Dental Press Portal

A influência da motivação dos pacientes na dor relatada durante o tratamento ortodôntico

Introdução: experiências de dor são relatadas rotineiramente pelos pacientes durante o tratamento ortodôntico, o que pode prejudicar a cooperação e o desenvolvimento do tratamento. Os relatos de dor parecem ser influenciados por fatores emocionais, como a motivação para o tratamento.

Objetivo: avaliar a correlação existente entre a motivação para o tratamento ortodôntico e a intensidade de dor relatada pelos pacientes durante duas fases iniciais do tratamento.

Métodos: vinte indivíduos homens, com 11 a 37 anos de idade, foram avaliados por meio de um questionário dividido em cinco domínios relacionados à motivação para tratamento ortodôntico. Os indivíduos foram acompanhados durante 14 dias, sendo 7 dias apenas com os braquetes colados e 7 dias com o arco inicial inserido, sendo a intensidade de dor avaliada diariamente. Todas as questões, assim como intensidade da dor, foram mensuradas por meio da Escala Visual Análoga (EVA).

Resultados: o questionário associado à EVA apresentou boa confiabilidade temporal e consistência interna razoável, sendo que o domínio “Severidade percebida” apresentou a maior correlação com a intensidade de dor, apesar de não significativa (p = 0,196). Na análise das questões, apenas a que avaliou se os pacientes julgavam seus dentes muito tortos apresentou correlação positiva com a intensidade de dor (p = 0,048).

Conclusão: os resultados indicam que os cinco domínios relacionados à motivação para o tratamento ortodôntico não podem ser utilizados para predizer o desconforto durante o tratamento, porém o fato de o indivíduo julgar seus dentes tortos pode indicar experiências de dor mais intensas devido à maior aplicação de força após a inserção do arco inicial.

Palavras-chave: Medição da dor. Motivação. Ortodontia.

 

 

INTRODUÇÃO

O sucesso de um tratamento ortodôntico muitas vezes pode estar relacionado à utilização de dispositivos e de técnicas que minimizem o desconforto vivido pelos pacientes, pois a dor e o desconforto levam o paciente à falta de cooperação, a ausentar-se às consultas e à interrupção do tratamento22. Essas experiências de dor são comumente avaliadas por meio da Escala Visual Análoga (EVA)2,7,8,9,15,17,21,24,25,27,29, a qual registra a intensidade de dor de forma subjetiva.

As experiências de dor durante o tratamento ortodôntico são relatadas por até 95% dos pacientes20,25, sendo associadas às lesões traumáticas na mucosa bucal2,20,21 e à aplicação de forças aos dentes2,3,7,8,13,15,21,22,25. Porém, a dor possui forte relação com fatores emocionais, cognitivos e culturais2,12, fazendo com que sua intensidade seja modulada pela personalidade do indivíduo15,16.

Fatores subjetivos como a autopercepção da condição dentária e a concepção estética exercem grande influência na intenção do indivíduo em corrigir ortodonticamente seus dentes1,16,21. Esses fatores, associados às informações sobre tratamento ortodôntico que o paciente possui, compõem sua motivação para o tratamento. O grau de motivação pode influenciar a percepção de dor durante o tratamento, sendo que os pacientes que desejam tratamento, ou que acham suas más oclusões mais severas, são os que relatam menores níveis de dor26.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a correlação existente entre a motivação dos pacientes para o tratamento ortodôntico e a intensidade de dor relatada durante duas fases iniciais do tratamento.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Vinte indivíduos do sexo masculino, de 11 a 37 anos de idade (média de 18,5 ± 6,2 anos), e que procuravam por tratamento ortodôntico foram selecionados a partir dos seguintes critérios: ausência de dentes decíduos, nunca ter sido tratado ortodonticamente, ter bom estado de saúde geral, ter mucosa bucal e periodonto livres de doença.

Como as experiências de dor são influenciadas por características emocionais, cognitivas, motivacionais e por padrões de comportamento familiares2,18, não foram selecionados dentistas ou alunos de cursos de graduação em Odontologia, parentes diretos ou cônjuges de cirurgiões-dentistas ou de indivíduos que utilizaram aparelho fixo há menos de 12 meses, ou indivíduos com medo de tratamento odontológico, além de usuários de drogas psicotrópicas (antipsicóticos, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes ou antidepressivos), anti-inflamatórios ou analgésicos.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sendo que todos os participantes foram voluntários e assinaram um termo de consentimento após a completa explicação dos procedimentos.

Durante a consulta inicial foi avaliada a motivação dos pacientes para o tratamento ortodôntico por meio de um questionário com 27 questões, divididas em cinco domínios: “Severidade percebida”, “Estética dentária”, “Desejo de tratar”, “Percepção do tratamento” e “Importância da oclusão”. As questões foram respondidas com a Escala Visual Análoga (EVA) de 100mm11 (Fig. 1), cuja variação foi conforme o exposto na Tabela 1. Apenas um avaliador aplicou o questionário, informando aos indivíduos a forma de preenchimento, sem fornecer maiores informações sobre as questões. O valor na EVA foi estipulado pela distância em milímetros da margem esquerda da linha horizontal até o centro da marcação feita pelo paciente, e o valor de cada domínio foi dado pela média aritmética das respostas que o compunham.

Imagem_Fig01

Para avaliar a confiabilidade das 27 questões e determinar a estabilidade temporal dessas, previamente ao estudo foi aplicado um pré-questionário, por duas vezes e em 20 indivíduos, com intervalo médio de 42,7 dias.

Os pacientes foram avaliados por 14 dias, divididos em duas fases, sendo essas a de colagem (dias 1 a 7) e do arco inicial (dias 8 a 14). Na manhã do dia anterior ao início da avaliação, foram colados braquetes e tubos (Mini Standard Edgewise, American Orthodontics, Wisconsin, EUA) nas superfícies vestibulares dos incisivos, caninos, pré-molares e primeiros molares superiores dos pacientes. Na manhã do 7º dia, um arco pré-contornado de 0,014” (Titanium Memory Wire, American Orthodontics) foi totalmente inserido nos slots de todos os braquetes e tubos superiores, e fixado com fio de amarrilho de aço de 0,010”.

A intensidade de dor foi registrada diariamente durante os 14 dias no momento que os pacientes acordavam. Foram utilizadas duas EVAs de 100mm, uma para dor de dente e outra para dor na mucosa bucal, que variaram de “sem dor” até “a pior dor de todas”, sendo sua medição realizada da mesma forma que no questionário. O valor da intensidade de dor foi dado pela média aritmética das EVAs de dor de dente e na mucosa bucal.

Análise estatística

A confiabilidade teste-reteste para as questões de cada domínio do pré-questionário foi avaliada pelo Coeficiente de Correlação Interclasse (CCI), baseado na Análise de Variância. A consistência interna de cada domínio foi averiguada por meio do Coeficiente alfa de Cronbach. O Coeficiente de Correlação de Pearson avaliou a relação entre os domínios do questionário e a média da intensidade de dor, e entre cada questão e a média de intensidade de dor. Foi utilizado o programa Statistical Package for The Social Sciences (SPSS 11.0.0) para a execução das análises.

RESULTADOS

A análise do pré-questionário determinou o CCI, mostrando uma excelente confiabilidade (CCI > 0,75) para os domínios “Estética dentária”, “Percepção do tratamento” e “Importância da oclusão”; e boa confiabilidade (0,4 < CCI < 0,75) nos domínios “Severidade percebida” e “Desejo de tratar” (Tab. 2).

Com base no questionário aplicado, o Coeficiente alfa de Cronbach foi calculado para estimar a consistência interna de cada domínio (Tab. 2). O domínio “Importância da oclusão” teve consistência interna muito boa (α > 0,9); os domínios “Severidade percebida” e “Percepção do tratamento” exibiram boa consistência (α entre 0,8 e 0,9); o domínio “Desejo de tratar” teve consistência regular (α entre 0,7 e 0,8), e o domínio “Estética dentária” exibiu consistência fraca (α entre 0,6 e 0,7)23.

A intensidade média de dor relatada pelos pacientes em cada dia do período de avaliação é apresentada na Figura 2.

A correlação entre cada domínio do questionário e a média de intensidade da dor é apresentada na Tabela 3. Não foi verificada correlação significativa em nenhum dos domínios.

As Tabelas 4 a 8 mostram a correlação entre cada questão e a intensidade de dor. Houve correlação positiva significativa apenas para a questão 2.

DISCUSSÃO

A alta prevalência de relatos de dor durante o tratamento ortodôntico2,3,7,8,13,15,19-22,25 pode levar ao insucesso do tratamento devido à falta de cooperação do paciente5,22 e sua desistência do tratamento22, o que motiva a busca por fatores que possam ser relevantes na prevalência e na intensidade da dor vivida pelos pacientes no decorrer do tratamento.

Autores3,15 sugeriram que fatores psicológicos poderiam influenciar de alguma forma os relatos de dor e desconforto. Entre esses fatores, a motivação do paciente para o tratamento ortodôntico parece ser o mais relevante1,16,26.

Em trabalhos já realizados, a motivação para o tratamento foi avaliada segundo a autocrítica da condição dentária10,28, a percepção estética1,10,16,21 e a visão que os pacientes possuem sobre o tratamento ortodôntico10. No presente trabalho, o grau de motivação dos pacientes foi realizado por meio de um questionário elaborado com base nos trabalhos Clemmer e Hayes4 e de Fox et al.10 As 27 questões interrogaram os pacientes quanto: 1) a percepção da severidade do problema dentário, 2) a importância da estética dentária, 3) a vontade em corrigir ortodonticamente seus dentes, 4)  as impressões sobre o tratamento ortodôntico e 5) a importância de uma boa oclusão.

As questões foram respondidas por meio da EVA, uma escala amplamente utilizada para avaliar a intensidade da dor2,7,8,9,15,17,21,24,25,27,29 e que vem sendo aplicada em alguns questionários2,6,30. O teste de confiabilidade apontou uma precisão de boa a excelente em todos os domínios do questionário, mostrando que as questões utilizadas associadas à EVA possuem boa estabilidade de avaliação em diferentes momentos.

Apesar de os pacientes avaliados se apresentarem motivados para o tratamento, com os valores dos domínios variando entre 58 e 91 (EVA), não houve correlação significativa entre o grau de motivação e a intensidade de dor relatada. Isso ocorreu quando as questões foram analisadas por domínios ou individualmente, exceto na questão 2. Esses resultados corroboram outras pesquisas que também não encontraram correlação da intensidade de dor com a estética dentofacial ou com a autopercepção da necessidade de tratamento1,8.

Apesar de nenhum dos domínios ter apresentado significância na correlação com a intensidade de dor, “Severidade percebida” teve o menor p-valor (0,196), com uma correlação positiva. Contrariamente a essa tendência, Sergl et al.26 encontraram uma correlação negativa, indicando que os pacientes que percebiam suas más oclusões mais severas relataram dores de menor intensidade.

A significância do domínio “Severidade percebida” foi influenciada pela questão 2, única questão cujo valor apresentou correlação positiva significativa com a intensidade de dor. Como essa questão avaliou se os pacientes julgam seus dentes muito tortos, esse resultado ressalta a hipótese da intensidade da força aplicada aos dentes, em detrimento do grau de apinhamento dentário, ter relação com a dor relatada durante a fase de alinhamento e nivelamento2, apesar de outros estudos não confirmarem essa relação14,15.

A existência de uma relação entre o grau de apinhamento dentário e a intensidade de dor alerta os ortodontistas para a importância de esclarecer aos pacientes a possibilidade de experimentarem dores mais intensas proporcionais à severidade do apinhamento dentário, principalmente após a inserção dos arcos iniciais na fase de alinhamento e nivelamento dentário.

 

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo indicam que a intensidade de dor relatada durante o tratamento ortodôntico não está relacionada com os domínios de avaliação da motivação para o tratamento, não podendo se utilizar o grau de motivação para predizer o desconforto vivido pelos pacientes após a instalação e ativação do aparelho ortodôntico.

 

Como citar este artigo: Campos MJS, Vitral RWF. The influence of patient’s motivation on reported pain during orthodontic treatment. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):80-5.

Enviado em: 10 de janeiro de 2010 – Revisado e aceito: 09 de agosto de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Marcio José da Silva Campos

Rua Paracatu, 568 – Bairro Santa Terezinha – Juiz de Fora/MG

CEP: 36.046-040 – E-mail: drmarciocampos@hotmail.com

 

Sair da versão mobile