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Análise cefalométrica para apneia do sono: estudo comparativo entre medidas padrão e de indivíduos brasileiros

Objetivo: verificar se os valores de referência da análise cefalométrica para apneia do sono, referentes a indivíduos norte-americanos, são semelhantes aos de indivíduos brasileiros não portadores de anomalias craniofaciais. Identificar, também por meio dessa análise cefalométrica, alterações craniofaciais em indivíduos portadores de síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) em relação a indivíduos sem características clínicas da doença.

Métodos: foram utilizadas 55 radiografias cefalométricas laterais advindas de arquivos, sendo 29 radiografias para o grupo controle, sendo composto de indivíduos adultos sem características clínicas de SAOS, e 26 de indivíduos adultos apneicos. Todas as radiografias foram submetidas à análise cefalométrica para apneia do sono por meio do software Radiocef Studio 2.0. Por meio do teste z, valores-padrão dessa análise foram comparados aos valores obtidos do grupo controle, e esses, por sua vez, foram comparados aos valores do grupo de apneicos por meio do teste t de Student.

Resultados: não houve diferenças significativas entre os valores obtidos do grupo controle e os valores-padrão. No grupo de indivíduos portadores de SAOS, observou-se diminuição nas dimensões das vias aéreas superiores e aumento do comprimento do palato mole.

Conclusões: os valores-padrão da análise de apneia do sono podem ser utilizados como referência em indivíduos brasileiros. Além disso, por meio da radiografia cefalométrica lateral foi possível identificar alterações craniofaciais em indivíduos portadores de SAOS.

Palavras-chave: Apneia do sono tipo obstrutiva. Estudo comparativo. Circunferência craniana.

 

 

INTRODUÇÃO

A cefalometria radiográfica é um elemento importante em pesquisas das alterações que ocorrem durante o crescimento e desenvolvimento craniofacial. Essa técnica transcendeu os limites da Odontologia e, atualmente, apresenta importância significativa em outras áreas, como em Otorrinolaringologia, na qual passou a ser solicitada para avaliação das vias aéreas superiores (VAS). Dentre suas mais recentes aplicações, destaca-se a utilização como recurso complementar para o diagnóstico da síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)25.

A SAOS consiste em repetidos eventos apneicos, resultantes do colapso total ou parcial da faringe durante o sono. Na etiologia dessa síndrome são identificados fatores predisponentes, tais como obesidade e alterações no padrão neuromuscular, além de alterações anatômicas esqueléticas e de tecidos moles24.

Muitos autores1,4,7,9,21 já discutiram sobre e validaram a radiografia cefalométrica lateral para avaliação das VAS. Apesar de consistir de um método de diagnóstico por imagem bidimensional, a radiografia cefalométrica lateral permite a realização de mensurações lineares e angulares essenciais para localização dos locais de obstrução da faringe17,18.

Simões24 avaliou, por meio de radiografias cefalométricas laterais, o espaço faringiano em indivíduos norte-americanos com oclusão normal, pertencentes a uma amostra da cidade de Ann Arbor. Esse trabalho gerou uma tabela com valores-padrão que é amplamente utilizada como referência em clínicas radiológicas e ortodônticas brasileiras. Encontra-se, inclusive, disponível em softwares destinados às análises cefalométricas computadorizadas. Porém, não foram encontrados estudos que validassem essa análise para utilização na população brasileira.

Em vista disso, o objetivo desse estudo é verificar se valores de referência da análise cefalométrica para apneia do sono referentes a indivíduos norte-americanos são semelhantes aos de indivíduos brasileiros não portadores de anomalias craniofaciais. E, ainda, identificar alterações craniofaciais em indivíduos portadores de SAOS em relação a indivíduos sem características clínicas da doença.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista, campus de São José dos Campos, da Faculdade de Odontologia, sob o protocolo n° 103/2007/2006-PH/CEP.

Seleção da amostra

Para realização desse trabalho foram selecionadas 55 radiografias cefalométricas laterais. Vinte e seis pertencem a indivíduos com diagnóstico de SAOS confirmado por meio de exame polissonográfico, sendo 18 indivíduos do sexo masculino, com idades entre 20 e 70 anos, e 8 do sexo feminino, na faixa etária de 30 a 57 anos. As radiografias foram obtidas em um mesmo centro de radiologia odontológica; da mesma forma, os exames polissonográficos foram realizados em uma mesma clínica especializada em distúrbios do sono.

Foram, ainda, utilizadas 29 radiografias de indivíduos não portadores de sintomas relativos à SAOS, sendo 11 indivíduos do sexo masculino, na faixa etária de 18 a 29 anos, e 18 do sexo feminino, com idades entre 19 e 35 anos.

Os critérios para inclusão das radiografias cefalométricas de indivíduos portadores de SAOS foram que esses possuíssem laudo de exame polissonográfico confirmando o diagnóstico de SAOS, realizado em clínica especializada e conforme o protocolo preconizado pela Sociedade Brasileira do Sono no “I Consenso em Ronco e Apnéia do sono”27, incluindo o valor do IAH, IMC, tempo total de sono e tempo de sono em cada estágio, frequência cardíaca média e saturação basal de oxihemoglobina (SaCO2).

Em relação ao grupo controle, os critérios foram existência de prontuário com informações completas sobre condições sistêmicas dos indivíduos, que não fossem sindrômicos, não roncassem, não fizessem uso de medicamentos que induzissem ao sono (hipnóticos ou neurolépticos), não terem sido submetidos a tratamentos cirúrgico ortognático, das vias aéreas superiores ou a tratamento ortodôntico prévio, não possuíssem problemas respiratórios ou neurológicos, não fossem obesos e que possuíssem perfil facial harmonioso e padrão esquelético Classe I.

Foram excluídas radiografias que apresentavam a imagem do palato mole em formato de “v” invertido, o que, segundo, McNamara Jr.19, indica que o indivíduo deglutiu no momento da aquisição da imagem, o que pode interferir nas mensurações relacionadas a essa estrutura.

 

Análise cefalométrica

As radiografias cefalométricas foram digitalizadas com resolução de 300dpi por meio do scanner de mesa Epson Perfection 4990 Photo (Epson America Inc., Long Beach, EUA), com leitor de transparência acoplado e com seu respectivo software, o SilverFast SE6. As imagens foram salvas no formato TIFF, sem compressão.

As análises cefalométricas foram realizadas por um único avaliador e de forma computadorizada por meio do programa Radiocef Studio 2.0 (Radiomemory, Belo Horizonte/MG).

Quanto ao padrão esquelético sagital para classificação dos indivíduos do grupo controle no presente estudo, foi utilizado o ângulo ANB. Apenas indivíduos com ANB entre 0 e 4° foram incluídos nesse grupo.

Para avaliação das VAS e das estruturas relacionadas, foi utilizada a análise de apneia do sono, que consta na lista de análises do programa utilizado e baseia-se nos trabalhos de Simões24 e de Pinto21. Essa análise cefalométrica consta de 28 pontos que formam 14 fatores (medidas lineares), ilustrados na Figura 1.

Imagem_Fig01

Análise estatística

Para avaliação do erro do método, as medidas foram obtidas duas vezes, com intervalo de 30 dias entre si. Os resultados das duas leituras foram comparados por meio da Análise de Regressão Linear simples e do teste t de Student, com nível de significância de 5% (α = 0,05).

A média de cada fator obtido no grupo controle foi comparada aos valores-padrão da análise para apneia do sono por meio do teste z. Posteriormente, para verificar se existem diferenças entre o grupo de indivíduos portadores de SAOS e o grupo controle foi utilizado o test t de Student com α = 0,05.

 

RESULTADOS

A média entre a primeira e a segunda leitura de cada medida foi empregada no cálculo dos fatores analisados.

Os resultados do teste z, utilizado para comparação das médias do grupo controle e dos valores-padrão da análise de apneia do sono24, são apresentados na Tabela 1 e na Figura 2, para o sexo feminino, e na Tabela 2 e Figura 3, para o sexo masculino.

Os valores de p das comparações e resultados do teste t de Student para os grupos estudados são apresentados nas Tabelas 3 e 4.

 

 

 

 

 

 

Discussão

Por meio dos resultados do presente estudo, observou-se que, apesar das evidentes diferenças físicas entre indivíduos brasileiros e norte-americanos, não houve diferença significativa nas dimensões cefalométricas relacionadas às VAS entre os indivíduos dessas duas nacionalidades, indicando a viabilidade da utilização da tabela de valores-padrão para SAOS na avaliação de indivíduos brasileiros.

Atualmente, o diagnóstico e o tratamento da SAOS dependem de uma equipe multidisciplinar de profissionais da saúde. Os cirurgiões-dentistas,  especialmente os ortodontista, os ortopedista funcional dos maxilares e os cirurgiões bucomaxilofaciais, possuem papel fundamental no diagnóstico dos locais onde ocorrem as obstruções das VAS, por meio de radiografias que fazem parte de suas rotinas de trabalho. Além disso, participam ativamente do tratamento dos indivíduos apneicos por meio de aparelhos intrabucais11,12,22 ou de cirurgias ortognáticas.

Diversos métodos de diagnóstico por imagem podem ser utilizados com a finalidade de avaliar as dimensões das VAS; porém, no presente estudo optamos por utilizar a radiografia cefalométrica lateral por considerarmos esse método mais acessível e amplamente solicitado, concordando com outros autores1,4,17,18.

A escolha da análise cefalométrica utilizada nesse estudo foi devida à sua ampla utilização em clínicas radiológicas e ortodônticas, e por englobar medidas em todas as regiões susceptíveis à obstrução.

Consideramos importante verificar se valores de referência para medidas craniofaciais baseadas em estudos com indivíduos americanos podem ser utilizados para indivíduos brasileiros, já que um estudo6 comparando indivíduos portadores de SAOS de duas etnias distintas encontrou diferenças significativas nas características craniofaciais associadas às VAS entre os grupos.

O estreitamento da nasofaringe observado nos indivíduos do sexo masculino portadores de SAOS (Tab. 3) foi um achado similar ao de outros autores1,4,17,21,23. Segundo alguns estudos5,19,21, o espaço faríngeo superior é uma das regiões mais susceptíveis ao colapso devido à frequente hipertrofia das tonsilas faríngeas. No presente estudo, as tonsilas não foram avaliadas separadamente, mas consideramos a dimensão dos tecidos moles na nasofaringe ao marcar o ponto posterior onde houvesse maior obstrução da passagem aérea, conforme McNamara Jr.19

King15 citou que o crescimento da face para frente e para baixo é influenciado pelo crescimento anterior da base do crânio e pelo crescimento posterior do osso occipital, ou pela associação de ambos, e que esse crescimento contribuirá para o aumento do diâmetro da faringe. Em indivíduos do sexo feminino portadores de SAOS, observamos diminuição da base do crânio e das dimensões em todas as regiões da faringe. Alguns autores3,2,8,26 citaram a diminuição da base do crânio como um dos achados cefalométricos característicos da SAOS.

O osso hioide se apresentou mais anteriorizado no sexo feminino no grupo de portadores de SAOS, e não apresentou diferença significativa no sexo masculino na presente pesquisa, o que foi semelhante aos achados de Tsai et al.27, que constataram que esse fator está associado à maior severidade da SAOS no sexo feminino.

Sabe-se que o osso hioide não tem comunicação óssea, mas está suspenso por uma rede de músculos e ligamentos. Portanto, sua posição é amplamente dependente das estruturas às quais se comunica por meio de ligamentos musculares — como a língua —, e também é influenciada pela postura do indivíduo8. Esse fato explica a importância de avaliar essa estrutura em indivíduos apneicos.

Battagel e L’Estrange4 afirmaram que as maiores alterações de dimensão das VAS em indivíduos portadores de SAOS ocorreram na orofaringe, concordando com Lowe et al.16, e foram relacionadas à diminuição do espaço posteropalatal mediano que, no presente trabalho, também apresentou-se diminuído no grupo de portadores de SAOS. Esse espaço possui íntima relação com as dimensões do palato mole, cujo comprimento aumentado esteve relacionado à presença de SAOS em várias pesquisas3,4,10,20,25,26, inclusive no presente estudo.

O espaço aéreo inferior encontrou-se significativamente diminuído no grupo de portadores de SAOS, concordando com Lyberg et al.17 Essa obstrução da hipofaringe relaciona-se à região epiglótica, sendo local de grande interesse para cirurgias ortognáticas13.

Na Figura 4 pode-se comparar radiografias cefalométricas laterais correspondentes ao grupo de portadores de SAOS e ao grupo controle, nas quais são observadas as alterações mais comuns das VAS e de estruturas relacionadas encontradas no grupo de portadores de SAOS em comparação ao grupo controle.

A hipótese de que fatores anatômicos, como os estudados no presente trabalho, estão envolvidos na etiologia da SAOS possui grande respaldo na literatura. Por isso, conhecer alterações anatômicas prevalentes em indivíduos apneicos é importante para que profissionais que trabalham diretamente com radiografia cefalométrica lateral possam identificar fatores de risco e encaminhar o paciente para médicos especialistas, também para que solicitem exames específicos — como polissonografia —, considerado o exame padrão-ouro para diagnóstico de SAOS. Isso contribuirá para o diagnóstico mais precoce da doença evitando, portanto, as graves sequelas a ela relacionadas.

CONCLUSÕES

» As medidas craniofaciais utilizadas como referência no diagnóstico da SAOS podem ser aplicadas a indivíduos brasileiros.

» Houve alterações craniofaciais significativas em indivíduos portadores de SAOS quando comparados aos indivíduos sem características clínicas dessa doença.

» Em apneicos do sexo masculino foram observadas diminuições dos espaços aéreos superior, médio, inferior e retropalatal, e aumento do comprimento do palato mole.

» Em apneicos do sexo feminino, foram observadas diminuições das dimensões em todas as regiões faríngeas avaliadas, da base anterior do crânio e do comprimento da maxila.

 

Como citar este artigo: Maschtakow PSL, Tanaka JLO, Rocha JC, Giannasi LC, Moraes MEL, Costa CB, Castilho JCM, Moraes LC. Cephalometric analysis for the diagnosis of sleep apnea: A comparative study between reference values and measurements obtained for Brazilian subjects. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):143-9.

Enviado em: 16 de novembro de 2009 – Revisado e aceito: 29 de dezembro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Patrícia Superbi Lemos Maschtakow

pat.lems@yahoo.com.br / rocha@fosjc.unesp.br

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