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Agora, é infração ética!

 

Beatriz Helena Sottile FRANÇA

Doutora em Odontologia Legal e Deontologia, FOP/UNICAMP. Professora Titular de Graduação e Pós-graduação, PUCPR. Professora Adjunta, UFPR.

 

 

Desde a promulgação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078, de 11/09/90), ou seja, há mais de vinte anos, os doutrinadores da Odontologia Legal vêm orientando os cirurgiões-dentistas em como redigir os documentos clínicos durante o atendimento de seus pacientes. Desde essa época, todas as orientações foram advindas de suas reflexões acerca das determinações do CDC. Ora, se a lei diz que é direito do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes serviços” (Art. 6º) e que “a oferta sobre diferentes serviços deve assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas…” (Art. 30°), entende-se que cabe ao profissional redigir um documento onde se encontrem essas informações, com linguagem acessível ao máximo, para que sejam compreendidas, atendendo, desse modo, o que a lei preconiza. Mas sempre nos pareceu que essas orientações não convenciam a maioria dos profissionais porque, até os dias de hoje (e tenho certeza de que não se trata de desinformação), os profissionais continuam negligenciando o que diz respeito ao tema. Sempre tivemos, também, a impressão de que, para a maioria dos profissionais, o CDC trata-se de legislação distante do exercício da Odontologia. Ao darmos as orientações, sempre tivemos que nos esforçar para convencer os ouvintes, porque a eles parecia que estávamos extrapolando nos cuidados com a documentação clínica odontológica. Isso é tão verdade que em momento anterior já havia me reportado aos comentários de que as orientações eram entendidas como “muito acadêmicas”, ou “muito detalhistas” e “muito legalistas”. Dava-nos a sensação de que havia para os profissionais a necessidade de uma norma própria de órgão oficial da Odontologia para convencê-los. E já não foi sem tempo que o novo Código de Ética Odontológica (CEO), que entrou em vigência no primeiro dia desse ano, tratando do assunto, trouxe em seu contexto uma série de artigos em diferentes capítulos que protegem o cirurgião-dentista; e um, em especial, sobre documentos clínicos, considerando o seu descumprimento uma infração ética, passível de representação junto aos conselhos regionais da classe. Entre todas as orientações do CEO, vou me ater apenas ao que preconiza o Artigo 17, que dispõe: “É obrigatória a elaboração e a manutenção de forma legível e atualizada de prontuário e a sua conservação em arquivo próprio, seja de forma física ou digital”. Observem que a elaboração do prontuário, nesse artigo, “é obrigatória”, não esquecendo que se trata, também, de dever fundamental dos cirurgiões-dentistas no Artigo 9º § X, do mesmo código. Além disso, a obrigatoriedade é de que seja redigido de forma legível, isso para que não haja interpretações errôneas. Desse modo, é de bom senso evitar as abreviações ou, se possível, que essas sejam acompanhadas de uma legenda.

No parágrafo único do Artigo 17, lê-se: “Os profissionais da Odontologia deverão manter no prontuário os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido a cada avaliação e em ordem cronológica, com data, hora, nome, assinatura e número de registro do cirurgião-dentista no Conselho Regional de Odontologia”. Essas determinações preservam o profissional; entendamos: “ordem cronológica com data, hora…”; isso permite, em caso de discussão sobre a atuação do profissional, determinar se essa foi anterior ou ulterior a qualquer procedimento que outro profissional tenha realizado no mesmo paciente, possibilitando a realização do nexo causal, que é a relação existente entre o ato praticado e o dano resultante, fator necessário para a configuração da responsabilização do profissional. Provado que o ato odontológico praticado não foi o que resultou em dano para o paciente, estará excluída sua responsabilidade.

O dever referente a “… nome, assinatura e número de registro do cirurgião-dentista no Conselho Regional de Odontologia” pode, à primeira vista, parecer exagero, mas, se lembrarmos que cada vez mais a Odontologia de grupo vem imperando na forma de exercer a profissão — porque permite baratear os custos, com sua divisão entre os profissionais, e que esse exercício leva diferentes profissionais de diferentes especialidades a atenderem o mesmo paciente —, então esse dever se torna relevante na proteção desses profissionais quanto à responsabilidade de cada um. A colocação do “… número de registro no Conselho Regional de Odontologia não é sem razão; se presta ao fato de termos profissionais homônimos, além do que, hoje, é muito comum o paciente ser atendido por profissionais de outras jurisdições (estados brasileiros) ao mesmo tempo.

Voltando ao Artigo 9º § X, do capítulo III — DOS DEVERES FUNDAMENTAIS: “elaborar e manter atualizados os prontuários na forma das normas em vigor (o grifo é meu), incluindo os prontuários digitais”, vem pôr um ponto final nas dúvidas daqueles que ainda se encontravam recalcitrantes em atender o preconizado pela lei, e que há muito vem sendo orientado.

Desde 1º de janeiro de 2013, cabe aos conselhos regionais de toda a jurisdição representação sobre a negligência em relação à documentação clínica. Mais que isso, os advogados também estão atentos a essas novas determinações.

Em tempo: observe a redação “… incluindo os prontuários digitais”. Isso reforça a orientação sobre a validade desses documentos como prova no judiciário.

 

 

Como citar essa seção:

França BHS. Agora, é infração ética! Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 abr-maio;12(2):22-3.

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