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Alberto Consolaro: “Dentes decíduos, apoptose e as estações”

Por: Alberto Consolaro

Um frio ameno e gostoso com ventos uivantes pelas frestas de janelas e portas, anunciam a noite. O sol preguiçoso, ameaça esquentar e, mais amarelo, destaca as sombras que embeleza tudo. Nas ruas, os ipês amarelos insistem em florir, quase a resistir e a persistir. Os ipês brancos e rosados já se foram, junto com o frio cortante que já se despediu.

Apesar da raridade de flores azuis, os jacarandás estão soltos nas praças e ruas. Explícitos demais são os tapetes urbanos e amarelos embaixo das copas frondosas das sibipirunas. Mesmo assim, muitos nem reparam, como autômatos e calculistas, precisam cumprir o apertar dos parafusos e botões em seu trabalho tal como mostrou Chaplin. Os entediados reclamam das flores caídas levadas pelas suas vassouras gastas e ralos entupidos. Talvez estejam cansados e tristes de viver.

De galhos retorcidos e secos, os flamboyants estão rachando suas vagens antigas a soltar sementes, mas já florescem com o alaranjado de suas orquidáceas e sensuais pétalas. Veja bem de perto suas flores, pendões e botões, são sensuais!

No virar da esquina, me deparo com os cachos e lustres amarelos de acácias que resistem teimosamente ao vento. Só faltam tilintar como cristais a cada balanço da brisa. Que é isso! Falta nada, eu escuto-os na minha imaginação! Os cachos floridos são verdadeiros mensageiros do vento nas varandas e alpendres a chacoalharem e tilintarem para acalmar os espíritos humanos ansiosos e cansados no final do dia!

As buganvílias ou primaveras não se fazem rogadas e exibem o vermelho rutilante que nos deixam calados e perplexos pela abundância e vivacidade de tons. Para alguns, uma flor é nada mais do que uma flor! Para outros uma orquídea é arte virginal e natural em suas formas sugestivas e sensuais. Por minha vez, vejo poesia em tudo.

Ipês, flamboyants, jacarandás, acácias e buganvílias derramem e soltem suas flores por mim e pelos que amam, sem pensar que isto seja inconsequente! Aos chatos de medo, precavidos sem sabores lúdicos e aos que reclamam de tudo todos os dias, livrem-se das algemas do bom senso aprendam com as árvores e flores: sejam explícitos, exuberantes, intensos e desprendidos, afinal a vida é temporária!

RIZÓLISE
Em plena atividade na pós-graduação em Odontopediatria e Ortodontia da Usp em Ribeirão Preto, falar dos dentes decíduos e seus mecanismos moleculares e celulares, me toca como versos os mecanismos para que sejam exfoliados e substituídos pelos permanentes.

Quando completam a sua formação, as células de cada dente decíduo libera o gene da morte celular programada geneticamente. Toda célula tem seu tempo de vida programado. Liberando o gene p53, estas células desencadeiam vias bioquímicos para dissolver o seu esqueleto proteico, assumindo um aspecto de maracujá secando na fruteira, para logo depois soltarem fragmentos bem embalados por membranas a serem fagocitados pelas células vizinhas de forma silenciosa, sem inflamação.

Do grego, despetalar ou desfolhar dá origem à palavra apoptose que significa morte celular geneticamente programada e silenciosa. As células do dente como cementoblastos, odontoblastos e os restos epiteliais de Malassez morrem fisiologicamente por apoptose e desnudam as raízes decíduas. Isto atrai os osteoclastos para que reabsorvam e sorvam a intimidade da dentina.

REFLEXÃO FINAL
Células e dentes decíduos se esfoliam, se perdem em um espetáculo esvoaçante no espaço do céu da boca imaginário, tal como as pétalas e folhas caindo macias e hesitantes no chão. Isto sugere uma celebração da vida, um momento de recriação e reformatação do corpo infantil, e por que não talvez, um renascer de esperança e paz com os novos dentes permanentes. A exfoliação dos dentes decíduos lembra o outono, já a erupção dos permanentes, me parece imitar a primavera!

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