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Afinal, o que podemos esperar do sistema Invisalign?

Introdução

Em meados de 2003, ainda na especialização, fui apresentado a um novo sistema de alinhadores termoplásticos, denominado Invisalign. Na época, era uma novidade que prometia poucos resultados, basicamente o tratamento de pequenas recidivas, apinhamentos e diastemas muito sutis. Confesso que, na ocasião, os alinhadores não chamaram muito a minha atenção, mas também fui apresentado a um setup virtual denominado ClinCheck. Isso sim despertou meu interesse, como uma ferramenta muito interessante. Na época eu fazia setup de todos os casos, o que segui fazendo durante os anos que viriam mesmo após o término do curso de especialização na Universidade Federal Fluminense. Entendo essas simulações de modelo como um complemento para o bom planejamento do caso. Elas permitem ao profissional testar seus planos de tratamento e auxiliam na compreensão dos pacientes acerca da terapia proposta. Havia muita resistência ao Invisalign em 2003, um ceticismo saudável, mas sabia que esse era o caminho a ser seguido, e no ano seguinte fiz meu credenciamento nesse sistema. Depois de 12 anos da chegada desse sistema ao Brasil, muita coisa mudou; hoje existe um número grande de publicações, clubes de estudos promovidos pela Align Technology do Brasil e até mesmo grupos de estudo privados, como o Premier Smile. Entretanto, sendo algo ainda recente na Ortodontia, muitas dúvidas existem sobre qual a real possibilidade de inserção desse sistema como opção de tratamento de nossos pacientes.

O interesse dos adultos pelo tratamento ortodôntico aumentou a demanda por técnicas que não comprometam a estética desses pacientes. Entre as alternativas desenvolvidas, encontram-se os braquetes estéticos, os braquetes linguais e alinhadores termoplásticos. A ideia de um alinhador removível não é nova, tendo sido proposta por Kesling, em 1945, sob a forma de posicionadores dentários de borracha confeccionados a partir de um setup montado com os dentes dos modelos de gesso das arcadas dentárias do paciente. Como todos os dentes eram bandados, o posicionador servia para diminuir os espaços interdentários após a remoção dos anéis. Posteriormente, o autor sugeriu uma sequência de posicionadores baseados em setups, realizados em cada etapa do tratamento. Com o advento da computação, todo o processo se tornou mais prático. O sistema Invisalign utiliza um software que permite a elaboração não só de um setup, mas também de uma sequência de movimentação dentária, necessária para a obtenção da correção dentária.

É crucial, para o sucesso do tratamento com este sistema, uma cuidadosa escolha do caso. Essa seleção implica não apenas em conhecer melhor os limites previsíveis de movimentação dentárias com uso de alinhadores, mas também respeitar a curva de aprendizado e a experiência do profissional. Sutis alterações na simulação do plano de tratamento virtual podem definir o sucesso ou não com o uso de alinhadores.

O processo se inicia com o ortodontista enviando eletronicamente o planejamento do caso e os exames digitalizados por meio de sua página na internet no site da Invisalign. As moldagens são enviadas pelo correio, sendo digitalizadas por meio de um tomógrafo para a criação de um modelo virtual. Os dentes são separados em unidades geométricas individuais, etapa, essa, denominada cutting process. É realizada uma simulação do final do tratamento, baseada nas orientações do ortodontista (final setup), e se inicia a elaboração de uma sequência de movimentação das unidades dentárias, de modo que se possa atingir a simulação final desejada (staging process). Essa simulação é denominada ClinCheck, e é encaminhada eletronicamente ao ortodontista, que pode sugerir ou não alterações. Uma das grandes vantagens é proporcionar ao ortodontista não apenas um setup virtual, mas uma visualização de todas as etapas do tratamento, podendo revisar e comparar diferentes planejamentos de um mesmo paciente (Fig. 1). Uma vez aprovado o plano de tratamento, essa informação virtual é materializada por meio de uma máquina de prototipagem por estereolitografia, originando uma série de modelos de resina análogos a cada etapa da movimentação dentária. Eles, por sua vez, são utilizados como base para confeccionar os alinhadores.

O ortodontista recebe um kit com alinhadores, que são trocados à medida em que os dentes se movem (Fig. 2). As trocas são realizadas a cada duas semanas, podendo estender-se em caso de adaptação deficiente do novo alinhador, que ocorre normalmente devido ao pouco uso do aparelho. Os alinhadores devem ser utilizados durante 20 a 23 horas diárias e removidos apenas para comer, beber e escovar os dentes. Não se deve fumar ou ingerir líquidos quentes, pois a alta temperatura remove a ativação do material por ser termoplástico. A conclusão da sequência inicial não significa, necessariamente, o final do tratamento com o melhor resultado. Em alguns casos, há necessidade de ajustes que podem ser feitos com alicates de detalhamento, novas moldagens para refinamento do caso, ou mesmo a finalização com aparelhos fixos.

Os alinhadores sofrem com a ação do meio bucal, apresentando abrasão das pontas de cúspides, absorção de pigmentos, calcificação do biofilme dentário sobre a superfície e menor flexibilidade, sem, contudo, prejuízo do tratamento (Fig. 3). Essa deterioração leva a outra preocupação, que surge decorrente da inserção de novos materiais na prática ortodôntica: ocorrerá liberação de substâncias nocivas ao organismo? Estudos recentes, porém, indicam que esses materiais não apresentam citotoxidade, sendo biocompatíveis.

O sistema Invisalign possui como vantagens, além da estética e do conforto, a possibilidade de uma melhor higiene bucal, ausência de restrições alimentares e um menor risco de descalcificação, cáries, gengivites e doença periodontal, que são problemas comuns com o uso de aparelhos fixos convencionais.

Eventualmente, pode ser necessária a utilização de attachments, confeccionados em resina fotopolimerizável diretamente sobre os dentes, com o objetivo de aumentar a retenção dos alinhadores e facilitar determinados tipos de movimentos (ex: rotação e intrusão). O ortodontista prepara a superfície do dente para a colagem e utiliza um template para moldar o attachment de resina. A forma, posição e momento para a confecção dessas retenções varia de acordo com o tipo de movimento a ser realizado e são definidos quando da elaboração do ClinCheck. Recomenda-se o uso de resina com carga para manter o formato original, diminuindo o desgaste decorrente da inserção e remoção dos alinhadores. Atualmente, são utilizados attachments otimizados, projetados para liberar um sistema de força personalizado para cada dente, usando como referência a largura, longo eixo e contorno do dente (Fig. 4). Isso permite um melhor controle de rotação e inclinação de raiz, sendo que esses podem estar associados a um ponto de pressão, que auxilia em movimentos de dentes que, eventualmente, apresentam pouca retenção, como pré-molares e incisivos laterais superiores.

Pacientes em fase final de dentição mista podem fazer uso desse tipo de sistema. Trata-se da versão Invisalign Teen, que apresenta casulos para permitir a erupção de dentes (ex: caninos e segundos molares). Outra característica interessante é a presença de botões azuis que perdem a cor em contato com o meio bucal. Apesar de não ser um método muito preciso, é de muita ajuda no controle da colaboração dos pacientes.

Uma das limitações desse sistema é o controle de torque, em especial dos dentes posteriores. Um artifício utilizado com o objetivo de melhorar o controle de torque anterior são os Power Ridges. Esses consistem em ranhuras nos alinhadores para auxiliar no controle da raiz em movimentos a partir de 3° de torque lingual (Fig. 5), com a movimentação ocorrendo na intensidade de apenas 1° por troca de alinhador.

 

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Elásticos intermaxilares também podem ser associados aos alinhadores para corrigir discrepâncias entre as arcadas dentárias no sentido anteroposterior, ou simplesmente para controle de ancoragem. Esses podem ser utilizados desde o início do tratamento até a obtenção da relação dentária desejada, não necessitando, portanto, de um nivelamento prévio da dentição como em Ortodontia fixa convencional. As simulações do ClinCheck são planejadas de modo a estimar a quantidade de movimentação que pode ser obtida com o auxílio dos elásticos. No computador, essa simulação pode ser realizada em um único movimento anteroposterior ao final do tratamento, ou por meio de um movimento sequencial dos dentes até a coordenação final das arcadas dentárias. Os elásticos podem ser apoiados em botões colados nos dentes ou no aparelho, recortes confeccionados pelo ortodontista, ou solicitados durante a fase de ClinCheck, denominados Precision Cuts (Fig. 6).

 

 

Outra característica dessa modalidade de tratamento é a possibilidade de definir com maior precisão a intensidade e localização dos desgastes interproximais, que por sua vez podem ser mensurados diretamente na boca do paciente por meio de calibradores (Fig. 7).

 

 

 

 

 

Existem evidências da possibilidade de tratamento de diferentes tipos de más oclusões, entretanto, deve-se estar atento aos movimentos passíveis de serem realizados com esse sistema. A própria simulação virtual oferece uma avaliação do movimento dentário que indica os movimentos previsíveis com esse tipo de aparelho, mas a aprovação do caso depende do planejamento do ortodontista. Uma recidiva onde exista apenas um pequeno apinhamento inferior ou diastemas é facilmente solucionada com esse tipo de aparelho (Fig. 8). Casos com discrepância de perímetro de arco até 6mm podem ser solucionados com pequenas expansões de até 2mm, desgastes interproximais e, eventualmente, projeções dentárias (Fig. 9). Em situações com boa intercuspidação posterior, onde se desejar manter a posição de determinados dentes, pode-se solicitar, inclusive, a movimentação de apenas alguns elementos enquanto os demais são alinhados (Fig.10).

No tratamento de discrepâncias anteroposteriores, pode-se considerar a melhora da relação dos caninos, mantendo os molares em posição. Nesses casos, a retração do canino é feita com o uso de desgastes interproximais nos dentes posteriores e retração com auxílio de elásticos intermaxilares. A correção da posição dos molares é viável dentro de limites aceitáveis (aproximadamente 2 a 4mm), considerando-se o uso de elásticos intermaxilares associados ou não a desgastes interproximais.

Relatos de tratamentos de maior complexidade também são encontrados na literatura, até casos em que a discrepância anteroposterior seja tão acentuada que uma intervenção ortodôntica-cirúrgica se faça necessária. Para esses casos, a instalação de um aparelho fixo temporário com fios de aço passivos é recomendada para a eventual utilização de elásticos no transcirúrgico e pós-cirúrgico imediato.

Existem situações nas quais se permitem pequenas concessões na finalização, como nos casos de Ortodontia pré-protética. Pequenas imperfeições podem ser mascaradas pelas trocas das restaurações previamente planejadas para o paciente. Caso esses dentes não possam ser corrigidos pelo alinhador e não estejam inseridos em um planejamento de reabilitação, eles podem ser posicionados com o uso de segmentos de um aparelho ortodôntico fixo. Esse, por sua vez, pode ser utilizado de modo prévio, posterior, ou concomitantemente ao sistema Invisalign.

Em algumas situações específicas, pode-se considerar uma camuflagem estética, onde não se obtém relação molar ou canino ditas ideais. Nesses casos, é importante recordar que má oclusão não é doença, mas sim uma deformidade. Nesse contexto, leva-se em consideração no planejamento os anseios do paciente e o exato grau de colaboração desse com uma terapia envolvendo extrações, uso de elásticos, ou mesmo uma cirurgia ortognática. Esses casos, muitas vezes, necessitam de mais ajustes oclusais ao término do tratamento e de uma maior atenção na fase de contenção, devido à menor estabilidade. Esse tipo de abordagem não está indicada para pacientes que apresentam problemas da articulação temporomandibular associados à oclusão.

A ideia de alinhadores removíveis não é nova, em contrapartida, até o surgimento do sistema Invisalign, nunca se havia empregado uma tecnologia de computação integrando tomografia, setups virtuais e prototipagem em larga escala. Isso confere ao sistema uma maior precisão e amplitude de possibilidades que as técnicas anteriores não ofereciam.

O sistema Invisalign representou uma evolução dos aparelhos termoplásticos devido à demanda estética dos pacientes, especialmente dos adultos. Como o planejamento é realizado por meio de setups virtuais, denominados de ClinChecks, é possível não só visualizar o resultado final, como também analisar todas as etapas da movimentação dentária. Botões de resina auxiliares são planejados nessa fase, sendo denominados de attachments, podendo auxiliar determinados movimentos ou mesmo aumentar a retenção dos alinhadores em casos que necessitem de elásticos intermaxilares, em especial nos casos em que se deseje corrigir discrepâncias dentárias no sentido anteroposterior.

O principal apelo dos alinhadores para o paciente é a estética, sendo muito discretos quando em uso. Outra vantagem é o fato de ser removível, mas, ao contrário de outros tipos de aparelhos, é muito confortável, não interferindo na rotina do paciente, em especial devido à ausência de restrições na dieta. Ao contrário dos aparelhos fixos convencionais, proporciona ao paciente condições de fazer uma higiene bucal normal, sem fatores para retenção de placa bacteriana, diminuindo as chances de aparecimento de cáries e de doença periodontal.

Existem vários relatos de casos clínicos na literatura, de diferentes tipos de má oclusão, o que demonstra diferentes possibilidades de tratamento. Ao se avaliar os tratamentos em estudos controlados com grupos de amostra, observa-se um bom resultado nos seguintes itens: alinhamento dentário anterior, relações transversais, overbite, inclinações vestibulolinguais, rotações de dentes anteriores, altura de cristas marginais e fechamento de diastemas interproximais. Contudo, caso o espaço a ser fechado seja grande, como nos casos com extrações, existem limitações na verticalização de raízes após o fechamento. Outra limitação é o controle de torque posterior, os PowerRidges só são disponíveis nos incisivos, logo essa segue sendo uma limitação nessa modalidade de tratamento. Mesmo com o planejamento computadorizado, a previsibilidade do resultado é relativa e varia de acordo com o tipo de movimento a ser planejado. Além disso, ao se comparar casos tratados com o sistema Invisalign e com aparelhos fixos convencionais, contatou-se que o segundo obteve os melhores resultados, em especial em discrepâncias anteroposteriores, o que não invalida a técnica. O ortodontista deve tecer as seguintes considerações ao avaliar cada caso:

 

» Qual é a queixa principal? O resultado desejado pelo paciente vai de encontro com uma oclusão ideal ou uma camuflagem estética? É muito importante o paciente ser esclarecido acerca das limitações do aparelho e da proposta de tratamento.

» O paciente tem o padrão de comportamento para o uso de aparelhos removíveis? É um sistema que demanda colaboração do paciente.

» O caso é passível de tratamento apenas com Invisalign? Ou há necessidade de uso de auxiliares? Muitos pacientes não aceitam iniciar o tratamento com esse sistema se houver a necessidade de uso de elásticos, attachments em dentes anteriores ou mesmo a possibilidade de terminar o caso com aparelho fixo.

 

O Invisalign utiliza tecnologia de computação que inclui tomografias, setups virtuais e prototipagem, o que confere ao sistema maior precisão e amplitude de possibilidades. A despeito desses avanços, a técnica não substitui o tratamento convencional. Grande parte dos autores não exclui a possibilidade de finalização do tratamento com aparelhagem fixa. Existem limitações, inerentes ao material, com respeito aos movimentos dentários que podem ser executados. Contudo, certos casos bem selecionados podem se beneficiar com a técnica. Entre as modalidades de tratamento para pacientes em que se deseja manter a intercuspidação posterior, mas possuem necessidade de correção de diastemas ou de apinhamentos de até 6mm, esse sistema é a melhor opção para esse paciente, trazendo, assim, vantagens, como facilidade de higiene, conforto e estética durante o tratamento.

 

 

Como citar este artigo: Rothier EKC. Afinal, o que podemos esperar do sistema Invisalign? Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 dez-2014 jan;12(6):6-14.

Enviado em: 05/11/2013 – Revisado e aceito: 12/11/2013

Endereço de correspondência: Eduardo Kant Colunga Rothier – Rua Visconde de Pirajá, 414 – Sala 719 – Ipanema

CEP: 22410-002 – Rio de Janeiro/RJ – E-mail: eduardorothier@yahoo.com.br

 

O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

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