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A interação da Ciência dos Materiais com a Implantodontia

Resumo

Introdução: a Ciência dos Materiais hoje possui importante destaque na Odontologia, uma vez que os biomateriais envolvidos apresentam características específicas, resultando em uma aplicação previsível. Dentro da Implantodontia, pode-se destacar os biomateriais, as membranas e as superfícies dos implantes. É de fundamental importância o conhecimento das características físico-químicas dos biomateriais para uma correta escolha, que proporcione um resultado biológico específico. Assim, a análise de propriedades, tais como cristalinidade, tamanho de partícula, porosidade e área superficial específica, é crucial para a compreensão de seu desempenho in vivo. Superfícies de implantes também têm sido desenvolvidas com o objetivo de melhorar o processo de osseointegração em áreas com quantidade e/ou qualidade óssea pobre. Objetivo: o presente trabalho tem por objetivo fazer uma revisão de literatura sobre a importância da Ciência dos Materiais no desenvolvimento dos biomateriais utilizados em Implantodontia.

 

Palavras-chave: Ciência dos materiais. Biomateriais. Membranas. Superfícies de implantes.

 

 

Introdução

Atualmente, a Implantodontia encontra-se em uma situação desafiadora. Com o aumento da expectativa de vida da população e com a constante busca por melhor qualidade de vida, nos deparamos com pacientes edêntulos totais ou parciais que necessitam de reabilitação bucal, muitas vezes apresentando limitações de disponibilidade óssea para a fixação de implantes.

A área da Implantodontia vem sendo estudada desde 1965, com a introdução do conceito da osseointegração1. No passado, o plano de tratamento era realizado de acordo com o tecido ósseo existente, não levando em consideração a posição tridimensional dos implantes e a resolução estética dos casos2. Atualmente, esse planejamento é reverso, no qual a prótese determina a posição do implante, sendo que, em muitas situações, a quantidade óssea disponível não é favorável para o caso.

A Ciência dos Materiais correlaciona as propriedades com a microestrutura de um determinado material. A microestrutura é a organização atômica dos sólidos cristalinos; está relacionada com suas propriedades intrínsecas e extrínsecas. Com o auxílio da Engenharia, pode-se desenvolver materiais com características controladas para aperfeiçoar seu desempenho in vivo3. A Implantodontia utiliza diversos biomateriais para aplicações específicas, com o objetivo de restabelecer a forma, estética e função dos pacientes.

O objetivo do presente estudo é fazer uma revisão sobre o desenvolvimento e aplicação dos biomateriais utilizados na Implantodontia.

 

Revisão de literatura

Biomateriais para enxertia óssea

Por definição, um biomaterial é uma substância ou associação de duas ou mais substâncias, farmacologicamente inertes, de origem natural ou sintética, utilizada para substituir, aumentar ou melhorar, parcial ou integralmente tecidos e órgãos4.

Reconstruções ósseas associadas ao tratamento com implantes dentários têm sido cada vez mais necessárias. Isso faz com que sejam desenvolvidos materiais para possibilitar a substituição, ou até a eliminação, do uso de enxerto autógeno5.

Os biomateriais devem apresentar funções para as quais foram desenvolvidos; dentre essas, devem ser biocompatíveis e biofuncionais, levando a resultados previsíveis. A biofuncionalidade refere-se a propriedades mecânicas e físicas que habilitam o implante a desempenhar a função esperada; já a biocompatibilidade é definida como um estado de mútua existência entre um material e o ambiente fisiológico, sem que um exerça efeito desfavorável sobre o outro6.

Os biomateriais podem ser classificados quanto à origem e a seu mecanismo de ação. Quanto à origem, podem ser classificados como autógenos, alógenos (banco de ossos), xenógenos (Bio-Oss) e aloplásticos (Alobone Poros)7. Quanto ao mecanismo de ação, podem ser classificados como osteogênicos, osteoindutores e osteocondutores8.

Os materiais cerâmicos usados na Odontologia são conhecidos como biocerâmicas. Entre esses, o fosfato de cálcio [Ca3(PO4)2] e a hidroxiapatita [Ca10(PO4)6OH2] são amplamente estudados devido à sua composição química e estruturas cristalinas serem semelhantes à composição química inorgânica do tecido ósseo. O notável progresso das cerâmicas resultou no desenvolvimento de materiais com propriedades químicas, físicas e mecânicas satisfatórias para as aplicações biomédicas9.

As propriedades físico-químicas são responsáveis pela integração dos biomateriais com o tecido vivo. As propriedades físicas são a área de superfície, a forma (bloco ou grânulo), a porosidade (denso, macro ou microporo) e a cristalinidade (cristalino ou amorfo). As propriedades químicas referem-se à razão cálcio/fósforo (Ca/P) e à composição química3.

O conhecimento das características físico-químicas dos biomateriais é de extrema importância para o implantodontista selecionar o biomaterial mais indicado para determinada aplicação3.

 

Membranas

O conceito da regeneração tecidual guiada (RTG) foi desenvolvido para a regeneração dos tecidos periodontais perdidos, resultantes de doença periodontal inflamatória. A RTG visa, por meio de barreiras de membrana, a exclusão de células indesejáveis no repovoamento da área da ferida, e favorece a proliferação de células teciduais definidas para a obtenção da cicatrização da ferida com um tipo de tecido desejável10.

O princípio da barreira mecânica também é aplicável em cirurgia óssea reconstrutiva, onde a colocação de barreira de membrana previne o crescimento de tecido conjuntivo frouxo no interior do defeito ósseo. A membrana é colocada em contato direto com a superfície óssea, posicionando, assim, o periósteo na superfície externa da membrana. A meta fundamental para a regeneração óssea guiada (ROG) é o uso de um material temporário que promova um ambiente adequado, permitindo o organismo utilizar seu potencial de cicatrização natural e regenerar os tecidos perdidos e ausentes11.

As membranas utilizadas nos procedimentos regenerativos devem apresentar alguns requisitos indispensáveis para agir como barreira física passiva: biocompatibilidade, manutenção de espaço, integração com os tecidos, manuseio clínico satisfatório e propriedades oclusivas12.

A oclusividade visa impedir a migração de células dos tecidos conjuntivo e epitelial para o interior do defeito; já a integração tecidual estabiliza a ferida e cria um selamento biológico entre os tecidos. A manutenção do espaço produzido pela membrana é fundamental para a formação do coágulo sanguíneo e posterior regeneração dos tecidos12.

Para a manutenção do espaço adequado para a regeneração, a membrana deve possuir características mecânicas ou estruturais que a permitam suportar as forças exercidas pela tensão dos retalhos ou decorrentes da mastigação, prevenindo o colapso dessa sobre o defeito. Além disso, a função de barreira deve ser mantida por tempo suficiente para permitir a regeneração dos tecidos13. Para assegurar um período apropriado para formação e maturação óssea, um período mínimo de seis meses é recomendado8.

Obedecendo os critérios acima descritos, membranas não absorvíveis e, também, absorvíveis foram desenvolvidas para a RTG e a ROG.

 

Membranas não-absorvíveis

A maioria das membranas não-absorvíveis é composta por celulose ou politetrafluoretileno expandido (PTFE-e). Por apresentarem alta estabilidade em sistemas biológicos e não gerarem respostas imunológicas, essas membranas de PTFE-e (Gore-Tex Augmentation Material, W.L. Gore) eram as mais utilizadas12.

As membranas de PTFE-e possuem inatividade química e biológica, que foram demonstradas pela ausência de reação tecidual adversa14. Possuem a grande vantagem de manter a função de barreira durante todo o tempo necessário para neoformação óssea. Sua desvantagem é a necessidade de uma segunda intervenção cirúrgica para a remoção da membrana não reabsorvível15.

 

Membranas absorvíveis

As membranas absorvíveis devem ser feitas com materiais totalmente bioabsorvíveis, os quais pertencem ao grupo dos polímeros naturais ou sintéticos (colágeno ou poliéster). Para representar essas membranas, podemos citar as de colágeno, ácido poli-láctico, poliglactina 910, ácido poliglicólico e poliuretano16.

As membranas de colágeno reabsorvíveis têm várias vantagens: estabilizam a ferida, permitem uma vascularização precoce, atraem os fibroblastos por meio da quimiotaxia e são semipermeáveis — o que facilita a transferência dos elementos nutritivos17. Além disso, com uma membrana reabsorvível não há necessidade de uma segunda intervenção para sua remoção. A grande desvantagem das membranas reabsorvíveis é a duração de sua função de barreira. Sua reabsorção pode ocorrer antes do período mínimo de formação e maturação óssea. Além disso, a criação de espaço ou as características de resistência ao colapso (rigidez) de uma membrana para ROG são considerações importantes para a escolha de um material adequado. Isso é verdadeiro para materiais degradáveis, já que eles perderão força mecânica durante o processo de degradação12.

 

Superfícies de implantes

Várias modificações de superfícies de implantes têm sido desenvolvidas com os objetivos de melhorar a osseointegração em áreas com quantidade e/ou qualidade óssea pobre, e acelerar a cicatrização óssea, possibilitando, dessa forma, o protocolo de carga imediata ou precoce. Entre os diversos parâmetros que influenciam o sucesso dos implantes, a interface osso-implante tem um papel importante na longevidade e na melhora da função das próteses implantossuportadas18.

Existe no mercado diferentes tipos de superfície, que variam de acordo com o tratamento recebido, podendo ser agrupadas em cinco modalidades: usinados, que apresentam superfície sem nenhum tipo de tratamento; modificação da rugosidade por partículas abrasivas, ataque com ácido, depósito de revestimento de partículas de óxido de titânio ou tratamento a laser; modificados por hidroxiapatita ou por outros produtos químicos; tratamento eletroquímico com soluções alcalinas para alterar a energia superficial do titânio ou variar a espessura da camada de óxido (anodização); e subtração mecânica por bombardeamento iônico19.

Em superfícies de titânio, os efeitos biológicos da química de superfície estão relacionados, principalmente, à arquitetura da camada de óxido de titânio (TiO2). Como a osseointegração é relacionada diretamente ao espessamento dinâmico da camada de TiO2, implantes com a camada de TiO2 espessa — tais como os anodizados — apresentam melhor resposta do tecido ósseo, uma vez que aumentam a precipitação de matriz óssea mineral na superfície do implante20.

Os objetivos da impregnação ou recobrimento com elementos inorgânicos servem para estimular o embricamento bioquímico entre a matriz óssea e a camada de TiO221. As impregnações com fosfato de cálcio22 e com técnicas de recobrimento23 têm sido amplamente investigadas, apresentando boas respostas ósseas. Todavia, o exato mecanismo subjacente, os níveis ótimos de fosfato de cálcio e os métodos de incorporação parecem não ser consensuais. A impregnação com fósforo24 ou magnésio25 também aumenta significativamente a resposta óssea; e uma baixa impregnação com fluoreto26 estimula a diferenciação celular óssea por meio de meio de sinalização celular direta. Apesar disso, o mecanismo exato ainda não é claro. Os resultados biológicos da arquitetura do cristal são positivos, como foi previamente mostrado para implantes que foram cobertos com titânio em forma de anatásio27. A microrrugosidade ideal para formação óssea é obtida em implantes moderadamente rugosos com o desvio de altura média (Sa) igual a 1,5µm1.

A modulação da nanotopografia de uma superfície de implante tem impacto significativo no comportamento das células ósseas. É possível projetar uma nanotopografia desejada para aumentar e controlar a proliferação e diferenciação das células ósseas28.

A aplicação da nanotecnologia corresponde a mais uma etapa no desenvolvimento da superfície dos implantes dentários, e os resultados indicam uma melhora na resposta óssea em implantes conhecidos como “nanomodificados”29.

 

Discussão

Há uma grande quantidade de biomateriais comercializados no meio odontológico, que apresentam diferentes comportamentos in vivo e que são dependentes de suas características físico-químicas3.

A porosidade aumenta a área de superfície do biomaterial de enxerto, permitindo a formação óssea; assim, quanto maior a porosidade, mais rápida será a absorção do material30. Os poros devem apresentar um diâmetro mínimo de 100µm31.

A porosidade pode ser afetada pela temperatura no processo de sinterização do tratamento térmico das biocerâmicas. O aumento da temperatura na sinterização resulta em menor porosidade do biomaterial32.

Um biomaterial cristalino possui uma organização atômica bem definida, ao contrário de um material amorfo, que apresenta forma de cristal irregular. A cristalinidade é uma propriedade que altera o índice de absorção do biomaterial de enxerto3. Os biomateriais altamente cristalinos são mais resistentes à degradação33.

Existem diferenças nas estruturas cristalinas dos materiais de enxerto, o que demonstra que cristais pequenos, semelhantes ao osso, são desejáveis. Os tamanhos dos cristais podem ser resultantes das diferenças de seus processamentos. O processamento de biomateriais em temperaturas acima de 1000°C resulta no crescimento do cristal34. As altas temperaturas de sinterização podem causar mudanças na estrutura atômica do cristal de HA35 e, dessa forma, podem afetar fortemente o comportamento do material de enxerto36.

O tamanho das partículas é um fator importante, pois essas afetam diretamente a área de superfície disponível para reagir com células e fluidos biológicos. Assim, quanto menor o tamanho das partículas menor o tempo de absorção e, consequentemente, a nova formação óssea37.

Deve haver um equilíbrio entre a taxa de absorção do biomaterial e a taxa de formação óssea, sendo que esse não pode ser absorvido de forma muito rápida e nem ser absorvido como os biomateriais altamente cristalinos38.

Foi demonstrado que a enxertia óssea com biomateriais associada ao uso de membranas promove maior taxa de sucesso, isso devido à maior proporção de osso vital formado39. O uso de membranas promove uma barreira eficiente contra a invasão de tecido mucoso e para uma regeneração óssea sem complicações12.

Com o surgimento das membranas absorvíveis, a utilização das não absorvíveis tem diminuído, haja vista que as absorvíveis eliminam a necessidade de cirurgia para sua remoção. Mesmo assim, as membranas de e-PTFE continuam sendo o padrão de referência nos procedimentos de ROG15.

A estabilização da membrana na ROG é fundamental para obtenção de resultados previsíveis. Isso foi demonstrado em um estudo onde os autores compararam os resultados dos procedimentos regenerativos usando aloenxerto, membrana bioabsorvível e a estabilização da membrana. Observaram que, nos casos onde a membrana foi estabilizada com parafusos, houve menor perda óssea após o período de cicatrização nas áreas onde foi realizado aumento da largura40.

Além da utilização de biomateriais para enxertos ósseos e de membranas para ROG, estudos têm investigado diferentes tratamentos de superfície de implantes dentários com a finalidade de melhorar os resultados clínicos relacionados à reabilitação com essa abordagem terapêutica. Nesse contexto, resultados de diferentes experimentos demonstraram aumento do contato ósseo em implantes que combinaram micro e nanoestruturas41. Há trabalhos demonstrando aumento na resposta óssea com a configuração de nanotopografia (nano) + microestrutura (micro), quando comparadas com apenas micro, em humanos41 e ratos42. Entretanto, em um acompanhamento de oito semanas em cães, foram observados valores similares de contato osso-implante entre implantes micro comparados com micro + nano43. O benefício da implantação de nanoestruturas ainda não é amplamente aceito na comunidade científica, e vários fatores contribuem para isso, em especial a dificuldade de caracterização adequada da topografia em 3D na escala micrométrica e nanométrica. Futuros experimentos ajudarão a esclarecer a importância das nanoestruturas na resposta óssea, e a correta caracterização da superfície é um fator fundamental para a comparação e análise dos resultados29.

 

Conclusões

Podemos concluir que a Ciência dos Materiais tem papel crucial no desenvolvimento dos biomateriais metálicos, cerâmicos e poliméricos. Deve haver um controle rigoroso em seu processamento para que apresente uma microestrutura com propriedades adequadas para uma dada aplicação clínica.

 

Como citar este artigo:

Desterro FP, Caminha MW, Gonçalves ES, Vidigal Junior GM, Conz MB. The interaction between Implantology and Materials Science. Dental Press Implantol. 2013 Apr-June;7(2):60-6.

 

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

 

Endereço para correspondência

Fernanda de Paula do Desterro

Rua Conde de Bonfim, 232 – Sala 701 – Tijuca

CEP: 20520-054 – Rio de Janeiro/RJ

E-mail: fernandadesterro@ig.com.br

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