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Ancoragem esquelética em Ortodontia — Parte I: miniplacas SAO (sistema de apoio ósseo para mecânica ortodôntica)

Introdução

A Odontologia sofreu uma verdadeira revolução com a introdução dos implantes osseointegráveis. Hoje, o planejamento em reabilitação bucal é totalmente diferente do que era há 10 ou 20 anos. Atualmente, praticamente não existem mais próteses extensas em perdas dentárias parciais, e as próteses totais são apoiadas em implantes. De forma semelhante, a utilização de ancoragem esquelética e o desenvolvimento de novas ligas metálicas que possibilitam a liberação de forças leves e constantes revolucionaram a maneira de tratar os mais variados tipos de más oclusões em Ortodontia. A popularização dos mini-implantes e dos fios e molas de níquel-titânio possibilitou a diminuição dos custos, tornando esses materiais presentes na maioria dos consultórios ortodônticos.

Todavia, os mini-implantes não são a única possibilidade de ancoragem esquelética. O objetivo da primeira parte desse artigo é explorar os recursos e as indicações das miniplacas SAO (sistema de apoio ósseo para mecânica ortodôntica) na solução de casos clínicos complexos, principalmente em pacientes adultos. Na segunda parte, faremos uma abordagem especial de pacientes mutilados, com várias perdas dentárias e problemas periodontais, onde implantes osseointegráveis fizeram parte do planejamento interdisciplinar e, também, serviram de ancoragem na movimentação ortodôntica.

As miniplacas SAO (RAHOS Technology, Ribeirão Preto/SP) foram apresentadas em 2009 por Sakima et al.12, ilustrando sua utilização no tratamento da mordida aberta anterior esquelética. Desde então, foram introduzidas inovações no sistema, como os novos formatos utilizados nas regiões da abertura piriforme na maxila (em “C”), na sínfise mentoniana anterior ao forame (em “L”) e no ramo mandibular (em “J”). Nesses sítios anatômicos, eram utilizadas miniplacas em “Y” e em “T” cortadas, deixando as miniplacas apoiadas em apenas dois parafusos monocorticais.

Com os novos formatos, todas as miniplacas devem ser fixadas por três parafusos monocorticais de 2mm de diâmetro. Apesar de, na maioria das vezes, não ser necessário o apoio da miniplaca em três parafusos, faz-se essa recomendação por precaução, para evitar que uma nova cirurgia de instalação tenha de ser realizada em caso de soltura de um parafuso. Esse tipo de soltura pode ocorrer devido a três motivos: 1) superaquecimento do osso durante a perfuração; 2) aperto excessivo do parafuso na miniplaca e no osso (por falta de adaptação da miniplaca à superfície óssea ou por querer buscar um ”travamento”, como se faz nos implantes); e/ou 3) excesso de carga ortodôntica na miniplaca. Na Figura 1, temos as miniplacas indicadas para cada sítio anatômico.

São indicados dois sítios anatômicos em cada maxilar, sendo um na região anterior e outro na posterior. As maiores críticas feitas às miniplacas são a possibilidade de infecção devido sua instalação ser realizada em mucosa gengival livre. Para se evitar tal transtorno, durante a cirurgia de instalação, a incisão deve ser realizada em mucosa ceratinizada, ou próxima à junção mucogengival, ou seja, em áreas de pouca ou nenhuma mobilidade. Outro cuidado especial é a realização de duas dobras em 90°, em forma de baioneta, na área da incisão, de forma a deixar um platô de higienização. O cirurgião deve estar ciente de que a região das perfurações na haste transmucosa não pode ser dobrada, para que o acessório possa ser encaixado com precisão nessa miniplaca instalada. Após a instalação, o paciente deverá higienizar a miniplaca com clorexidina a 0,12% e escova interdental.

Nas miniplacas convencionais, geralmente são utilizadas molas ou elásticos (para apenas um ponto de aplicação das forças), conectando a si os dentes a serem movimentados. Não existem tubos conectados a elas. Dessa forma, a precisão na colocação dessas é essencial para que as forças a serem exercidas sejam feitas na direção correta. Isso exige maior habilidade do cirurgião no posicionamento, para que a região do dente a ser movimentado possa receber as forças adequadas. Não é incomum a necessidade de colocação de duas miniplacas convencionais na mesma hemiarcada.

As miniplacas SAO foram especialmente desenvolvidas para ser utilizadas em Ortodontia. Têm como característica principal a possibilidade de se acoplar um acessório a si — o denominado ADV (adaptador duplo vertical), que é amarrado à haste transmucosa por meio de fio de amarrilho de 0,30mm. O excesso da haste transmucosa, no sentido vertical, deve ser cortado para evitar que cargas mastigatórias sejam colocadas sobre as miniplacas.

O ADV é o grande diferencial desse sistema, apresentando dois tubos e dois ganchos onde diversos dispositivos ortodônticos podem ser acoplados, sozinhos ou simultaneamente. Isso possibilita que apenas dois sítios sejam necessários em cada maxilar, independentemente do tipo de má oclusão a ser tratada. Não existe a necessidade de precisão cirúrgica na instalação, como ocorre nos outros sistemas, pois nessa miniplaca serão acoplados os dispositivos que realizarão a movimentação dentária. Dessa forma, não são necessárias tantas miniplacas, pois, por exemplo, forças requeridas na região anterior podem ser apoiadas em miniplacas instaladas tanto na região posterior quanto na anterior.

Para maior conforto do paciente, recomenda-se que as miniplacas, com seus respectivos ADVs e acessórios acoplados, sejam envoltas com resina acrílica fotopolimerizável ou com resina flow.

Entre as principais vantagens das miniplacas sobre os mini-implantes, estão os menores índices de insucesso, a maior quantidade de carga suportada, a possibilidade de transladar dentes na área em que a miniplaca está instalada, a possibilidade de realizar diferentes mecânicas simultaneamente e, principalmente, a facilidade de lidar com efeitos colaterais. Essa última vantagem representa uma tranquilidade clínica para o ortodontista. Por esses motivos, os tratamentos ortodônticos realizados com o auxílio dessas miniplacas são, geralmente, mais rápidos.

Os dispositivos ortodônticos que podem ser encaixados no ADV são cantiléveres, alças de correção radicular, alças em “T” para retração, power-arms, molas de aço ou de níquel-titânio, cadeias elásticas e fios de amarrilho. Esses dispositivos se caracterizam, em sua maioria, por liberar cargas leves e constantes, agindo praticamente o tempo todo, não apenas um ou dois dias após a colocação das forças.

A seguir, serão apresentados casos clínicos para exemplificar a utilização desse sistema de ancoragem. Traremos situações clínicas diferentes das apresentadas em outro trabalho12, relacionadas ao tratamento da mordida aberta.

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Caso clínico 1

O primeiro caso ilustra uma situação clínica bastante comum do dia a dia do ortodontista brasileiro, em que ocorreram perdas de primeiros molares permanentes inferiores, com o lado esquerdo se apresentando em Classe II de caninos e molares. O objetivo do tratamento foi verticalizar os segundos molares inferiores e mesializar os segundos e terceiros molares inferiores, evitando implantes ou próteses nessa arcada, uma vez que os terceiros molares estavam em oclusão. A correção da Classe II do lado esquerdo foi realizada por meio da mesialização do canino e de dentes posteroinferiores, evitando extrações na arcada superior e alterações dramáticas no perfil.

As Figuras 2 e 3 mostram as fotografias iniciais e as imagens radiográficas do caso clínico relatado. A Figura 4 ilustra o início do tratamento, sendo realizada a instalação de duas miniplacas na região de sínfise mentoniana, e os segundos molares sendo corrigidos com o auxílio de alças de correção radicular ativadas em geometria VI. Nesse tipo de alça, um fio de TMA de 0,017” x 0,025” é adaptado passivamente entre o tubo do segundo molar e o tubo da miniplaca (ADV). Após a alça estar passiva, duas dobras de igual magnitude são incorporadas a essa, sendo uma na mesial do molar e outra na distal do ADV. Essas dobras devem ter 30° no sentido cervical, e são realizadas assim para evitar que forças extrusivas sejam incorporadas no movimento

e verticalização (Fig. 10). Observe que, para que a verticalização possa ocorrer com sucesso, a intrusão dos molares superiores deve ser realizada concomitantemente à movimentação dos dentes inferiores (Fig. 5). Nesse caso, foram utilizados cantiléveres com forças de 50g, apoiados em toda arcada superior na parte vestibular, e, na palatina, foi utilizada uma barra palatina de encaixe em forma de ferradura para o controle de inclinação. Após a verticalização dos molares, esses foram mesializados com o auxílio de molas fechadas (150g, Sentinol – GAC) apoiadas em power-arms feitos com fio de aço de 0,019” x 0,025”, e amarradas no gancho do ADV fixado à miniplaca.

Para facilitar a movimentação mesial, o fio que passa dentro das canaletas dos molares deve ser redondo (0,018” ou 0,020”, de aço) e um aparelho removível com cobertura oclusal posterior na arcada superior deve ser usado (uso noturno, no mínimo). A correção da Classe II na região anterior foi realizada por meio de cantiléveres apoiados nas miniplacas, com forças mesiais de 80 a 100g, amarrados nos caninos (Fig. 6, 7). Observe que toda a movimentação principal ocorreu na arcada inferior, praticamente pela mesialização de todos os dentes, apoiados na miniplaca e com a utilização de forças leves e constantes (Fig. 8, 9).

Caso clínico 2

Na Figura 11, ilustramos outro caso, com a realização de verticalização e mesialização dos segundos e terceiros molares. Nesse caso, durante o processo de verticalização ocorreu a abertura da mordida, provavelmente devido aos contatos prematuros gerados pelos molares verticalizados, mesmo utilizando mecânica sem forças extrusivas (Fig. 12).

Esse problema foi facilmente solucionado com colocação de dois cantiléveres apoiados na região posterior da arcada inferior, cada um com 150g de força intrusiva (Fig. 13). Essas forças foram incorporadas ao mesmo tempo que se realizava a mesialização dos molares. Observe que os aparelhos fixos na arcada superior só foram montados na fase final do tratamento — fato bastante apreciado pelos pacientes adultos (Fig. 14).

Caso clínico 3

Outra utilização bastante importante é a possibilidade de distalização dos dentes superiores apoiados nas miniplacas. Esse caso ilustra uma situação onde a paciente não queria a extração de pré-molares (Fig. 15). A solução proposta foi a distalização de todos os dentes posterossuperiores para criar espaço para o alinhamento dos dentes anteriores, bem como a correção sagital dos dentes posteriores que estavam em Classe II.

Os aparelhos fixos na arcada inferior só foram montados na fase final do tratamento ortodôntico. A mecânica utilizada consistiu da colocação de cadeia elástica entre as miniplacas e os caninos, possibilitando a distalização dos dentes posteriores ao mesmo tempo que espaços foram abertos na região anterior (Fig. 16). O fio utilizado nessa fase foi o redondo de 0,018”, de aço. Após os dentes posteriores engrenarem em correta oclusão, aparelhos fixos foram montados nos dentes anterossuperiores e, também, nos dentes inferiores (Fig. 17, 18).

Caso clínico 4

Nesse último caso (Fig. 19, 20), ilustramos a verticalização e mesialização dos dentes 47 e 48, a distalização dos dentes posterossuperiores do lado esquerdo, e mecânica assimétrica no sentido de corrigir a linha mediana desviada (Fig. 21). A paciente apresentava assimetria sagital na arcada superior, sendo corrigida pela distalização dos dentes posterossuperiores do lado esquerdo. Isso foi realizado com o auxílio da ancoragem esquelética da miniplaca SAO, instalada na região de pilar zigomático, à qual foram apoiadas cadeias elásticas no canino e no sliding-jig para a distalização de todos os dentes dessa hemiarcada. Tal como no caso clínico 3, fios de 0,018” de aço foram utilizados como guia da movimentação distal.

Por ser redondo, o fio diminui o atrito em relação aos braquetes, e forças menores podem ser utilizadas de maneira eficaz. Na arcada inferior foi utilizada uma alça de correção radicular no dente 47; a mesialização foi feita utilizando a miniplaca instalada na sínfise mentoniana. Após a obtenção desse movimento, toda a arcada serviu de ancoragem para a verticalização do dente 37, que foi realizada por meio de outra alça de correção radicular apoiada diretamente no arco, mais precisamente no tubo cruzado presente entre os dentes 33 e 34 (Fig. 22). Observe a correção da linha média superior em relação à face e as movimentações dentárias realizadas de forma assimétrica, sendo parte feita na hemiarcada inferior direita e parte na hemiarcada superior esquerda (Fig. 23, 24).

Conclusão

Os casos apresentados ilustram situações clínicas bastante comuns em pacientes que tiveram perdas precoces de dentes permanentes. O tratamento de pacientes adultos é um desafio para o ortodontista, principalmente no que se refere ao sentido vertical, ou seja, a extrusão de dentes posteriores. As miniplacas SAO são um elemento de segurança nesse tipo de tratamento porque, a qualquer momento, forças intrusivas podem ser aplicadas aos dentes posteriores concomitantemente à mecânica principal sendo realizada. Isso faz com que os possíveis efeitos colaterais possam ser debelados antes mesmo que se expressem de maneira significativa. Além disso, movimentações no sentido mesial ou distal de todos os dentes de uma hemiarcada podem ser realizadas simultaneamente, ao invés de um a um, e, ainda, por a miniplaca estar fixada em osso basal, os dentes podem ser movidos até mesmo nas áreas onde ela se fizer presente.

Sendo assim, conforme o exposto, podemos concluir que as miniplacas SAO representam um ótimo dispositivo para ancoragem esquelética, possibilitando movimentações eficazes, facilitando o controle de efeitos colaterais e permitindo a movimentação simultânea de dentes. Tudo isso representa um ganho de eficiência e, portanto, melhora do tempo total do tratamento ortodôntico — algo que pode ser bastante apreciado por pacientes adultos.

» Os pacientes que aparecem no presente artigo autorizaram previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais.

» O autor declara que é sócio cotista da empresa Rahos, fabricante das miniplacas SAO.

Endereço para correspondência

Maurício Tatsuei Sakima

E-mail: ortodontiasakima@gmail.com

 

Como citar este artigo: Sakima MT. Ancoragem esquelética em ortodontia – Parte I: miniplacas SAO (sistema de apoio ósseo para mecânica ortodôntica). Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 jun-jul;12(3):8-20.

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