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Os efeitos do Aparelho de Protração Mandibular em conjunto com o aparelho fixo em pacientes adultos

Autores:

Bruno D’Aurea Furquim

Doutorando em Reabilitação Oral, FOB-USP.

José Fernando Castanha Henriques

Livre-docente em Ortodontia e Professor Titular, FOB-USP.

Guilherme Janson

Livre-docente em Ortodontia e Professor Titular, FOB-USP.

Danilo Furquim Siqueira

Doutor em Ortodontia, FOB-USP. Professor, UNICID.

Laurindo Zanco Furquim

Doutor em Patologia Bucal, FOB-USP. Professor Associado, UEM.


Objetivo: esse estudo retrospectivo teve como objetivo avaliar, cefalometricamente, os efeitos esqueléticos, dentários e tegumentares decorrentes do tratamento com o Aparelho de Protração Mandibular em conjunto ao aparelho fixo em pacientes adultos para correção da má oclusão de Classe II.

Métodos: a amostra foi composta por telerradiografias pré- e pós-tratamento de nove adultos (idade inicial média de 22,48 anos), portadores de má oclusão de Classe II, divisão 1 bilateral. O teste t pareado (p < 0,05) foi empregado para comparação dos valores iniciais e finais.

Resultados: de acordo com o teste t, observou-se aumento da altura facial anteroinferior e da altura facial posterior. As alterações dentárias foram: extrusão dos incisivos superiores, inclinação para vestibular e protrusão dos incisivos inferiores; e mesialização e extrusão dos molares inferiores. Com relação ao componente tegumentar, houve aumento do ângulo nasolabial e retrusão do lábio superior.

Conclusão: os efeitos do tratamento com o Aparelho de Protração Mandibular em conjunto com aparelho fixo em pacientes adultos para correção da má oclusão de Classe II foram direcionados, principalmente, à arcada inferior, com inclinação vestibular, protrusão e intrusão dos incisivos e mesialização e extrusão dos molares.

Palavras-chave: Má oclusão Classe II de Angle. Aparelhos ortodônticos funcionais. Avanço mandibular. Adulto.

Introdução

Há muitos anos, o tratamento de pacientes adultos é uma realidade na prática ortodôntica1,2,3. Para os casos de pacientes adultos portadores de deficiência mandibular, existem duas possibilidades usuais de tratamento: a primeira, compensatória, com extração de pré-molares, permitindo retração dos incisivos superiores e consequente correção do trespasse horizontal; a segunda, cirúrgica, reposicionando a mandíbula em uma posição mais anterior4.

Além dessas duas possibilidades mais tradicionais de tratamento, os aparelhos funcionais fixos correspondem a uma terceira possibilidade para o tratamento da má oclusão de Classe II sem extrações ou cirurgia4-12.

O aparelho de Herbst foi o primeiro aparelho funcional fixo descrito para a correção da má oclusão de Classe II, e também o primeiro descrito para essa correção em pacientes adultos8. Além do aparelho de Herbst, existem outros aparelhos funcionais fixos eficazes na correção da má oclusão de Classe II, como o Jasper Jumper, o MARA, o FMA e o APM5,6,7,13. O Aparelho de Protração Mandibular (APM) se destaca por sua fácil confecção, baixo custo e rápida instalação14.

Alguns estudos compararam o tratamento da má oclusão de Classe II por meio do uso do APM associado a outros dispositivos em pacientes adolescentes13,15. Casos clínicos de pacientes adultos tratados com o APM já foram apresentados na literatura16,17,18, mas nenhum trabalho de pesquisa que investigue o tratamento com APM em um grupo de pacientes adultos foi apresentado. Sendo assim, o presente estudo objetivou avaliar, cefalometricamente, os efeitos esqueléticos, dentários e tegumentares do tratamento com o APM em conjunto com aparelho fixo em pacientes adultos para correção da má oclusão de Classe II.

Material e Métodos

Os seguintes critérios de inclusão foram observados para a seleção da amostra:

1) Presença de má oclusão inicial de Classe II divisão, 1 bilateral;

2) Ausência de agenesias ou perdas de dentes permanentes;

3) Ausência de dentes supranumerários;

4) Tratamento realizado exclusivamente por meio do Aparelho de Protração Mandibular associado a aparelho ortodôntico fixo;

5) Relação molar de Classe I e redução do trespasse horizontal ao final do tratamento.

Os pacientes foram considerados adultos utilizando-se o método de maturação vertebral cervical para avaliação do crescimento mandibular, proposto por Baccetti et al.21 Foram considerados adultos os pacientes a partir do quinto estágio de naturação vertebral cervical (EMVC V). A avaliação foi realizada utilizando-se a telerradiografia inicial. Os pacientes que geraram dúvida quanto à classificação foram excluídos da amostra.

A amostra foi composta por nove brasileiros leucodermas adultos (seis do sexo feminino e três do masculino), portadores da má oclusão de Classe II, divisão 1 bilateral. Os pacientes apresentaram idade inicial média de 22,48 ± 5,64 anos; variando de 15,14 a 29,69 anos). O período médio de acompanhamento foi de 4,01 anos, e a idade média final dos pacientes foi de 26,50 anos. Os pacientes foram tratados por dois professores experientes.

Por se tratar de um trabalho retrospectivo, as telerradiografias foram realizadas em diferentes centros de documentação. O traçado anatômico e os pontos demarcados foram digitalizados em uma mesa digitalizadora Numonics AccuGrid XNT, modelo A30TL.F (Numonics Corporation, Montgomeryville, EUA). O programa utilizado para a medição das variáveis cefalométricas foi o Dentofacial Planner 7.02 (Dentofacial Planner Software Inc., Toronto, Canadá), com o qual a magnificação da imagem radiográfica já é corrigida. Para as estruturas bilaterais, foi efetuado o traçado médio, com exceção dos molares, uma vez que se levou em consideração o mais distalmente posicionado.

O erro intraexaminador foi realizado tomando-se novas medidas para as 15 telerradiografias, iniciais ou finais, 30 dias após a primeira medição. Os erros sistemáticos foram analisados pela aplicação do teste t dependente, conforme Houston19.

Para avaliação dos erros casuais, foi empregada a fórmula de Dahlberg, a qual demonstra a variação média entre a primeira e a segunda medição. O teste é calculado pela seguinte fórmula: S= Σd2/2n, onde S2 é a variação do erro, d representa a diferença entre a primeira e a segunda medição e n é o número de medições duplas20. O cálculo do erro casual foi realizado mediante o emprego de uma planilha do Microsoft Excel XP.

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi empregado para avaliar se os valores apresentam distribuição normal, possibilitando a realização do teste t dependente. Esse último foi realizado para comparar os valores cefalométricos médios ao início e ao final do tratamento.

Os testes estatísticos foram realizados por meio do programa Statistica for Windows 6.0 (Statsoft, Inc. Tulsa, EUA), sendo considerados estatisticamente significativos os resultados com valor de p < 0,05.

Resultados

Apenas duas variáveis (1-PTV e 1-PP) apresentaram erro sistemático após, aproximadamente, um mês da primeira medição, e os erros casuais variaram de 0,28 (para SML) a 2,80 (para 1.PP) (Tab. 1).

O APM não proporcionou nenhuma alteração significativa na maxila ou mandíbula. Com relação ao padrão de crescimento, apenas as variáveis lineares (altura facial anteroinferior e altura facial posterior) se alteraram.

A extrusão dos incisivos foi a única alteração significativa para o componente dentoalveolar superior. Por outro lado, para o componente dentoalveolar inferior, observou-se inclinação para vestibular e protrusão dos incisivos, e mesialização e extrusão dos molares. O tratamento proporcionou correção significativa dos trespasses horizontal e vertical, e da relação molar. Com relação ao componente tegumentar, o ângulo nasolabial aumentou e o lábio superior retraiu, tendo a linha E como referência.

Discussão

O presente estudo avaliou os efeitos dentários, esqueléticos e tegumentares do APM para correção da má oclusão de Classe II em um grupo de pacientes adultos. O método de maturação vertebral cervical para avaliação do crescimento mandibular21 e a idade cronológica foram os critérios utilizados para a classificação dos pacientes como adultos. Em virtude de não haver nenhum outro trabalho que tenha avaliado os efeitos do APM em pacientes adultos, os resultados serão discutidos em comparação a trabalhos que avaliaram outros aparelhos funcionais fixos, que não o APM, para correção da má oclusão de Classe II em pacientes adultos ou adultos jovens.

É importante ressaltar que os efeitos observados referem-se ao tratamento realizado em conjunto pelo APM e o aparelho fixo. Seria interessante que estudos futuros avaliassem os efeitos limitados ao período em que o APM foi utilizado, além dos efeitos totais do tratamento.

Efeitos esqueléticos

Outros trabalhos estão de acordo com os resultados demonstrados com relação aos efeitos do APM na maxila. O tratamento com FMA em um grupo com idade inicial média de 15 anos e cinco meses também não foi capaz de produzir efeitos na maxila6. Nalbantgil et al.7 avaliaram os efeitos do Jasper Jumper em um grupo com idade inicial média de 16,5 anos, e relataram ação limitada do Jasper Jumper na maxila, também com diferença insignificante entre o início e o fim do tratamento. Todavia, na comparação com o grupo controle, sugeriram que o Jasper Jumper inibiu o potencial de crescimento da maxila7.

Assim como no presente estudo, Nalbantgil et al.7 não observaram efeito significativo no crescimento mandibular de pacientes com idade inicial média de 16,5 anos tratados com Jasper Jumper, mas observaram alteração significativa da relação maxilomandibular. Gönner et al.5 observaram maior diminuição (3°) do valor do ângulo ANB em pacientes mais velhos que os da presente amostra (33,7 ± 7,9 anos), tratados com o aparelho MARA.

Com relação ao padrão de crescimento, apenas as variáveis lineares (altura facial anteroinferior e altura facial posterior) aumentaram, o que também pode ser compreendido em virtude das alterações tardias do crescimento craniofacial. Nalbantgil et al.7 também não observaram alterações no padrão de crescimento. Ruf e Pancherz12 observaram que o ângulo SN.GoGn não foi alterado durante a fase com o Herbst, o que está de acordo com estudos de Herbst em crianças. A diminuição do ângulo SN.GoGn, durante a fase com aparelho fixo e durante todo o período de observação, assim como o avanço mandibular, resultaram na redução da convexidade do perfil esquelético e tegumentar. Controles mostraram desenvolver-se de maneira oposta, com aumento da convexidade facial com o passar do tempo12.

Efeitos dentários

Assim como no presente estudo, Nalbantgil et al.7 observaram extrusão dos incisivos superiores como efeito do tratamento com o aparelho Jasper Jumper. Também observaram retração dos incisivos superiores e inclinação distal da coroa do molar superior, o que não se observou no presente estudo, provavelmente porque os pacientes do presente estudo eram mais velhos (22,41 anos) que os pacientes avaliados por Nalbantgil et al.7 (16,5 anos). Como o lábio superior abaixa durante o envelhecimento22, a extrusão dos incisivos superiores pode ser considerada uma vantagem desse tratamento.

Observou-se, no componente dentoalveolar inferior, alterações significativas para quase todas as variáveis analisadas (inclinação para vestibular, protrusão e intrusão dos incisivos e mesialização e extrusão dos molares), sendo a posição vertical dos incisivos a exceção, pois manteve-se inalterada.

Ruf e Pancherz apresentaram11 as adaptações dentárias e faciais que obtiveram em pacientes adolescentes e em adultos jovens. Em ambos os grupos, a correção da Classe II e do trespasse horizontal foi promovida, em sua maior parte, por alterações dentárias, e, em menor parte, por alterações esqueléticas10. Os pacientes adolescentes apresentaram maior crescimento mandibular, enquanto os pacientes adultos jovens apresentaram maior mesialização do molar inferior e, consequentemente, maior protrusão dos incisivos inferiores. Gönner et al.5 observaram aumento de mais de 5° do valor de IMPA para pacientes adultos (33,7 anos) tratados com o aparelho MARA em conjunto com aparelho fixo. Assim como no presente estudo, Nalbantgil et al.7 observaram, além da protrusão dos incisivos inferiores, a intrusão desses.

A inclinação vestibular dos incisivos inferiores e sua repercussão no status periodontal são controversas. Alguns trabalhos consideraram a protrusão um fator de risco à recessão gengival, uma vez que observaram associação entre essa e o movimento vestibular22-25; todavia, outros não observaram tal associação26,27,28. Para Melsen e Allais29, outros fatores predisponentes à recessão gengival devem ser levados em conta, como biótipo gengival, placa visível e inflamação.

Uma relação positiva entre a idade do paciente e a severidade da perda óssea já foi identificada30,31. De acordo com Ko-Kimura et al.32, a prevalência dos espaços negros no pós-tratamento ortodôntico é maior em pacientes acima dos 20 anos de idade, e estão associados à reabsorção da crista alveolar. A prevalência média de espaços negros encontrados na população ortodôntica adulta pós-tratamento, independentemente do apinhamento inicial, foi de 38%33, e, na população adolescente, após a correção dos incisivos apinhados, foi de 43%, segundo Burke et al.34 Foi demonstrado por Tanaka et al.35 que, com o apinhamento, a papila interdentária pode ser esmagada, e só após a correção das más posições dentárias o espaço negro pode ficar evidente.

Tuverson36 relatou que, como os dentes triangulares não apresentam áreas de contato, mas pontos, são mais instáveis e mais suscetíveis ao apinhamento. Segundo Olsson e Lindhe37, pacientes com incisivos centrais superiores de formato triangular (fino e alto) tendem a apresentar mais recessão gengival do que aqueles pacientes com incisivos centrais superiores mais largos e curtos, uma vez que parece haver uma relação entre biótipo gengival e o formato dos incisivos centrais superiores.

A estética relacionada ao posicionamento dentário envolvendo os incisivos superiores é o fator que exerce maior influência sobre a motivação dos pacientes adultos em buscar o tratamento ortodôntico, e poucos percebem as anomalias esqueléticas38. Portanto, cuidados preventivos devem ser aplicados no decorrer da qualquer movimentação ortodôntica, principalmente nos movimentos protrusivos em pacientes com biótipo gengival fino e incisivo triangular. Atenção especial deve ser dada quando essas características estiverem associadas a algum grau de apinhamento e/ou placa visível e inflamação.

Efeitos tegumentares

Observou-se retrusão do lábio superior para a variável Ls-E e aumento do ângulo nasolabial. Essas alterações podem ter sido influenciadas pelo crescimento do nariz, uma vez que o lábio superior permaneceu inalterado quando levada em consideração a variável Ls-Pog’Sn, coerente com a posição inalterada dos incisivos superiores no sentido sagital. Apesar de terem ocorrido protrusão e inclinação vestibular dos incisivos inferiores, o lábio inferior não protruiu.

Conclusão

Os efeitos do tratamento com o Aparelho de Protração Mandibular em conjunto com aparelho fixo, em pacientes adultos, para correção da má oclusão de Classe II, aconteceram, principalmente, na arcada inferior, com inclinação vestibular e protrusão dos incisivos e mesialização e extrusão dos molares. A extrusão dos incisivos foi a única alteração significativa na arcada superior.

Como citar este artigo: Furquim BD, Henriques JFC, Janson G, Siqueira DF, Furquim LZ. Effects of mandibular protraction appliance associated to fixed appliance in adults. Dental Press J Orthod. 2013 Sept-Oct;18(5):46-52.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Bruno D’Aurea Furquim

Email: brunofurquim@hotmail.com

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