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“A fissura me escolheu para falar sobre ela”

Maria Cecília tem mais de 135 mil seguidores no Instagram

“A fissura me escolheu para falar sobre ela”. Essa é a descrição no Instagram da cirurgiã-dentista Maria Cecília, de 25 anos, formada pela Universidade do Vale de Itajaí. Natural de Rio do Sul (SC), ela discute o tema em palestras, aulas e para os seus mais de 135 mil seguidores no Instagram

Com residência concluída no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru, ela, hoje, faz mestrado em Ciências da Reabilitação na mesma instituição. Maria Cecília traz, além da ótica de profissional da área, a abordagem de quem é paciente, reforçando a importância da representatividade na área para pacientes com mesmo diagnóstico.

“A mensagem que eu sempre gosto de deixar é que antes de a gente querer ser o melhor médico, o melhor dentista, o melhor profissional, a gente precisa tentar ser o melhor ser-humano”, destacou.

O Instagram profissional dentista.mariacecilia foi criado em 2020, durante a pandemia, logo depois que ela se formou em odontologia. A rotina de casos e as discussões na rede social a conduziram para abordar o tema da fissura. Sobre esse tema e a importância da representatividade, ela conversa com o Portal Dental Press

Maria Cecília ministra aulas e palestras sobre o tema
Maria Cecília ministra aulas e palestras sobre o tema

Como começou a sua história coma odontologia?
Escolhi fazer odontologia por ter nascido com fissura labiopalatina. Então, meu tratamento sempre demandou muitas consultas odontológicas, médicas, enfim. Desde pequena eu acabei criando uma paixão pela profissão e eu sempre falava que eu queria ser dentista. Quando eu terminei o Ensino Médio, eu prestei o vestibular e fiz odontologia. No meu último ano da graduação, eu descobri que teria prova para residência multiprofissional aqui no centrinho de Bauru. O meu sonho, na Odonto, era poder voltar para o centrinho de Bauru, que é onde eu faço meu tratamento desde pequena. Então, eu sempre quis voltar para cá em algum momento para poder ajudar as pessoas que nasceram como eu. Foi quando eu passei na residência, fiz dois anos de residência multiprofissional aqui no centrinho e esse ano terminei a residência e passei para o mestrado, dentro da área de ciências da reabilitação – aqui no centrinho também. Então, esse é um resumo da minha trajetória com a fissura. Eu escolhi a minha profissão por conta da fissura e sigo no centrinho por enquanto.

“O meu sonho, na Odonto, era poder voltar para o centrinho de Bauru, que é onde eu faço meu tratamento desde pequena”

Quando foi que percebeu que o Instagram poderia ser uma ferramenta interessante para divulgar conhecimento?
Eu criei meu Instagram profissional assim que eu me formei na faculdade, na metade de 2020. Foi no auge da pandemia e, na verdade, eu criei o Instagram mais para repassar informação de odontologia e tudo mais, sabe? Não era nada relacionado a fissura. Aí comecei a trabalhar sozinha na minha cidade, comecei a postar alguns atendimentos e aí passei na residência, seis meses depois. Foi quando comecei a postar a rotina da minha residência, comecei a falar sobre fissura. Começou a viralizar e alcançar mais pessoas. Então eu percebi que era o momento de compartilhar informações para esse tipo de pessoas e público. Então, eu comecei a falar sobre a minha reabilitação, sobre a residência, sobre o tratamento das pessoas com fissura, sobre síndromes e tudo mais. Depois disso começou a chegar mais pessoas. Os vídeos começaram a viralizar e foi quando eu entendi que esse era o meu propósito, na verdade. Falar sobre fissura, sobre autoestima, sobre todo esse contexto das pessoas que nasceram com fissura. Lá, eu falo tanto do lado profissional, com dentista da área, como paciente também – porque ainda não terminei meu processo de reabilitação.

“Os vídeos começaram a viralizar e foi quando eu entendi que esse era o meu propósito, na verdade”

Na descrição do seu Instagram temos a seguinte frase: “A fissura me escolheu pra falar sobre ela”. Hoje, o que a senhora entende como essencial para ser dito sobre o tema?
Quando eu digo que a fissura me escolheu para falar sobre ela, quer dizer que dentro de todo esse contexto, sempre foi meu sonho vir para o centrinho cuidar de pacientes como eu. Mas eu não imaginava que tudo isso iria acontecer desta maneira. Não imaginava que eu teria um Instagram que fosse alcançar tantas pessoas. Eu não imaginava que eu seria convidada para dar tantas palestras e aulas sobre o tema. Então, eu acho que a fissura deve ser mais vista pela sociedade, até porque é a má formação congênita mais comum na região crânio-facial e mesmo assim tem muitas pessoas que não sabem nada sobre ela. Eu acho que ser um canal de informações sobre o que é a fissura, sobre quais são os passos da reabilitação, mostrar o que um paciente com fissura vai ter que passar ao longo da vida e tudo mais. Eu acho que a informação básica é essa: repassar informação, mostrar para as famílias e para as pessoas com fissura que eles não estão sozinhos.

“Naquele momento eu percebi que o fato de a gente estar ali, dizer para a pessoa que a gente entende o que ela está passando – porque eu realmente entendia – fez com que ele tivesse forças”

A senhora publicou um vídeo falando sobre a representatividade e narrou um caso que se deparou no centrinho, sobre uma criança. Gostaria que contasse um pouco dessa história e qual foi o sentimento que teve.
Teve um caso que ocorreu comigo, durante minha residência no centrinho – tive diversos casos que ocorreram sobre representatividade que acabam marcando a gente -, mas, esse em específico foi muito legal, porque foi no comecinho da minha residência, então me deu forças para continuar e me trouxe certeza de que eu estava no lugar certo. Foi quando eu estava no setor de radiologia e chegou um menininho para fazer uma radiografia pós-operatória imediata após enxerto ósseo. Ele tinha operado no dia anterior e ele tava lá muito triste, porque não é legal se recuperar de uma cirurgia na boca, ter que fazer um raio-x na boca e ele falou que estava muito triste. Ele me disse que não entendia o porquê de tudo aquilo. Eu olhei para ele e falei: “Sabia que nasci igual a você e já passei exatamente pelo que você passou?”. Ele falou: “Sério? Eu duvido!”, aí eu abaixei a máscara e ele viu que eu realmente também tinha fissura e ele ficou super feliz. Ele falou: “Uau! Você tem fissura e você agora trabalha aqui no centrinho! Ele ficou super encantado e saiu para falar para a mãe dele. Naquele momento eu percebi que o fato de a gente estar ali, dizer para a pessoa que a gente entende o que ela está passando – porque eu realmente entendia – fez com que ele tivesse forças. Fez com que ele entendesse aquele processo, naquele momento. E que está tudo bem, vai passar. Que é só mais um momento.

A senhora está no mestrado. Pretende seguir vida acadêmica?
Hoje eu estou cursando mestrado em ciências da reabilitação, aqui no centrinho de Bauru – no Hospital de Reabilitação de anomalias craniofaciais – e eu gosto muito da parte acadêmica e gosto muito de atender em clínica. Mas o lado de levar conhecimento no ponto de vista acadêmico, me ganha bastante. Eu pretendo dar aula, pretendo ir nesta área dando palestras e levar o conhecimento por onde quer que eu vá. Então, no momento eu pretendo seguir carreira acadêmica, mas não apenas dando aula, mas levando essas informações para cursos, palestras e tudo mais.

“A mensagem que eu sempre gosto de deixar é que antes de a gente querer ser o melhor médico, o melhor dentista, o melhor profissional, a gente precisa tentar ser o melhor ser-humano”

Qual a principal mensagem que gostaria de deixar para as pessoas e, principalmente, para a comunidade da Odontologia?
A mensagem que eu sempre gosto de deixar é que antes de a gente querer ser o melhor médico, o melhor dentista, o melhor profissional, a gente precisa tentar ser o melhor ser-humano. Porque a gente não sabe pelo que os nossos pacientes passaram até chegar nas nossas mãos. A gente não sabe as lutas que eles lutaram, as guerras que eles tiveram sozinhos ou que aquela família teve, sabe? A gente tem que ser ali um lugar que eles encontrem acolhidos. Que se sintam amados e acolhidos. A partir disso, que sejamos um bom profissional. Precisamos aprender a ouvir as pessoas e a ser um bom ser-humano, porque assim a gente consegue ter um pingo de esperança em um mundo melhor. Você pode ser o melhor cirurgião, fazer a melhor técnica cirúrgica, mas se você não olhar nos olhos do paciente, se você não ouvir o que ele tem a dizer, ele não vai se lembrar de você, ou ele vai se lembrar de uma maneira não tão legal. Então, façam por amor, façam com amor. Tenha a prosperidade como objetivo, mas a gente não prospera sem dedicação e sem amor.

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