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Alterações sagitais dos incisivos inferiores pelo uso do arco lingual

Objetivo: avaliar a alteração sagital ocorrida nos incisivos inferiores com o uso do arco lingual no período de transição da dentição mista para a permanente.

Métodos: a amostra foi composta por 44 pacientes leucodermas (26 meninas e 18 meninos), divididos em dois grupos: (GC) grupo controle, no qual foi efetuado monitoramento do espaço da arcada inferior, sem tratamento ortodôntico/ortopédico no período avaliado (n = 14); (GE) grupo experimental, presença de suave apinhamento anteroinferior e instalação do arco lingual para manutenção do espaço (n = 30). A posição dos incisivos inferiores foi analisada em traçados cefalométricos computadorizados realizados ao início (T1) e ao final do acompanhamento, já na dentição permanente (T2). Para avaliar a posição dos incisivos foram utilizadas as medidas das análises cefalométricas de Tweed e de Steiner: IMPA, 1.NB e 1-NB. As alterações ocorridas foram analisadas pelo teste t para amostras pareadas, enquanto as diferenças entre os grupos foram avaliadas pelo teste t para amostras independentes, bem como para o dimorfismo sexual.

Resultados: os valores em T2 foram maiores em relação a T1 para todas as medidas no GE (IMPA, p = 0,038; 1.NB, p = 0,007; e 1-NB, p < 0,0001). Na comparação das diferenças (T2-T1) entre o GC e GE pôde-se aferir diferenças significativamente superiores para as medidas 1.NB (p = 0,002) e 1-NB (p < 0,0001) no GE. Não houve diferença significativamente estatística entre os sexos.

Conclusão: concluiu-se que os incisivos inferiores foram projetados após a utilização do arco lingual para o controle do espaço no período de transição da dentição mista para a permanente, porém a projeção esteve dentro dos padrões aceitáveis, não havendo diferença entre sexos.

Palavras-chave: Incisivo. Ortodontia. Circunferência craniana.

INTRODUÇÃO
Dewey3 atribuiu ao Dr. Lourie a origem do arco lingual no ano de 1904; contudo, Mershon14,15 foi o responsável pela popularização desse aparelho. Originalmente foi utilizado para produzir expansão na arcada inferior; mas, posteriormente, Nance16,17 descreveu a indicação do arco lingual para o tratamento na dentição mista, sugerindo sua utilização somente para a manutenção da distância entre os incisivos e os molares permanentes em casos específicos.
O arco lingual, como aparelho de aplicação passiva, semelhante ao preconizado por Nance16, é amplamente utilizado na clínica ortodôntica até os dias de hoje. Sua principal utilidade para o controle do perímetro da arcada inferior, mantendo a distância entre os primeiros molares permanentes e os incisivos inferiores após a perda dos molares decíduos. Também pode ser empregado como auxiliar na ancoragem intrabucal na dentição permanente, a partir da dentição mista. Esse tipo de aparelho se mostra eficaz na manutenção do perímetro da arcada inferior, impedindo o movimento para mesial dos molares e a inclinação lingual dos incisivos22.
A manutenção do perímetro no desenvolvimento da dentição tem importância fundamental, pois o aproveitamento do Leeway Space (Espaço Livre de Nance) para erupção dos pré-molares garante espaço para o correto alinhamento dos dentes inferiores em até 80% dos pacientes com apinhamento suave1,6,10,18. Caso não seja provido o espaço adequado para o alinhamento dos dentes permanentes, uma futura conduta menos conservadora poderá ser necessária quando o tratamento ortodôntico corretivo for realizado. Sendo assim, quando instalado no momento oportuno, o arco lingual poderá reduzir o número de futuras exodontias de pré-molares, de stripping na arcada inferior e de outros procedimentos adotados para a recuperação do espaço para o adequado alinhamento dos dentes na arcada6.
O conhecimento dos efeitos do arco lingual sobre esses dentes representa uma necessidade na prática ortodôntica, sendo esse um aparelho de ampla utilização clínica. O propósito do presente estudo foi avaliar as alterações sagitais ocorridas nos incisivos inferiores decorrentes da utilização do arco lingual no período de transição da dentição mista para a permanente.

MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo caso-controle foi composto por 44 pacientes leucodermas (26 do sexo feminino e 18 do masculino) que apresentavam necessidade de supervisão do espaço na dentição mista. O período de transição da dentição mista para a permanente foi monitorado de duas maneiras, por meio de dois grupos: (GC) grupo controle (n = 14), controle do espaço sem tratamento ortodôntico/ortopédico no período avaliado; (GE) grupo experimental (n = 30), presença de suave apinhamento anteroinferior e instalação do arco lingual, previamente à exfoliação do segundo molar decíduo, para manutenção do espaço (Fig. 1A).
O aparelho arco lingual foi confeccionado com fio de aço inoxidável de 0,9mm (Morelli, Sorocaba/SP), contornando o terço incisal da coroa dos incisivos inferiores e soldado à lingual das bandas dos primeiros molares permanentes inferiores. O aparelho foi fixado com cimento de ionômero de vidro (3M/Unitek, EUA) em todos os pacientes do grupo experimental (Fig. 1B).
Nos indivíduos do GC foram realizadas tomadas radiográficas em norma lateral em dois tempos, com média de idade de 9,7 ± 1,6 anos em T1, e de 11,6 ± 1,3 anos em T2. Nos pacientes do GE foram igualmente realizadas duas tomadas radiográficas, sendo obtida em T1 com média de idade de 9,3 ± 1,1 anos, e em T2 com média de idade de 11,9 ± 1,1 anos.

 

 

Traçados cefalométricos computadorizados (Fig. 2) foram obtidos por meio do software Ortoview 2.5, sendo analisados ao início do acompanhamento (T1) e ao final, após a erupção de caninos e pré-molares permanentes (T2), ainda com o arco lingual instalado. Para avaliar as alterações sagitais do incisivo, foram utilizadas medidas das análises cefalométricas de Tweed22,23,24 edeSteiner20:

» IMPA: ângulo formado entre o longo eixo do incisivo inferior e a base da mandíbula (linha que une os pontos Me e a porção mais inferior na região posterior da base da mandíbula) — análise de Tweed.

» 1.NB: ângulo formado entre o longo eixo do incisivo inferior e a linha NB — análise de Steiner.

» 1-NB: distância linear (em milímetros) entre a porção mais proeminente da coroa do incisivo inferior e a linha NB — análise de Steiner.

Inicialmente, foi realizado o estudo do erro. As mensurações foram repetidas pelo mesmo operador e comparadas por meio do teste t de Student para amostras pareadas. Não houve diferença significativa entre os valores da primeira e da segunda medição para as medidas avaliadas (p > 0,05). Os dados foram, então, coletados e analisados estatisticamente, comparando T1 e T2, avaliando a diferença entre os sexos e a diferença entre os dois grupos.

Os dados foram agrupados em tabelas e gráficos, contendo valores médios e desvios-padrão para os tempos T1 e T2. Para a comparação entre tempos, foi utilizado o teste t de Student para dados pareados. Para avaliar a diferença entre os sexos e comparação entre os grupos experimental e controle foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes.

Os resultados foram considerados significativos a um nível máximo de significância de 5%. Para a verificação da normalidade dos dados, foi utilizado o teste não-paramétrico de Kolmogorov-Smirnov, com o qual concluiu-se que houve distribuição normal.

 

RESULTADOS

Os resultados obtidos revelaram diferenças significativas entre os tempos T1 e T2 em relação à posição dos incisivos inferiores para o grupo experimental. Nesse grupo, observou-se valores aumentados em T2 para a medida linear 1-NB (p = 0,000), bem como para as medidas angulares 1.NB (p = 0,007) e IMPA (p = 0,038) (Tab. 1). Os dados demonstram a projeção ocorrida nos incisivos inferiores com a utilização do arco lingual passivo. No GE, em T2, mais de 40% dos pacientes apresentaram variação normal para a medida angular IMPA, e 85% não ultrapassou o valor de 100° (Gráf. 1). No grupo controle (GC) não houve diferença significativa entre T1 e T2 para nenhuma das medidas avaliadas (Tab. 1). Na comparação das diferenças (T2-T1) entre o GC e o GE, pôde-se aferir diferença significativamente superior para GE para as medidas 1.NB (p = 0,002) e 1-NB (p = 0,000) (Tab. 1). Não houve diferença significativa entre os sexos para as medidas avaliadas (Tab. 2, 3).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O comprimento da arcada e de seu perímetro são reduzidos na transição da dentição mista para a dentição permanente, em especial a arcada inferior. Essa diminuição no perímetro da arcada se deve, basicamente, ao fato de ocorrer uma migração para mesial do primeiro molar permanente após a perda do segundo molar decíduo7. O arco lingual mostra-se eficaz na manutenção do perímetro da arcada inferior, impedindo o movimento para mesial dos molares e a linguoversão dos incisivos, fato que pode ser associado à redução do apinhamento inferior2,25. Ele permite que os incisivos inferiores assumam uma posição adequada pela musculatura peribucal e pelas forças funcionais intrabucais. Singer19 observou inclinação para distal do molar inferior, tendência (não significativa) de projeção dos incisivos e uma maior tendência dos incisivos e dos molares apresentarem menor desenvolvimento vertical em pacientes tratados com arco lingual.

Alterações morfológicas na região da sínfise mentoniana, decorrentes do crescimento, acarretam modificações na posição dos incisivos inferiores. O conhecimento dessas alterações tem grande importância clínica, sendo dado fundamental no planejamento ortodôntico8,11. Segundo Enlow5, no que diz respeito aos incisivos inferiores, ocorre remodelamento fisiológico na região alveolar, ocasionando uma inclinação para lingual. A arcada dentária inferior é referenciada como um dos principais elementos para o diagnóstico e para a terapia ortodôntica. As posições dentárias serão estabelecidas, basicamente, pela configuração óssea, ou seja, os dentes deverão ser alinhados sobre o rebordo alveolar21.

Tweed22, por meio de seus estudos, sugeriu a inclinação de 90° dos incisivos inferiores em relação ao bordo mandibular, com variação de 5° para mais ou para menos, criando o IMPA — primeiro ângulo do que viria a ser o Triângulo de Diagnóstico Facial. Posteriormente, o mesmo autor encontrou a norma de 87° para medida angular IMPA, com variação de 76 a 99° na amostra estudada23,24. No grupo experimental (em T2), em relação a esse ângulo, mais de 40% dos pacientes estão dentro da variação normal, e 85% não ultrapassam os 100° (Gráf. 1). Esses valores são considerados adequados para o padrão de normalidade aceitável, sendo o valor mínimo encontrado de 82,5° e o máximo de 106°.

Steiner20 sugeriu valores médios angulares e lineares para a posição dos incisivos inferiores em relação à linha NB que são considerados padrão, sendo de 25° para 1.NB e de 4mm para 1-NB. No presente estudo, em T2, para a medida angular 1.NB, o valor mínimo encontrado foi de 18,8° e o máximo de 36,6°. Para a medida linear 1-NB, os valores foram de 3,6mm e de 11,3mm, sendo mínimo e máximo, respectivamente. Todavia, valores convencionalmente adotados como representativos de normalidade nem sempre podem ser empregados indistintamente, tendo em vista que alterações decorrentes do crescimento e do desenvolvimento craniofacial são próprias de organismos distintos11.

O crescimento mandibular normal tende a aumentar o SNB, com maior avanço atribuído ao ponto B, já que o ponto N não avança com mesma intensidade, alterando a relação geométrica da linha NB com o longo eixo do incisivo inferior, com redução artificial de 1.NB e de 1-NB. Assim, o IMPA apresenta valor mais confiável para a análise da posição do incisivo inferior, já que sofre menor influência do crescimento mandibular.

 

 

 

Objetivando determinar de maneira precisa a inclinação dos incisivos inferiores, as medidas 1.NB, 1-NB e IMPA foram utilizadas como referência nesse trabalho.

As alterações no ponto B ocorrem suavemente dos 6 aos 10 anos idade, e de forma mais marcada dos 10 aos 15 anos, concomitantemente à inclinação lingual dos incisivos8. Em concordância com o estudo anterior, Watanabe et al.26 também verificaram uma inclinação lingual dos incisivos mandibulares entre os 8 e 15 anos de idade. Portanto, durante a puberdade os incisivos inferiores tendem a mover-se lingualmente, caso nada impeça esse movimento. Se a inclinação lingual não ocorre, isso pode ser atribuído ao apinhamento na região anterior. Segundo os resultados encontrados no presente estudo, o uso do arco lingual impediu a tendência de inclinação lingual que foi relatada nos estudos anteriores, sendo constatada certa projeção dos incisivos inferiores.

A projeção dos incisivos inferiores, verificada no presente estudo, pode ser considerada clinicamente vantajosa, atentando-se para o fato de poder minimizar ou até mesmo de eliminar a necessidade de futuras exodontias ou de stripping durante os tratamentos corretivos em casos de pequenas discrepâncias negativas na dentição mista, sendo dependente da interpretação cefalométrica e facial, da queixa do paciente e do que é biologicamente aceitável para cada indivíduo. Essa projeção pode ser utilizada, facilitando a biomecânica ortodôntica com ganho de espaço27. A intervenção ortodôntica na dentição mista promoveria menores chances de desenvolvimento de problemas oclusais futuros9.

Além da manutenção do Leeway Space, com a utilização do arco lingual é possível recuperar espaços de até 2mm de discrepância negativa, eliminando o apinhamento na transição da dentição mista para permanente10. Dugoni et al.4 verificaram que com o uso do arco lingual o alinhamento dos incisivos inferiores foi clinicamente aceitável em 76% dos casos no período pós-contenção. Segundo os mesmos autores, o aproveitamento do Leeway Space para a dissolução do apinhamento pode trazer melhor estabilidade em longo prazo4.

Os métodos usualmente adotados para calcular a discrepância na análise da dentição mista podem superestimar os valores obtidos. Sugere-se, portanto, a utilização de métodos de predição do tamanho dos dentes permanentes que tenham um coeficiente de explicação (R2) mais próximo de 1. Para tal, a utilização de telerradiografia oblíqua de 45° é uma opção com bom grau de acurácia12,13.

Rebellato et al.18 relatam ter ocorrido uma leve projeção dos incisivos inferiores, encontrando um valor médio de aumento no IMPA de 0,73°, tendo avaliado 14 pacientes, com idade média de 11,5 anos, que usaram somente o arco lingual passivo nesse período do tratamento, e utilizando o método de superposição dos traçados cefalométricos para a comparação pré e pós-tratamento. Já Villalobos et al.25 relataram que o incisivo inferior apresentou uma discreta retroinclinação média de 0,52° com a utilização do arco lingual, por meio do mesmo método de superposição dos traçados cefalométricos. Apesar da diferença de método no que diz respeito à comparação entre a posição inicial e final dos incisivos inferiores, no presente estudo foi encontrada uma projeção média de 1,9° para IMPA. A opção de utilizar traçados cefalométricos computadorizados com medidas angulares e lineares foi baseada na padronização da técnica, permitindo avaliações longitudinais do mesmo indivíduo com bom grau de confiança.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que os incisivos inferiores foram projetados após a utilização do arco lingual para controle de espaço no período de transição da dentição mista para permanente, porém dentro de padrões aceitáveis, não havendo diferença estatística entre os sexos para as medida avaliadas.

 

 

 

 

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