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A evolução do diagnóstico cefalométrico em Ortodontia

Introdução: apesar do desenvolvimento da tomografia computadorizada ter representado um marco na área do diagnóstico por imagem, sua utilização em Odontologia deu-se de forma muito discreta ao longo dos anos. Com o surgimento de programas para análises de imagens tridimensionais, específicos para Ortodontia e Cirurgia Ortognática, uma nova realidade está sendo construída.

Objetivo: os autores do presente artigo têm o objetivo de informar à sociedade ortodôntica fundamentos sobre imagem radiográfica cefalométrica digital e tomografia computadorizada, discutindo sobre o campo de visão (FOV), doses de radiação, exigências para o uso em Ortodontia e simulações radiográficas.

Palavras-chave: Tomografia computadorizada de feixe cônico. Radiografia dentária digital. Diagnóstico por computador.

 

 

INTRODUÇÃO

Por causa de trabalhos históricos que apresentaram o cefalostato — dispositivo que permite o posicionamento da cabeça do paciente sempre na mesma posição —, o ano de 1931 foi a inauguração da era da cefalometria na Ortodontia5,13. Com esse dispositivo tornou-se possível obter radiografias seriadas que facultaram estudos mais precisos sobre o crescimento da face humana6. Esse ano de 1931 é considerado um marco divisório para a Ortodontia por causa da evolução da especialidade como ciência.

No final da década de 60 iniciou-se a era da radiografia cefalométrica computadorizada24. A evolução tecnológica na área da computação viabilizou o desenvolvimento de diferentes programas que calculam distâncias e ângulos do traçado cefalométrico, reduzindo o trabalho manual requerido nos estudos e, consequentemente, acelerando as pesquisas onde a avaliação cefalométrica se faz necessária.

Com o advento da tomografia computadorizada e com a utilização de softwares específicos, passou-se a contar com a possibilidade de simular radiografias utilizadas no diagnóstico ortodôntico (como a panorâmica, a cefalométrica lateral e a frontal), com a vantagem do paciente fazer apenas um exame.

A função de extrair imagens bidimensionais a partir de imagens tridimensionais se torna extremamente importante nessa transição — ou mudança de paradigma — do diagnóstico 2D para o 3D, de forma que o clínico possa continuar utilizando as mesmas análises cefalométricas até que se estabeleçam análises tridimensionais consagradas na literatura ortodôntica e que se tornem atraentes para a prática de rotina. À primeira vista, parece paradoxal a construção de um modelo 3D e o subsequente retorno à imagem 2D, mas isso pode viabilizar uma introdução gradual da CBCT na prática do ortodontista clínico21 e da pesquisa.

Frente à crescente evolução tecnológica para obtenção de imagens auxiliares no diagnóstico ortodôntico, o objetivo dos autores é instruir os ortodontistas sobre o uso das técnicas mais atuais de captação das imagens.

 

Revisão de literatura

Radiografia cefalométrica digital

A radiografia digital é uma tecnologia versátil e confiável, que amplia a qualidade do diagnóstico e as possibilidades de compartilhamento de imagens na Odontologia.

Imagens radiográficas digitais podem ser produzidas de modos diferentes. Scanners com um adaptador de transparência, scanners de slides ou qualquer câmera digital podem ser usados para converter uma radiografia analógica existente em uma imagem digital. Essa abordagem não necessita um alto investimento e permite transportar qualquer radiografia para o sistema digital. Normalmente, as imagens produzidas por essa técnica são chamadas de radiografias digitais indiretas.

Existem dois sistemas mais avançados de geração de imagens digitais sem uma radiografia precursora: o direto e o semidireto. As imagens digitais diretas são adquiridas usando-se um sensor CCD (do inglês, charge-coupled device), e as semidiretas utilizando-se um sistema com placa de fósforo, como alternativa ao filme radiográfico29.

No sistema direto, as imagens são adquiridas e automaticamente exportadas para um computador acoplado ao aparelho de raios X. No semidireto, a fonte de captação é uma placa que contém cristais de fósforo fotoestimulados pelos raios X e que necessita de mais um passo para a obtenção da imagem, que é a leitura da placa de fósforo, realizada por um scanner específico para essa função, que envia a imagem a um computador conectado.

Pode-se enumerar algumas vantagens que o sistema de radiografia digital oferece sobre o convencional:

1) Permite a visualização da imagem enquanto o paciente ainda está na cadeira.

2) Diminui o risco do filme ser inapropriadamente associado à ficha de outro paciente.

3) Elimina a possibilidade de erros de revelação.

4) Permite corrigir imediatamente irregularidades de brilho e de contraste.

5) Executa prontamente a calibração de imagens.

6) Agiliza a sobreposição da radiografia digital com a imagem digital8,25,30.

7) Imagens melhores que as convencionais23.

 

Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada é um método de diagnóstico por imagem que utiliza raios X e que permite obter a reprodução de uma secção do corpo humano em qualquer dos três planos do espaço. Permite a visualização das estruturas em fatias, principalmente dos tecidos mineralizados, com boa definição, permitindo o diagnóstico de possíveis alterações em três dimensões12,9.

O aparelho de tomografia computadorizada tradicional (CT) apresenta três componentes principais: 1) o gantry, que comporta em seu interior um tubo de raios X e um anel de detectores de radiação constituído por cristais de cintilação; 2) a mesa, que acomoda o paciente deitado e que, durante o exame, movimenta-se em direção ao interior do gantry; e 3) o computador, que reconstrói a imagem tomográfica a partir das informações adquiridas no gantry (Fig. 1). O técnico ou operador de CT acompanha o exame pelo computador, que geralmente fica fora da sala que acomoda o gantry e a mesa, separado por uma parede de vidro plumbífero.

Durante o exame, no interior do gantry, o tubo de raios X gira dentro do anel estacionário de receptores (Fig. 2). Os sinais recebidos pelos detectores dependem da absorção dos tecidos atravessados pelo feixe radiográfico, sendo registrados e matematicamente processados no computador9.

imagem_Fig01

Nas primeiras gerações dos tomógrafos médicos, o sistema captava apenas uma fatia (secção) a cada giro do conjunto dentro do gantry. Os tomógrafos mais atuais podem adquirir simultaneamente até 64 fatias, reduzindo de modo considerável o tempo de escaneamento, além de melhorar a qualidade da imagem e diminuir substancialmente as doses de radiação, quando comparados com seus antecessores15,26.

Quando o paciente possui restaurações metálicas ou faz uso de aparelho ortodôntico metálico no momento do exame, uma certa quantidade de artefatos interfere na qualidade da imagem obtida (Fig. 3). Isso foi uma desvantagem marcante para que o tomógrafo fan beam (feixes em leque) não se difundisse no meio odontológico14,28.

Com o intuito de solucionar as limitações da tomografia computadorizada convencional, o departamento de Radiologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Nihon (Japão) desenvolveu, em 1997, um tomógrafo para uso específico em Odontologia, utilizando uma nova tecnologia conhecida como Cone Beam Computed Tomography, ou Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico2.

Ao contrário dos aparelhos de tomografia tradicionais — que são grandes e têm custo elevado para compra e manutenção —, o tomógrafo cone beam tem tamanho reduzido e pode ser instalado em espaços físicos pequenos, além de escanear apenas a cabeça do paciente, suprindo as necessidades odontológicas. Essa tecnologia permite a reprodução de imagens tridimensionais dos tecidos mineralizados com mínima distorção, menor custo e menor dose de radiação em comparação à tomografia computadorizada tradicional22,26.

Como os tomógrafos convencionais utilizavam uma fonte de feixe em leque estreita que irradiava um receptor em arco, adquirindo um corte por vez, havia a necessidade da reconstrução do objeto fatia por fatia para a obtenção de sua representação tridimensional (Fig. 4A). Na CBCT, os raios são direcionados de forma cônica sobre um grande sensor plano enquanto ambos rotacionam em torno da cabeça do paciente, de forma que, em uma única rotação do conjunto (Fig. 4B), que dura de 20 a 40 segundos, aproximadamente 360 cortes 2D são realizados nos três planos de espaço. Então, um software reorganiza os cortes em um modelo 3D, incluindo todas as estruturas irradiadas, que podem ser visualizadas digitalmente de diferentes formas. Comparada à CT convencional, a CBCT utiliza uma radiação significativamente menor, pois realiza um único giro em torno do paciente.

A representação de uma imagem bidimensional é composta por pixels, que é a abreviatura para “picture element” — “elemento de uma imagem”. É a menor parte de uma imagem digital, e cada parte dessas contém informações que determinam suas características. O pixel é usado como unidade de medida para descrever a dimensão geométrica de uma imagem, e quanto maior a quantidade de pixels por polegada, melhor será a qualidade, ou a resolução, da imagem. Cada pixel carrega a informação sobre o nível de cinza ou de cor que ele representa20.

Os dados volumétricos são formados por voxels, que são as menores estruturas que formam a imagem 3D. São os pixels com mais uma dimensão, com profundidade. Seu tamanho determina a resolução da imagem tridimensional (Fig. 5).

Na CT, os voxels são anisotrópicos, cubos retangulares onde a maior dimensão está no plano axial. Sua profundidade é determinada pela espessura do corte tomográfico. Ao contrário dos aparelhos de CT, todos os aparelhos de CBCT geram imagens com voxels isotrópicos, ou seja, iguais nas três dimensões3,26. Na Figura 6 pode-se visualizar um esquema evidenciando a diferença entre pixels e voxels.

Campo de visão

O campo de visão, ou FOV (Field of View), dos aparelhos cone beam, normalmente trabalha com janelas entre 6″ e 12″. O FOV de 6″ é utilizado quando se quer imagens restritas a apenas um dos maxilares. No FOV de 9″ é possível visualizar ambos os maxilares e, dependendo do tamanho do paciente, todo o complexo craniofacial. Entretanto, quando se quer que toda a região craniofacial esteja inserida no estudo, como nos casos onde se quer analisar cefalometricamente o paciente, deve-se selecionar o FOV de 12″ (Fig. 7)7,3,16,18.

As estruturas e pontos de referência usados nas análises ortodônticas incluem a base do crânio, os ossos da face e a dentição, o que requer um campo de visão maior do que o usado nas análises para implantes. De forma geral, o ortodontista necessita visualizar o násio, no limite anterossuperior da imagem; e os pontos mandibulares pogônio, gnátio e mento, no limite anteroinferior. O campo de visão posterior deve incluir a sela túrcica, as ATMs (ponto condílio), a base do crânio (básio), e o contorno posterior da mandíbula (gônio). Além disso, as vértebras, até a C4, devem estar visíveis na tomografia, permitindo a análise da maturação esquelética21.

Doses de radiação

Uma das principais desvantagens da CT é o fato dessa utilizar radiação X, que tem efeito negativo sobre o corpo humano, principalmente pela capacidade de causar mutações genéticas — mais detectáveis nas células que se multiplicam rapidamente, como as células da mucosa bucal. Embora o risco de desenvolvimento de anomalias seja baixo, desaconselha-se a realização de TCs em grávidas, devendo ser ponderado com cuidado seus riscos e benefícios19,17,1.

Sabe-se, a partir da literatura radiológica, que um exame periapical completo pode variar de 33 a 150 microsieverts (µSv), dependendo do filme e do tipo de colimação utilizados32,4. Uma radiografia panorâmica varia de 2,5 a 6,2µSv (digital), e de 3 a 10µSv (filme), dependendo do equipamento e da qualidade da imagem requerida10. Doses efetivas para radiografias cefalométricas digitais variam de 1,1 a 3,4µSv, dependendo do tipo do sistema11; enquanto a dosagem relatada com uso de filme é de 2,3µSv31. Como parâmetro, sabe-se que a radiação média de fundo ambiental (radiação cósmica, radiação do solo, raios ultravioleta) é de 3000µSv/ano (em torno de 8µSv/dia), o que significa que as dosagens de uma radiografia cefalométrica e de uma panorâmica equivalem, respectivamente, a meio dia e a um dia de radiação de fundo ambiental (Quadro 1)21.

Uma pesquisa comparou a dosimetria de três tomógrafos, todos utilizando o campo de visão de 12″, justamente o de interesse ortodôntico18. Houve variação nas doses, que foram comparadas com as normas da Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP) de 1990 e de 2005, sendo que o tomógrafo i-CAT apresentou dose de 135 a 193µSv, maior que o NewTom, de 45 a 59µSv, enquanto o CB MercuRay mostrou uma dose significativamente maior, de 477 a 558µSv. Ou seja, o i-CAT e o CB MercuRay apresentaram doses de 3 a 3,3 e de 9,5 a 10,7 vezes maiores que o NewTom, respectivamente. Além disso, os equipamentos de CBCT apresentaram doses de 4 a 42 vezes maiores que uma radiografia panorâmica (6,3 a 13,3µSv). Os autores concluíram que a dose variou substancialmente, dependendo do equipamento, do FOV e de fatores técnicos específicos (mA e kV). No i-CAT, a variação do FOV de 12″ para 9″ reduziu a dosagem de 135 a 193µSv para 69 a 105µSv. O CB MercuRay, por exemplo, testado no FOV de 12″ com 10mA/100kV e 15mA/120kV, mostrou valores de 477 a 558µSv e de 847 a 1025µSv, respectivamente.

 Exigências ortodônticas

Alguns requisitos básicos devem ser considerados para que um equipamento de CBCT seja adequado para o diagnóstico ortodôntico: ter o campo de visão incluindo todas as estruturas de interesse ortodôntico e permitir a visibilidade de tecidos duros e moles com boa resolução. Sabe-se que esse método é ideal para irradiar dentes e ossos, enquanto outros métodos — como a ressonância magnética —, seriam mais indicados para melhor resolução dos tecidos moles.

A vantagem do tempo de exame relativamente pequeno, quando comparado com o tomógrafo fan beam, pode influenciar a qualidade da imagem final, pois diminui a possibilidade de artefatos por movimentação da cabeça. Alguns equipamentos acompanham posicionadores de cabeça com apoio para o mento e tala para a fronte, mas deve-se evitar o uso desses posicionadores pois acredita-se que podem causar distorção dos tecidos moles, além de influenciarem o posicionamento mandibular21.

Os tomógrafos computadorizados cone beam mais conhecidos no mercado internacional, com características adequadas para aplicações ortodônticas, são o NewTom 3G (AFP Imaging, EUA), o i-CAT (Imaging Sciences International, EUA) e o CB MercuRay (Hitachi Medical Corporation, Japão) (Quadro 2).

Além dos equipamentos atualmente disponíveis, a tendência é que os fabricantes desenvolvam novos sistemas com melhores sensores de raios X, bem como programas de reconstrução e de visualização das imagens mais aprimorados e de fácil manuseio.

Simulação radiográfica

Por meio da tecnologia CBCT são obtidas todas as radiografias possíveis para a região dentomaxilofacial, com uma única exposição, pois a técnica possibilita a captura de todo o volume do objeto, num tempo inferior a 1 minuto. Com isso, o ortodontista tem a vantagem diagnóstica de periapicais, panorâmicas, cefalométricas, oclusais e de uma vista espacial da articulação temporomandibular (ATM) de uma só vez, bem como tem a possibilidade de separar os lados direito e esquerdo da face na análise cefalométrica, diminuindo a sobreposição das estruturas ósseas27.

A radiografia cefalométrica pode ser simulada a partir da tomografia, com diferentes características, apresentando possibilidades vantajosas. Na simulação da radiografia cefalométrica, o modelo volumétrico — reconstruído a partir dos cortes tomográficos — é orientado espacialmente pelo operador, como se posicionasse a cabeça do paciente no cefalostato de um equipamento telerradiográfico convencional e, em seguida, esse é projetado em uma imagem bidimensional (Fig. 9). No momento da simulação radiográfica, alguns softwares — como o Dolphin Imaging 3D (Dolphin Imaging & Management Solutions, EUA), e o InVivo (Anatomage, EUA) — permitem ajustes da divergência ou do paralelismo dos raios (Fig. 8). Pode-se escolher entre duas configurações: perspectivas ou ortogonais. A radiografia perspectiva é a mais próxima das cefalométricas convencionais, pois é simulada com divergência dos raios, resultando em uma magnificação da imagem inerente à técnica, causando diferentes ampliações entre as estruturas do lado esquerdo e direito da face, especialmente nas bordas inferiores da mandíbula. Na radiografia ortogonal, quando a projeção dos raios é paralela, há uma manutenção da relação de tamanho 1:1 para os dois lados da face — característica da tomada tomográfica.

Durante a obtenção de radiografia cefalométrica, tem-se uma vista frontal do volume tridimensional, com linhas de referências fornecidas para um correto posicionamento. É fornecida uma janela que serve para determinar o quanto da imagem deve constituir a radiografia simulada. Uma possibilidade interessante é a geração de uma radiografia para cada metade da cabeça, removendo-se as superposições das estruturas bilaterais da face. Pode-se simular pelo menos três imagens diferentes para cada configuração (ortogonal ou perspectiva). Na Figura 9, temos uma imagem com superposições, onde todo o volume foi selecionado; na Figura 10, temos uma simulação que inclui apenas o lado direito da imagem; por fim, na Figura 11 temos apenas as estruturas do lado esquerdo, compondo a radiografia simulada.

 

 

Conclusão

É de extrema importância que o ortodontista esteja sempre atualizado sobre a evolução das técnicas de obtenção de imagens — peças fundamentais para o diagnóstico —, fazendo com que a tecnologia seja uma forte aliada para o sucesso do tratamento ortodôntico de seus pacientes.

 

Como citar este artigo: Silva MBG, Sant’Anna EF. The evolution of cephalometric diagnosis in Orthodontics. Dental Press J Orthod. 2013 May-June;18(3):63-71.

Enviado em: 15 de setembro de 2009 – Revisado e aceito: 29 de dezembro de 2010

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

Endereço para correspondência: Eduardo Franzotti Sant’Anna

Av. Professor Rodolpho Paulo Rocco – Cidade Universitária – Ilha do Fundão CEP: 21.941-590 – Rio de Janeiro/RJ

E-mail: eduardo.franzotti@gmail.com

 

 

 

 

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