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Aparelho não mata polpa ou ‘nervo’! – por Alberto Consolaro

Alberto Consolaro

Alberto Consolaro

Livre docente e Professor Titular de Patologia na Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP)

É difícil mudar conhecimento velho em mentes que não se renovam! Muitas pessoas param de estudar e ficam a vida inteira repetindo o que aprenderam na graduação. Acontece, às vezes, até com professores envolvidos com materiais, aparelhos e equipamentos que esquecem as fundamentações e avanços biológicos. Ou então, trabalham em atividades administrativas e nem sobra mais tempo para estudar. O tempo exíguo não nos deixa atualizar de fato e as opiniões e posturas ficam ultrapassadas. Uma mente sábia vem da leitura com reflexão e tempo para mudar opiniões na forma de ver as coisas e o mundo!

Polpa

Vinte e cinco anos atrás se acreditava que o aparelho ortodôntico poderia provocar necrose da polpa dentária, no popular o “nervo do dente”. Muitas pesquisas mostraram que é impossível isto acontecer, mesmo quando o ortodontista aperta muito o aparelho. O movimento do dente sempre é suave e entre 7 a 10 dias a força aplicada se dissipa gradativamente e deixa de existir.

Quando um ortodontista aperta muito o aparelho, as alterações nos tecidos ao redor do dente impedem que ele se movimente. O dente se desloca apenas quando as forças forem leves e moderadas, quando intensas, o dente fica parado no lugar.A polpa dentária não sofre qualquer alteração quando se faz tratamento ortodôntico como já foi demonstrado em duas teses que orientamos. Em uma delas, Renata Consolaro movimentou os dentes de ratos de forma muito parecida com o que se faz em humanos e a polpa permaneceu normal. O mesmo ocorreu na tese de José Valadares Neto quando analisou a polpa humana em dentes submetidos a forças intensas com aparelhos expansores.

Consussão

Às vezes, dentes lindos antes, durante ou depois do tratamento ortodôntico escurecem! Não têm cárie, fratura ou nada que justifique este escurecimento que apenas pode ser por: (1) necrose assética da polpa e conhecida pelos antigos como “mortificação” ou (2) metamorfose cálcica da polpa que ficará toda preenchida por dentina irregular. São duas situações só provocadas por traumatismo dentário.

Antigamente não se sabia que qualquer batida no dente, mesmo que nem fique dolorido, seria suficiente para promover a reabsorção de suas raízes, anquilose, metamorfose cálcica da polpa e a necrose asséptica pulpar. Este tipo de batida ou traumatismo dentário chama-se “concussão dentária”.

Necrose pulpar asséptica (NA) com preservação dos limites pulpares nítidos e escurecimento coronário (Foto: Acervo DentalGO)

A concussão nos dentes ocorre nas brincadeiras e lutas, esportes, batidas de bolas e brinquedos, cabeçadas, cotoveladas, traumas nos dentes vizinhos por instrumentos chamados de alavancas e fórceps usados para tirar um dente, batidas inevitáveis na hora da anestesia geral e até ao abrir garrafas de cerveja com os dentes. Batidas e traumatismos abruptos, súbitos e concentrados em uma pequena área podem romper os vasos sanguíneos, mas o movimento ortodôntico não, pois é suave, lento e dissipante, mesmo feito com força intensa ou pesada.

A concussão ocorre e o paciente nem percebe! Quando o dente fica escurecido, o profissional pergunta se o paciente sofreu um traumatismo na região: ele tenderá a dizer que não! Este traumatismo dentário acontece no dia a dia e, com muita frequência, os pacientes esquecem destas batidas imperceptíveis.

>>> Leia também: Fístula cutânea odontogênica: relato de caso

Felizmente, na maioria dos casos de concussão, nada acontece de ruim, mas têm casos que a força se concentra em um ponto da raiz como no ápice, ou ponta da raiz, e acaba rompendo os vasos sanguíneos que entravam no canal do dente e lhe dava vitalidade, mas agora aconteceu a necrose asséptica ou a metamorfose cálcica da polpa.

Ignorância

Por desconhecer este avanço do conhecimento sobre o traumatismo dentário, em especial a concussão, um profissional, ainda nos dias de hoje, pode sugerir ao paciente que foi o tratamento ortodôntico que provocou o escurecimento dentário. Um erro fenomenal que pode fazer o paciente considerar o seu ortodontista inapto, induzindo transtornos indevidos. Na verdade, é o profissional que assim afirmou ao paciente que se encontra muito desatualizado!

Na ciência é assim: a verdade do passado, hoje, pode ser um engano! O novo precisa ser acolhido e compreendido antes de renegado, em qualquer área do conhecimento!

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