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É incrível: eles nunca têm câncer! – por Alberto Consolaro

Alberto Consolaro

Alberto Consolaro

Livre docente e Professor Titular de Patologia na Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP)

Os dentes humanos tem uma cavidade interna com tecido mole igual a derme que se chama “polpa dentária” e antigamente chamada de “nervo do dente”. O espaço que ocupa na raiz ainda é conhecido como canal. Quando por algum motivo, a polpa morre, este espaço deve ser limpo e preenchido, pois o organismo tem horror a espaço vazio. Este conjunto de procedimentos é referido como tratamento do canal ou endodôntico.

A polpa dentária tem muitos tipos de células, muitas jovens e outras velhas, além de ter muitos vasos sanguíneos. Todos os dias a polpa produz dentina para espessar as paredes, deixando os dentes mais fortes fisicamente e mais amarelados nos mais velhos. Este “conjunto” de células, vasos e nervos estão imersos em um gel macio conhecido como matriz extracelular: é o “tecido conjuntivo” da polpa.

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Tecidos com células semelhantes da polpa estão ao redor da raiz conhecidos como periodonto, incluindo-se a gengiva. Todos eles podem dar origem com frequência a neoplasias benignas e malignas. São proliferações celulares descontroladas que formam tumores que prejudicam os tecidos vizinhos por compressão ou invasão. Quando invadem os tecidos vizinhos e se espalham pelo corpo são malignas e chamadas de câncer. São dezenas e dezenas de tipos diferentes e cada um recebe um nome próprio como sarcomas, carcinomas, linfomas e outros.

Somos 10 trilhões de células organizados em 206 tipos diferentes. Todas podem dar origem a câncer, menos as células da polpa dentária. Seria pelo fato de estar dentro de uma cavidade pequena, mas outros tecidos em situações semelhantes dão origem a neoplasias. A polpa nem dá origem a benignos sequer! Deve existir alguma coisa na sua composição que bloqueia a origem de células atípicas e cancerosas, mas ninguém sabe ou pesquisa isto! Talvez estes estudos revelem um produto ou gene que possamos usar para evitar o aparecimento do câncer. Seria fantástico!

Muitos profissionais da saúde, incluindo dentistas e oncologistas, talvez nem saibam disto! Se isto fosse de conhecimento geral, já estariam pesquisando porque a polpa não tem câncer! E mais: nem o câncer de outras partes do corpo chegam na polpa, ela não mostra nem invasão de células cancerosas, mesmo nas fases avançadas e finais.

Sem câncer

Olhem que interessante: existe um animal que nunca tem câncer e isto pode ajudar o homem a prevenir ou curar. Na África um roedor conhecido como rato-toupeira-pelado, ou Heterocephalus glaber, passa a vida inteira de 30 anos em tocas subterrâneas irregulares e escuras, enquanto os outros ratos vivem dez vezes menos. Nos últimos anos, pesquisadores da Universidade de Rochester e de Haifa atribuíram esta imunidade do rato-toupeira-pelado ao câncer à produção pelas células de um açúcar em gel conhecido como ácido hialurânico ou hialurano de alto peso molecular (HMM-HA).

Heterocephalus glaber ou rato-toupeira-pelado (Foto: Reprodução)

O ácido hialurônico nos líquidos das articulações humanas atuam como lubricante e os ortopedistas com frequência injetam-no quando pacientes apresentam artrites e artroses. Na pele, entre as células ele oferece maciez aos tecidos, o que faz dermatologistas injetarem no tratamento antirrugas.

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Este super-açúcar hialurano HMM-HA em gel impede que as células  nos tecidos se agrupem e formem tumores no rato toupeira-pelado, pois tem sua molécula muito maior que a nossa e está em uma quantidade muito maior do que qualquer outro mamífero. A enzima HAS2 que controla sua produção apresenta uma pequena diferença de dois aminoácidos na molécula. A simples remoção do hialurano HMM-HA dos ratos-toupeira os tornaram suscetíveis a tumores como qualquer outro rato.

E tem mais: quando injetaram células cancerígenas de outros roedores e humanas, em duas semanas desenvolveram a doença, mas em seis meses os ratos-toupeiras-pelados não apresentavam mais o problema. As células cancerosas estavam lá, mas pararam de proliferar.

Se mudássemos a composição da enzima HAS2 em humanos, o ácido hialurônico seria produzido em maior quantidade e poderíamos ficar livres do câncer ou reduzir muito a sua frequência! Que tal compreender a natureza para aprendermos as soluções que ela apresenta para resolver os problemas! Isto é sabedoria!

Observatório

E mais! 1 – O hialurano HMM-HA quando são maiores no gel da matriz extracelular são ligeiramente mais flexíveis e se encharcam de moléculas de água. Isto faz a pele do rato-toupeira-pelado ser solta e elástica para se mover em apertados túneis subterrâneos das tocas sem se machucar ao esfregar nas pedras, raízes e paredes. Talvez este ácido hialurônico foi uma adaptação à vida subterrânea e a ausência do câncer, “apenas” um bônus.

E mais! 2 – O rato toupeira-pelado tem resistência à dor. Sentir dor é importante para sobrevivência, pois quando encostamos no fogo, a dor avisa que há algo errado. A explicação pode ser o local subterrâneo onde vivem com níveis baixos de oxigênio e altas concentrações de amônia e dióxido de carbono que “desligariam os nervos”. As dores pós-cirúrgicas poderiam ser evitadas se imitássemos o mecanismo desses ratos!

* Publicado originalmente no Jornal da Cidade de Bauru. 

Gostou desta coluna? O professor Dr. Alberto Consolaro escreve para todas as revistas Dental Press. Conheça nossas publicações, disponíveis na versão impressa e digital –> assine aqui. Ele também é autor dos livros “Inflamação e Reparo”, “Reabsorções Dentárias nas Especialidades Clínicas”, “O Ser Professor”, “Controvérsias na Ortodontia” e “Queremos saber”, e professor dos cursos de Excelência Dental Press (saiba mais aqui).  

 

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