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Análise da tomografia computadorizada de feixe cônico e microscópio operatório como métodos de identificação do canal mesiopalatino de molares superiores

Resumo

 

Introdução: o objetivo do tratamento endodôntico bem sucedido é a completa limpeza químicomecânica do sistema de canais radiculares e sua correta obturação. Portanto, um canal não localizado representa uma possível causa de fracasso endodôntico, sendo consequência da falta de limpeza e obturação. Objetivo: determinar a incidência do canal mesiopalatino (MP) em raízes mesiovestibulares de molares superiores, comparando a eficácia de três métodos para sua identificação: tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), análise clínica (AC) e microscópio operatório (MO). Métodos: a existência do canal MP foi avaliada por dois examinadores em 42 primeiros e segundos molares superiores sem comprometimento pulpar. Os dentes foram avaliados consecutivamente pelos três métodos e, ao término dessas avaliações, suas raízes mesiovestibulares foram seccionadas a 3 e 7mm do ápice radicular em um plano axial, e observadas com microscópio óptico digital. Resultados: revelou-se a real presença de 10 canais MP (23,81%). A análise estatística pelo teste de McNemar (p<0,05) revelou que não houve diferença estatisticamente significativa na eficácia de localização do canal MP entre os três métodos. Conclusão: nenhum dos três métodos possibilitou a localização do canal MP em todos os casos, mas a TCFC apresentou resultados melhores na detecção de canais MP de molares superiores.

 

Palavras-chave: Cavidade pulpar. Dente molar. Tomografia computadorizada de feixe cônico. Microscopia.

 

 

Introdução

O objetivo do tratamento endodôntico bem sucedido é a completa limpeza químicomecânica do sistema de canais radiculares e sua correta obturação com material inerte1. Portanto, um canal não localizado representa uma possível causa de fracasso endodôntico, sendo consequência da falta de limpeza e obturação do canal2.

A morfologia dos molares superiores permanentes tem sido extensivamente estudada1,3-6, sendo relatada a presença de dois canais na raiz mesiovestibular dos molares superiores7-18.

Estudos clínicos e in vitro variam quanto à prevalência e localização do canal mesiopalatino (MP), e sua ocorrência mostra-se superior a 50%2,3,5,12,15, tendo a visualização direta o menor índice de detecção (40%) para os primeiros e segundos molares superiores14,16,18.

A radiografia periapical ainda representa o exame “padrão ouro” no diagnóstico endodôntico9, porém, novas técnicas foram introduzidas para facilitar a avaliação das variações anatômicas das raízes dentárias, estando entre elas a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC). Essa modalidade de exame por imagem tem diversas aplicações na Endodontia, incluindo diagnóstico periapical, avaliação da anatomia do canal radicular, planejamento cirúrgico, avaliação de reabsorções (externa e interna), suspeita de perfuração e auxílio no diagnóstico de traumatismos dentários19-22.

Outro dispositivo que pode facilitar a localização dos canais radiculares, como resultado da magnificação clara e significativa do campo de visão, é o microscópio operatório (MO)16. Estudos têm demonstrado que seu uso facilita a detecção do canal MP in vitro e, clinicamente5,8,10, houve aumento da incidência para 71,1%10.

O objetivo desse estudo foi determinar a incidência do canal MP de primeiros e segundos molares superiores por meio da avaliação clínica (AC), TCFC e MO em ambiente in vitro.

 

Material e Métodos

Seleção da amostra

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HRAC-USP (protocolo 124/2011), foram selecionados 42 dentes, cedidos pelo Banco de Dentes Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru, sendo 9 primeiros molares e 33 segundos molares superiores. Deles, 34 possuíam restaurações coronárias de amálgama ou resina composta, sem comprometimento pulpar.

 

Preparo dos dentes

Todos os dentes foram lavados em água corrente e permaneceram em frasco com solução fisiológica à temperatura ambiente até o início do experimento.

 

Avaliação com Tomografia 

Computadorizada de Feixe Cônico

Os 42 dentes foram escaneados com TCFC (SI i-CAT Imaging Sciences International, Hatfield, EUA) mediante o uso de imagens axiais, coronais e sagitais. O voxel utilizado foi de 0,2mm, com exposição de 20 segundos.

Durante essa avaliação, as imagens foram manipuladas e analisadas. O registro do número de canais e suas variações foi feito por dois examinadores.

 

Abertura coronária

A cirurgia de acesso à câmara pulpar foi realizada em todos os dentes por um único operador com brocas esféricas #1014 e #1015 (KG Sorensen, Cotia/SP) em alta rotação, até alcançarem a câmara pulpar. Para remoção do teto da câmara pulpar, foi utilizada a ponta diamantada cônica topo inativo número #3082 (KG Sorensen) acionada em alta rotação, seguindo com as etapas de forma de contorno e conveniência de desenho triangular, com base vestibular. Depois de localizar os canais palatino, distovestibular e mesiovestibular houve a tentativa para localizar a embocadura do canal MP com auxílio de uma lima tipo K #8 e #10 (Dentsply-Maillefer, Ballaigues, Suíça) e irrigação com água. Após o registro da localização ou não localização do canal MP, houve a tentativa de penetração com instrumentos K nos canais encontrados.

 

Análise com Microscópio Operatório (MO)

Os dentes foram avaliados com auxílio de MO (Dental F. Vasconcelos, M900-25 X, São Paulo), com magnificação de 40x. A localização e o número de canais foram registrados pelos examinadores.

 

Seccionamento das raízes e análise 

com microscópio óptico

As raízes mesiovestibulares de todos os dentes foram seccionadas por meio de um sistema de desgaste por corte (Exakt Technologies Inc, Oklahoma City, EUA), a 3 e 7mm aquém do ápice radicular em um plano axial.

Por meio do microscópio digital Dino-Lite AM3013T, (AnMo Electronics Corporation, New Taipei, Taiwan), com magnificação de 6,4x, verificou-se a real presença ou ausência do canal MP em todas as raízes que foram seccionadas (Fig. 1).

 

Resultados

Após o seccionamento das raízes mesiovestibulares, verificou-se a presença de 10 canais MP (23,81%), sendo três primeiros molares e sete segundos molares. A Tabela 1 mostra o número de canais MP localizados (reais) com os diferentes métodos após o seccionamento das raízes mesiovestibulares. A TCFC apresentou a maior frequência de canais reais.

Os resultados dos dois examinadores estão representados na Tabela 2, na qual observa-se a ocorrência de canais MP para o número de canais localizados e confirmados após o seccionamento. O grau de concordância entre pesquisadores foi estabelecido utilizando-se o coeficiente Kappa, obtendo-se uma concordância substancial entre eles.

A análise estatística com o teste de McNemar (p<0,05) mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre os métodos para detectar o canal MP em molares superiores.

A Tabela 3 mostra a porcentagem de canais MP encontrada na literatura, incluindo o estudo atual.

 

Discussão

Vários estudos demonstram a alta frequência do quarto canal nos molares superiores, e sua prevalência tem sido relatada e discutida por vários autores com uma variedade de métodos de estudo, incluindo radiografias, avaliações clínicas, TCFC, microscopia e seccionamento de raízes7-18. Entretanto, divergências de resultados em relação à porcentagem têm sido relatadas. Essas discrepâncias resultam, em parte, das dificuldades encontradas para o estudo do sistema de canais radiculares2. A TCFC e MO foram escolhidas como método de análise da incidência do canal MP em dentes extraídos, devido à confiança nesses métodos quando comparados a outros, como a avaliação radiográfica3,23. Outros métodos de identificação do canal MP — como a TCFC — têm sido usados na Endodontia para avaliação efetiva da morfologia do canal radicular. A vantagem desse método é permitir ao operador a visualização de cortes seriados, em diferentes planos, com a possibilidade de manipulação das imagens, fazendo uma avaliação completa do sistema de canais radiculares20.

Nesse estudo in vitro, a TCFC identificou positivamente o canal MP em cinco dentes, demostrando sua superioridade e confiabilidade em relação aos outros métodos de diagnóstico para detecção da presença ou ausência do canal MP. Embora não tenha alcançado 100% de precisão, a TCFC certamente mostra-se uma opção no tratamento do canal radicular que, conforme Matherne et al.23, resultou em maior número identificações de sistemas de canais radiculares do que as imagens digitais, sendo isso importante, especialmente em situações em que o canal MP não foi inicialmente tratado.

 

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O uso do MO propiciou melhor observação e iluminação, melhorando a localização das embocaduras dos canais MP. Apesar da baixa incidência de canais MP encontrados, vários trabalhos constataram sua importância na localização dos primeiros molares superiores e validam seu uso em busca da qualidade do tratamento endodôntico1,5-8,10,11.

 

 

 

 

 

Os resultados do presente estudo também demonstram que três canais MP foram detectados clinicamente usando unicamente uma lima K #10. Assim, destacam o método clínico como uma ferramenta para detecção do canal MP de primeiros e segundos molares superiores em procedimentos endodônticos, principalmente quando executado por profissional treinado, com maior conhecimento morfológico e anatômico, isso além da experiência profissional.

A eficácia da avaliação do canal MP foi definida pela detecção de canais verdadeiros. A partir disso, foi estabelecida a média de 5,5 para a TCFC. Os resultados sugerem que a análise clínica combinada com TCFC aumenta a detecção de canais MP de primeiros e segundos molares superiores.

Diante do método empregado e dos resultados obtidos, pode-se afirmar que não houve diferença entre um operador experiente e não experiente na localização dos canais MP quando a TCFC foi utilizada, já que fatores externos (conhecimento da anatomia e pobre geometria de irradiação) são eliminados21.

A razão pela qual a TCFC obteve a maior taxa de detecção do canal MP em comparação à análise clínica e MO, pode ser pela adoção de uma classificação de permeáveis e não permeáveis, durante a exploração. Inicialmente, esse fator descartaria uma grande parte dos canais MP localizados pelo MO e AC, por meio do uso de uma lima tipo K, unicamente. Assim, esses critérios seriam a causa mais provável para a diminuição percentual de canais MP encontrados, quando comparados a outros estudos7,8,11,15.

No presente estudo, as 42 raízes mesiovestibulares foram seccionadas. A prevalência encontrada de 10 canais MP representa uma taxa de 23,81%. Tal valor se assemelha aos resultados obtidos em estudos anteriores, e sugere a grande dificuldade em detectar canais MP de molares superiores. Isso porque para a detecção é necessário, além do conhecimento da morfologia do sistema de canais radiculares, o treinamento para tal, de acordo com a localização típica e atípica do canal MP2,3,5,12,14,15,18.

Com base na frequência de canais MP encontrados nesse estudo, sugere-se o cuidado clínico durante a abertura coronária para localizar canais MP em molares superiores por meio da dedicação de mais tempo para o tratamento, uso de técnicas adequadas e magnificação para obter-se melhores resultados, assegurando um bom prognóstico ao tratamento endodôntico. A não detecção de canais, como o MP, podem contribuir para o fracasso do tratamento endodôntico, podendo haver a necessidade do retratamento convencional e, posteriormente, do tratamento cirúrgico para solução do caso.

 

Conclusão

Diante do método apresentado, conclui-se que nenhum dos três métodos avaliados possibilitou a localização do canal MP em todos os casos; no entanto, a TCFC apresentou melhores resultados na detecção de canais MP de molares superiores.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo pelo apoio técnico para a realização dessa pesquisa.

 

 

Como citar este artigo:

Pardo MCP, Nishiyama CK, Ponce JB, Albarracín ML. CBCT and operating microscope as methods to identify the mesiobuccal canal of maxillary molars. Dental Press Endod. 2012 July-Sept;2(3):61-6.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Milena del Carmen Pita Pardo

Endereço para correspondência:

Rua Silvio Marchione, 3-20 – Vila Universitária – Bauru/SP

CEP 17012-900 – E-mail: mpitap@unal.edu.co

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