente planejada
Como citar este artigo: Santos RL, Pithon MM. Mechanical evaluation of quad-helix appliance made of low-nickel stainless steel wire. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):35-8.
Enviado em: 18 de fevereiro de 2009 – Revisado e aceito: 14 de agosto de 2009
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Endereço para correspondência: Rogério Lacerda dos Santos
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