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A “Era das Cerâmicas Monolíticas”, por Oswaldo Scopin de Andrade

Oswaldo Scopin de Andrade

Mestre e Doutor em Prótese Dental pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP-Unicamp), Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Odontologia Estética do Centro Universitário do SENAC, São Paulo, e Editor-chefe do Journal of Clinical Dentistry and Research (JCDR), da Dental Press .

Com o advento das cerâmicas “reforçadas por leucita” injetadas, no início da década de 90 do século passado, algo mudou na forma como uma restauração indireta era confeccionada; mas, mais do que isso, houve uma mudança de comportamento em toda uma geração.

Uma década antes, no início dos anos 80 após as clássicas publicações mostrando como o condicionamento das “porcelanas” favorecia a criação de uma unidade estrutural e aderida ao esmalte dental, já se iniciava um movimento. A possibilidade de unir uma cerâmica livre de metal ao esmalte criou os “laminados” como os conhecemos, pois, apesar dessa técnica ter sido descrita há mais de 80 anos, não havia a possibilidade de fixação adesiva eficiente, reduzindo sua longevidade, mesmo em curto prazo.

Surgiu, então, o condicionamento interno da cerâmica, a aplicação do silano, as resinas compostas com viscosidade ideal para cimentação, as técnicas de confecção sobre lâmina de “platina” e o troquel refratário. Nessa época, a Europa e o Japão eram celeiros dos grandes ceramistas dessa primeira geração “livre de metal” da Odontologia Estética. Do outro lado do mundo, nos Estados Unidos, com uma geração de bem-sucedidos profissionais nascidos em uma época de grande poder econômico (geração baby-boomer), a Odontologia Estética encontrou em grandes centros, como a Califórnia, o local ideal para se desenvolver. Grandes ceramistas mudaram-se para a América, e outros milhares peregrinavam para a Europa e o Japão, em busca dos grandes mestres da cerâmica estratificada.

A técnica se tornou “popular e elitista”. Popular pois era o sonho de muitos ter dentes perfeitos, alinhados e brancos; porém, elitista, pois apenas um pequeno grupo de ceramistas era capaz de realizar a técnica com eficiência. E mais: por ser uma técnica praticamente artística, a produção era custosa e em volumes reduzidos. Isso criou uma elite de “ceramistas artistas”, verdadeiros mestres que conseguiam copiar, de maneira perfeita, toda a anatomia e as características ópticas de um dente. Esses mestres são, hoje, reconhecidamente os grandes responsáveis pelo respeito e apreço pela Odontologia Estética. O tempo mostrou que a técnica era “perfeita”; os estudos de longevidade iniciais eram animadores e cada vez mais profissionais e pacientes buscavam essa modalidade de tratamento.

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Porém, surgiu um problema! Não com a técnica, em si, mas com a demanda! Com a explosão mundial da estética — e como a técnica era artística e cada dente, esculpido como uma obra de arte —, a produção mostrou-se limitada e as grandes empresas da área começaram a se movimentar para suprir essa demanda cada vez maior e intensa por restaurações cerâmicas livres de metal. Entre tantas técnicas que surgiram, a cerâmica por injeção (press technique) 1 foi a que mudou de forma definitiva todo o conjunto de procedimentos dentro de laboratórios e clínicas.

Pronto, agora a técnica “perfeita” era popular, e não mais elitista!!! O preço dos elementos caiu drasticamente, a confecção de um laminado entrou em uma linha de produção e, por meio da técnica de maquiagem, mais laboratórios se tornaram aptos a realizar os tão desejados “laminados cerâmicos”. Mas nem tudo é perfeito!! A primeira geração de cerâmicas injetadas de leucita (ex: Sistema Empress, Ivoclar Vivadent) necessitava de preparos mais invasivos em relação às “porcelanas” feitas sobre troquel refratário ou lâmina de platina.

Simultaneamente a isso, surgiram no mundo todo adesivos que permitiam obter união à dentina, “compensando” esse desgaste! Claro que essa compensação não se justifica mais na Odontologia atual, pois é sabida e documentada a importância de se manter a maior quantidade possível de estrutura dental, seja esmalte ou dentina. Mas, enfim, foi assim: saímos das “porcelanas” delgadas estratificadas sobre o esmalte para as cerâmicas injetadas de leucita sobre a dentina. A estética era importante… mas não tão conservadora! A evolução muitas vezes tem um custo.

Mas, em ciência, há idas e vindas, até que um certo consenso apareça!

Assim, surgiu a cerâmica à base de dissilicato de lítio (Empress 2, Ivoclar Vivadent), que era de altíssima resistência, porém muito opaca para ser usada em pequenas espessuras, apesar de ser uma estrutura passiva de condicionamento e silanização. Essa limitação levou a mais uma evolução e, anos depois, surgiu o sistema e.max Press (Ivoclar Vivadent), com a mesma formulação, porém com variação de translucidez, que permite trabalhar com espessuras extremamente reduzidas e com características ópticas obtidas por meio da ampla variedade de pastilhas com maquiagem ou estratificação parcial. Hoje, estão disponíveis diversas marcas comerciais com a mesma formulação e variáveis baseadas na mesma proposta de confecção. Com esse desenvolvimento, a técnica com laminados cerâmicos passou a ser mais popular ainda, e cada vez menos elitista!!!

Peças delgadas se tornaram uma tendência, e um novo nome surgiu, as “lentes de contato” odontológicas , o que ajudou a popularizar ainda mais a técnica.

Então, surgiu mais uma “revolução”: os sistemas CAD-CAM, que hoje são capazes de desenhar com o auxílio de programas de computador e fresar praticamente qualquer material.

A Odontologia se tornou estética e menos invasiva, seja para as cerâmicas injetadas, fresadas ou estratificadas. A variedade de técnicas aumentou as possibilidades, e o benefício da Odontologia Restauradora menos “invasiva” se tornou disponível para um número maior de profissionais e pacientes. Nesses últimos 35 anos, a Odontologia Restauradora evoluiu como nunca!

>>>Leia também: Qual a melhor técnica de cimentação para restaurações de cerâmica?

Particularmente, não defendo nenhuma técnica. Como educador e profissional da área de saúde, meu foco é o seguinte: não importa a técnica que o ceramista ou o clínico pretende utilizar; mas, sim, que, quando a usar, o faça da melhor maneira possível.

Se o ceramista tem a habilidade e/ou, por convicção ou opinião pessoal, prefere trabalhar com a técnica estratificada e também tem os clientes (dentistas e pacientes) que podem pagar por ela… perfeito!

De outro lado, somos um país com dimensões continentais e um número enorme de profissionais e pacientes que buscam e precisam de tratamentos reabilitadores estéticos e funcionais. Para isso, a confecção de restaurações cerâmicas monolíticas, com a técnica injetada e/ou fresadas e finalizadas com maquiagem, leva o benefício da Odontologia atual para um número cada vez maior de pessoas. E, importante: com qualidade e custo relativamente menor.

A educação é a mesma. Não é porque a cerâmica é monolítica e maquiada que não necessita de técnica e requinte; o treinamento também é árduo para o ceramista, mas torna o processo menos suscetível a erros. Há espaço para todas as técnicas de confecção de cerâmicas, e todas funcionam e têm documentação científica — e isso é imprescindível de ser entendido e compartilhado!

Nessa nova era, não há necessidade de se dizer que uma técnica é melhor ou pior do que outra; há, sim, a necessidade de se entender que a tomada de decisão, muitas vezes, é pessoal, pelo fato de o profissional ter mais familiaridade com a técnica!

A confirmação, pela ciência, de que as cerâmicas monolíticas são opções viáveis abre um “mar” de possibilidades terapêuticas, expansão de negócios e, principalmente, melhoria de serviços para os pacientes que buscam saúde e estética.

Sejam bem-vindas e bem-vindos a essa nova era… com mais possibilidades e opções!

 

*Publicado originalmente na Journal of Clinical Dentistry and Research (JCDR) 2017 Jul-Sept;14(3):5-7

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