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Avaliação da adesão de braquetes metálicos após uso de clareadores com e sem fosfato de cálcio amorfo (ACP): estudo in vitro

Objetivo: avaliar, in vitro, a influência do clareamento dentário com gel contendo fosfato de cálcio amorfo (ACP) na resistência da união adesiva de braquetes metálicos.

Métodos: trinta e seis dentes incisivos bovinos foram seccionados no limite coronorradicular e tiveram suas coroas incluídas em cilindros de PVC. Os corpos de prova foram divididos em três grupos (n = 12), de acordo com a realização do tratamento clareador e tipo de gel utilizado, sendo: G1 (controle) – sem clareamento; G2 – clareamento com gel sem ACP (Whiteness Perfect, FGM); G3 – clareamento com gel contendo ACP (Nite White ACP, Discus Dental). Os grupos G2 e G3 foram submetidos a 14 ciclos de clareamento, seguidos de intervalo de espera de 15 dias para a fixação adesiva dos braquetes metálicos. O ensaio mecânico de cisalhamento foi realizado em máquina universal Kratos, com velocidade de 0,5mm/min. Após o teste mecânico, os corpos de prova foram avaliados quanto ao índice de remanescente adesivo (ARI). Os resultados foram submetidos à ANOVA, ao teste de Tukey e ao de Kruskall-Wallis (α = 5%).

Resultados: diferenças significativas foram observadas entre os grupos testados. O grupo controle G1 (11,1MPa) mostrou uma resistência ao cisalhamento estatisticamente superior aos grupos submetidos ao clareamento (G2 = 5,40MPa; G3 = 3,73MPa), os quais não diferiram entre si. Não se observou diferença significativa para o ARI entre os grupos estudados.

Conclusão: o clareamento dentário reduz a resistência da união adesiva de braquetes metálicos, enquanto a presença de ACP no gel clareador não influencia os resultados encontrados.

Palavras-chave: Clareamento de dente. Colagem dentária. Descolagem dentária. Ortodontia. Esmalte dentário.

 

 

INTRODUÇÃO

A motivação do ser humano pela estética e beleza do corpo tem se estendido ao sorriso29. A estética dentária, hoje, é a principal razão de procura por tratamento odontológico, e o clareamento dentário tem sido um procedimento muito procurado. Esse procedimento tem sido realizado previamente a diferentes tratamentos na Odontologia, como na correção do alinhamento dentário com aparelhos ortodônticos.

O sucesso do tratamento ortodôntico com aparelhos fixos depende, entre outros fatores, de uma adequada colagem dos braquetes e da longevidade da retenção desses acessórios aos elementos dentários. A necessidade de recolagem dos acessórios ortodônticos pode retardar severamente o progresso do tratamento, aumentando os custos biológicos e financeiros inerentes22. Esses acessórios são fixados ao dente no esmalte dentário e estão sujeitos a uma variedade de forças no interior da boca que podem se concentrar na camada de adesivo e na interface adesivo/esmalte6. Dessa forma, qualquer tratamento dessa superfície com elementos químicos, incluindo o uso dos agentes para clareamento dos dentes, poderia comprometer essa fixação22.

O clareamento dentário tem sido um dos procedimentos estéticos muito difundidos na sociedade, diversos materiais clareadores estão disponíveis no mercado. Entre as técnicas existentes, a clareamento de uso caseiro, em baixas concentrações, tornou-se uma técnica muito difundida devido à sua eficácia e praticidade7. Entretanto, mesmo com a utilização de baixas concentrações, vários estudos reportam alterações na estrutura dentária clareada18,31. Existem divergências quanto ao grau dos efeitos adversos causados pela clareamento em dentes vitais30.

Embora tenha sido constatado que o processo de clareamento com peróxido de carbamida a 10% não interfere na resistência adesiva ao esmalte dentário quando realizado antes da colagem de braquetes2, existem relatos8 de alteração na resistência mecânica da colagem do esmalte previamente submetido ao procedimento de clareamento. É possível que o resíduo do material clareador interfira no compósito, impedindo ou alterando a formação dos tags e diminuindo, assim, a resistência mecânica da colagem.

Entre as alterações, destacam-se as mudanças no conteúdo mineral dos dentes clareados, que podem gerar aumento da porosidade e da permeabilidade do esmalte, diminuindo sua microdureza, e diminuição da resistência adesiva pós-clareamento e sensibilidade dentinária trans- e pós-tratamento5. Na tentativa de evitar ou minimizar os efeitos indesejáveis que podem ocorrer na estrutura dentária clareada, surgiram no mercado odontológico produtos com algumas mudanças em sua composição.

Recentemente, os géis clareadores com fosfato de cálcio amorfo na composição (ACP), ou apenas com cálcio, começaram a ser utilizados, sendo que, segundo os fabricantes, a inclusão dessas substâncias tem como objetivo dar aporte mineral à estrutura dentária clareada, evitando o surgimento de porosidades e erosões, além de contribuir para a redução de sensibilidade trans- e pós-operatória por meio da diminuição da permeabilidade do esmalte, da inibição da ativação neural e/ou da obliteração de túbulos dentinários expostos e abertos11. No entanto, ainda há poucos estudos na literatura a respeito do comportamento desses géis clareadores, bem como a respeito da influência do emprego desse material na adesividade dos acessórios ortodônticos. Por essa razão, nosso estudo objetivou observar a influência desses novos materiais quando utilizados previamente à colagem de braquetes.

 

PROPOSIÇÃO

Avaliar in vitro, por meio de ensaios mecânicos de cisalhamento, a adesão de braquetes ortodônticos após clareamento dentário com e sem ACP. Foi examinado, ainda, o índice de remanescente adesivo (ARI) de braquetes ortodônticos após utilização de diferentes agentes clareadores dentários.

 MATERIAL E MÉTODOS

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal (CEPAN) da UEPA, sob o protocolo n° 067-2009.

Foram utilizados 36 dentes incisivos inferiores permanentes bovinos, recentemente extraídos de um matadouro da cidade de Belém/PA. Como critério de seleção, os dentes deveriam estar com esmalte dentário intacto, sem trincas, e ausência de prévia de aplicação de agentes químicos. Foram excluídos, ainda, os dentes que tinham presença de irregularidades anatômicas na superfície vestibular. Os espécimes foram armazenados em solução aquosa, trocada a cada 5 dias, em temperatura ambiente.

Após as extrações, seguidas da remoção dos tecidos periodontais e de lavagem, os dentes foram armazenados em água destilada. A seguir, procedeu-se à remoção da porção radicular com disco de aço inoxidável (Starret, Alemanha) em baixa rotação, e da polpa com curetas endodônticas (Ice, São Paulo /SP), e posterior inclusão e adaptação das coroas seccionadas em cilindros de PVC de 25 x 20mm com resina acrílica autopolimerizável (JET, São Paulo/SP), de tal modo que a porção mais proeminente e central da face vestibular dos dentes ficasse perpendicularmente exposta ao cilindro. Esse posicionamento foi obtido por meio de um esquadro determinando a angulação de 90° da face vestibular da coroa com a base do cilindro.

Foi realizada a profilaxia da porção vestibular dos dentes com taça de borracha e pedra-pomes com granulação fina e sem flúor (JET) durante 10 segundos e, em seguida, enxágue com spray de ar-água por igual tempo para cada corpo de prova.

Formação dos grupos

Os corpos de prova foram aleatoriamente distribuídos em três grupos (n = 12) de acordo com a realização ou não do clareamento e com o tipo de gel clareador (Quadro 1). Os géis foram aplicados, seguindo a recomendação de seus fabricantes, na superfície vestibular do esmalte em uma camada de aproximadamente 0,5mm de espessura, o que correspondeu a um ciclo. Após a conclusão de cada ciclo de aplicação dos géis, esses foram lavados com jato de ar/água por 30 segundos e, em seguida, os corpos de prova ficaram imersos em água destilada, renovada semanalmente, armazenados em temperatura ambiente (média de 34°C). Foram executados 14 ciclos, perfazendo uma espera de 15 dias do final do tratamento clareador à realização das colagens dos braquetes aos dentes.

Foram utilizados braquetes metálicos para incisivos centrais superiores, da técnica Standard Edgewise, com canaleta de 0,022” x 0,028” (Abzil, 3M/Unitek, São José do Rio Preto/SP). A dimensão da base do braquete, fornecida pelo fabricante, era de 14,35mm2, provida de retenção mecânica do tipo tela metálica. Para a colagem dos braquetes utilizou-se o sistema adesivo Transbond XT (3M/Unitek, Monrovia, EUA). Os braquetes foram colados à superfície dos dentes, com a canaleta paralela à base do cilindro, seguindo o protocolo do fabricante.

Para a realização do ensaio mecânico de cisalhamento das peças foi utilizada máquina universal de ensaios mecânicos (Kratos TRCV59DUSB, Jundiaí/SP), com velocidade de 0,5mm/min (norma ISO 11405:200314), por meio de ponta ativa em cinzel. Os resultados de resistência ao cisalhamento foram obtidos em Kgf, transformados em N e divididos pela área da base do braquete (14,35mm2), obtendo-se, assim, os resultados em MPa.

Após realização do ensaio, a superfície vestibular de cada corpo de prova foi avaliada em lupa estereoscópica (Opton, Alemanha) com magnificação de 8 vezes para quantificação do índice de remanescente do adesivo (ARI), conforme preconizado por Årtun e Bergland1, sendo 0 = nenhuma quantidade de compósito aderido ao esmalte; 1 = menos da metade de compósito aderido ao esmalte; 2 = mais da metade de compósito aderido ao esmalte; 3 = todo o compósito aderido ao esmalte.

Análise estatística

Todos os dados foram submetidos à análise de normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. Os dados foram considerados normais após a exclusão de um outlier do Grupo 2 — com a inclusão desse espécime, os dados seriam considerados anormais.

Os resultados do teste de resistência ao cisalhamento foram submetidos à análise de variância (ANOVA), ao nível de 5% de significância, e, posteriormente, ao teste de Tukey para comparação do grupo controle com os demais tratamentos, também entre os próprios grupos experimentais (G2 e G3). Na avaliação dos escores do ARI, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis ao nível de 5%.

Imagem_Quadro_01

RESULTADOS

Os resultados do teste estatístico da ANOVA, bem como os valores de p, podem ser observados na Tabela 1.

No Gráfico 1 pode-se evidenciar as diferenças dos grupos quanto à resistência adesiva, onde verifica-se a diferença significativa entre G1 (controle, não clareado) e os grupos após o clareamento dentário (G2 – clareador convencional, e G3, clareador com ACP). Entre os grupos clareados não são observadas diferenças significativas.

O valor do teste estatístico de Kruskal-Wallis para o ARI foi p = 0,0509, indicando uma diferença estatisticamente insignificante. O Gráfico 2 mostra o índice de remanescente adesivo nos grupos estudados.

 

DISCUSSÃO

Diversos estudos têm avaliado a força de adesão de braquetes ortodônticos em diferentes superfícies3,20,27. Nesse contexto, um ponto importante seria a utilização de braquetes para incisivos centrais por possuírem uma base mais planificada, que se adaptaria mais facilmente às superfícies a serem testadas, as quais normalmente são planas, já que é incomum a confecção de espécimes com contornos coronários, o que apoia nossa escolha pelo acessório utilizado para esse experimento.

Ainda, é notório que os testes in vitro possuem inúmeras diferenças quando comparados aos testes in vivo. A principal está no fato de que as forças que ocorrem durante a mastigação são abruptas e impõem maior risco de danos ao esmalte, se comparadas à força aplicada no complexo braquete/adesivo durante o teste de cisalhamento13. Ressalta-se aqui essas características peculiares dos testes laboratoriais, onde é possível o controle mais restrito dessas variáveis, impossíveis de serem controladas em estudos clínicos, o que valida a necessidade de trabalhos dessa natureza sobre esse tema.

Ainda que na realidade não exista in vivo uma força de cisalhamento pura, pelo fato de diferentes componentes estarem atuando combinados sobre a união, os resultados in vitro são significativamente afetados, como confirmado por Swift Jr., Perdigão29; Bishara e Sulieman4. Mesmo assim, nesse trabalho foi adotado o método apresentado pela norma ISO TS11405.

No que se refere ao tipo de substrato utilizado, os dentes bovinos têm sido considerados uma boa alternativa, já que, além de serem mais facilmente obtidos, têm a estrutura do esmalte similar à dos dentes humanos. Avaliações da adesão ao esmalte bovino mostram-se aceitáveis em estudos comparativos de substratos, embora a resistência de união possa ser menor que a dos dentes humanos9,21.

Outro ponto que merece destaque diz respeito ao meio de armazenagem adotado no presente estudo (água destilada). Em testes de resistência de união adesiva a substratos clareados, o meio de armazenagem dos espécimes assume um papel tanto relevante quanto controverso. A saliva artificial, adotada em diferentes estudos8,10,16,17,28, fundamentalmente visa a aproximação do ensaio laboratorial da condição vivenciada na rotina clínica.

Quanto ao teste mecânico propriamente dito, sabe-se que o braquete ortodôntico deve possuir uma força adesiva que seja suficiente para suportar as forças mastigatórias e a ativação da mecânica utilizada21. A força de adesão mínima aceitável para os procedimentos ortodônticos de rotina varia entre 6 e 8Mpa21. Os resultados revelaram valores médios da adesão nos dentes clareados abaixo do aceitável.

É sabido que a saliva artificial anteriormente foi creditada como responsável pela ausência de diferenças na resistência adesiva após a realização de tratamento clareador, segundo estudos disponíveis na literatura15,19. Esse aspecto poderia ser atribuído ao efeito remineralizador da saliva, outrora citado por Souza28, que afirmou que amostras de esmalte tratadas com peróxido de carbamida a 10% e armazenadas em saliva artificial apresentam espaços menores entre os cristais de hidroxiapatita. Todavia, estudos29,30 afirmam que esse possível efeito remineralizador da saliva ainda não se encontra bem elucidado.

Sendo assim, objetivando excluir um possível efeito potencializador (remineralizante), ou deletério, da saliva artificial, o que poderia interferir na elucidação dos resultados obtidos, optou-se por um meio de armazenagem que desempenhasse pouco ou nenhum efeito sobre a capacidade adesiva do esmalte dentário, o que justifica a escolha da água destilada.

Os produtos residuais originados da degradação do peróxido ou do oxigênio levam a uma menor quantidade e em menor comprimento de tags resinosos, se comparados aos dentes não clareados7,18, ocasionando uma menor resistência da união adesiva, pois o peróxido de hidrogênio afeta negativamente na polimerização dos sistemas adesivos12,14,16,23,30.

Portanto, o clareamento dentário pode alterar a estrutura mineral do esmalte dos dentes e, consequentemente, afetar a união entre sistemas adesivos e esse substrato24,25. Assim, é necessário aguardar um período pós-clareamento suficiente para que haja o restabelecimento da estrutura mineral do esmalte e a completa eliminação do oxigênio residual do agente clareador. Embora a literatura mostre variações significativas para o tempo pós-clareamento recomendado para a colagem de braquetes (de 24 horas a 4 semanas), Cavalli et al.8 mostraram que um tempo mínimo de duas semanas seria necessário para que a estrutura recuperasse suas propriedades adesivas. Por causa dos resultados encontrados, acreditamos que não houve um restabelecimento do esmalte em 15 dias, o que sugere, então, que um tempo maior de espera deveria ser obedecido para fixação adesiva de acessórios ortodônticos.

Ademais, a retirada do remanescente resinoso da face dentária não consiste um processo de difícil execução, uma vez que a remoção do adesivo das faces dentárias após a remoção do aparelho é uma rotina. Sendo assim, a escolha do material de colagem depende de uma avaliação criteriosa de suas propriedades clínicas. Essa constatação, em relação ao ARI (Índice de Remanescente Adesivo), é de grande interesse do ortodontista, que pode, assim, escolher materiais que apresentem respostas clínicas com quantidade maior de remanescente de adesivo na face dentária após a remoção do braquete, uma vez que pode proporcionar maior segurança, evitando as fraturas de esmalte e mantendo a integridade do dente.

Apesar do uso de peróxido de hidrogênio a 35% reduzir significativamente a quantidade de resina na superfície do dente após a descolagem31, na avaliação do ARI no presente estudo não se observou diferença entre o remanescente adesivo, tanto nos dentes não clareados quanto nos clareados, com e sem ACP.

Para realização de um tratamento ortodôntico adequado é necessário ter conhecimento científico e habilidade técnica diferenciada. É imprescindível, também, que o ortodontista tenha informações sobre os materiais de diferentes tipos e fabricantes que estão disponíveis para uso clínico. Especificamente para colagem direta de acessórios ortodônticos ao esmalte, existem diversos produtos, de distintas procedências, nacionais e importados. Portanto, é de suma importância que esses resultados sejam transferidos à prática clínica para que o profissional otimize o tratamento ortodôntico, evitando constantes descolagens dos braquetes por falha na adesão dos acessórios ao esmalte dentário.

 

CONCLUSÃO 

Houve diferença significativa na adesão de braquetes metálicos em dentes clareados e não clareados.

Observou-se uma redução considerável na resistência adesiva nos grupos que foram submetidos ao clareamento da superfície dentária. Os dois grupos clareados (G2 e G3) não atingiram valores de adesão clinicamente eficientes, principalmente o Grupo 3 (clareado com ACP), indicando uma necessidade de restabelecimento da superfície dentária e de eliminação dos agentes químicos dos clareadores antes do procedimento da colagem dos braquetes. Quanto ao ARI, não se observou diferença estatisticamente significativa entre os três grupos testados.

 

Como citar este artigo: Machado SMM, Nascimento DBP, Silva RC, Loretto SC, Normando D. Evaluation of metallic brackets adhesion after the use of bleaching gels with and without amorphous calcium phosphate (ACP): In vitro study. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):101-6.

Enviado em: 25 de setembro de 2010 – Revisado e aceito: 20 de outubro de 2011

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Sissy Maria Mendes Machado

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E-mail: dra.sissy@specialite-saudeoral.com.br

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